Princípios de Psicologia – Prefácio

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Traduzi o Prefácio do Principles of Psychology, do William James, clássico que dá o pontapé inicial para a psicologia nos Estados Unidos.

A tradução foi feita baseada no belo site Classics in the History of Psychology, desenvolvido pelo professor Christopher D. Green, da York University, Toronto, Ontario, e acompanhado da tradução para o espanhol de Agustín Bárcena (Fondo de Cultura Económica, México).

Aliás, alguém sabe de uma boa edição em português deste livro?

***

PREFÁCIO
Princípios de Psicologia
William James

O tratado que segue desenvolveu-se principalmente a partir da instrução do autor em Psicologia, embora alguns dos capítulos sejam mais ‘metafísicos’ do que outros, e outros mais profundos em detalhes do que seria apropriado para estudantes que estejam se inteirando do tema pela primeira vez. As conseqüências disso são que, apesar da exclusão de assuntos importantes como prazer e dor, e sentimentos e julgamentos morais e estéticos, o trabalho cresceu até uma extensão que ninguém pode lamentar mais do que o próprio escritor. É preciso realmente ser otimista para, em época tão atribulada, esperar muitos leitores para 1.400 páginas contínuas de sua caneta. Mas wer Vieles bringt wird Manchem etwas bringen; e, saltando conscientemente aquilo que não lhe interessa, estou certo de que muitos leitores, mesmo aqueles que estejam apenas começando o estudo do tema, encontrarão utilidade para meu livro. Como os iniciantes necessitam principalmente de orientação, sugiro que omitam, numa primeira leitura, os capítulos 6, 7, 8, 10 (da página 330 até a página 371), 12, 13, 15, 17, 20, 21 e 28. Para despertar ainda mais o interesse do neófito, talvez a ordem mais sábia seja passar diretamente do capítulo 4 aos capítulos 23, 24, 25 e 26, e então retornar novamente ao primeiro volume. O Capítulo 20, sobre a percepção do espaço, é uma coisa terrível, que, se não fosse escrita com tanto detalhe, não poderia ser adequadamente tratada. Uma condensação dele, chamada ‘The Spatial Quale’, publicada no Journal of Speculative Philosophy, vol. XIII, p. 64, pode ser considerada por algumas pessoas um substituto útil para o capítulo todo.

Eu me mantive próximo ao ponto de vista da ciência natural por todo o livro. Toda ciência natural assume, sem criticá-los, alguns [p. vi] dados, e desiste de discutir os elementos dos quais obtém suas próprias “leis”, e que servem de premissas para suas próprias deduções. A psicologia, a ciência das mentes individuais finitas, assume como seus dados (1) pensamentos e sentimentos, e (2) um mundo físico no tempo e no espaço com o qual eles coexistem e que (3) conhecem. Claro que esses dados são, eles mesmos, discutíveis, mas a discussão deles (assim como de seus elementos) é chamada metafísica e se posiciona além dos limites deste livro. Este livro, assumindo que pensamentos e sentimentos existem e são veículos do conhecimento, defende então que a psicologia, a partir do momento em que tenha verificado a correlação empírica entre os vários tipos de pensamento e sentimentos com condições definidas do cérebro, não pode ir mais longe, como ciência natural. Se ela for além, torna-se metafísica. Todas as tentativas de explicar nossos pensamentos fenomenais dados como produtos de entidades mais profundas (sejam chamadas de ‘Alma’, ‘Ego Transcendental’, ‘Idéias’ ou ‘Unidades de Consciência Elementares’) são metafísicas. Este livro, conseqüentemente, rejeita tanto as teorias associacionistas quanto as espiritualistas; e este ponto de vista estritamente positivista consiste na única característica pela qual eu me sinto tentado a clamar originalidade. Claro que este ponto de vista está longe de ser final. Os homens devem continuar a pensar; e os dados assumidos pela psicologia, tanto quanto aqueles assumidos pela física ou pelas outras ciências naturais, em algum momento deverão ser revisados. O esforço para atualizá-los é, clara e completamente, metafísica; mas a metafísica só pode desempenhar bem sua função quando está especificamente consciente de sua grande magnitude. Uma metafísica fragmentária, irresponsável, semi-acordada e inconsciente de que é metafísica, arruína duas coisas positivas quando se injeta em uma ciência natural. E, para mim, parece que tanto as teorias de um agente espiritual quanto de ‘idéias’ associadas, da maneira como aparecem em livros de psicologia, são tão metafísicas quanto esta. Mesmo que seus resultados sejam verdadeiros, seria bom mantê-las, assim apresentadas, fora da psicologia, como se devem manter os resultados do idealismo fora da física.

Eu então tratei nossos pensamentos momentâneos como íntegros [p. vii], e encarei as simples leis de sua coexistência com estados cerebrais como as leis últimas para a nossa ciência. O leitor procurará em vão por algum sistema fechado no livro. Ele é antes uma massa de detalhes descritivos, que se direciona a perguntas que somente uma metafísica consciente do peso de sua tarefa pode esperar lidar com sucesso. Isso ocorrerá, talvez, vários séculos adiante; e, enquanto isso, o melhor sinal de saúde que uma ciência pode mostrar é esta frente que parece inconclusa.

A conclusão desta obra foi tão lenta que vários capítulos foram publicados com sucesso em Mind, Journal of Speculative Philosophy, Popular Science Monthly e Scribne’s Magazine. Os reconhecimentos são feitos nos lugares apropriados.

A bibliografia, lamento dizer, é bastante assistemática. Em geral, eu usei a minha autoridade para fatos experimentais especiais; mas, além disso, eu procurei principalmente citar livros que, provavelmente, seriam usados pelo estudante universitário comum norte-americano em suas leituras complementares. A bibliografia de Lehrbuch der Psychologie (1875), de W. Volkmann von Volkmar, é tão completa, até esta data, que não há necessidade de uma duplicação inferior. E, para referências mais recentes, Outlines de Sully, Psychology de Dewey e Handbook of Psychology de Baldwin podem ser utilizadas com proveito.

Por fim, quando alguém deve a tantos, pode parecer absurdo indicar créditos individuais; mesmo assim, não consigo resistir à tentação, ao final de minha primeira aventura literária, de registrar meu agradecimento à inspiração que recebi dos escritos de J. S. Mill, Lotze, Renouvier, Hodgson e Wundt, e da companhia intelectual (apenas para apontar alguns nomes) de Chauncey Wright e Charles Peirce nos velhos tempos, e, mais recentemente, de Stanley Hall, James Putnam e Josiah Royce.

UNIVERSIDADE DE HARVARD, Agosto de 1890

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19 respostas a Princípios de Psicologia – Prefácio

  1. adalberto disse:

    João amigo não existe tradução tupiniquim deste monumento. Ainda hoje são escritas dissertações e teses sobre esta magnífica obra. Seria bom lembrar também de seu livro “Variedades da Experiência Religiosa”.

  2. João Mattar disse:

    Ele escreveu tanto, né, Adalberto? Estou trabalhando especificamente a questão do “fluxo do pensamento e da consciência” para meus alunos de psicologia (há um artigo, além do próprio Princípios, que trata disso), mas há tantos temas brilhantemente tratados no livro: memória, consciência do eu etc. Com certeza muitas observações sobre o cérebro devem estar ultrapassadas, erradas, mas mesmo assim valeria um grupo de estudos?

  3. João Mattar disse:

    Adalberto e demais, qual (ou quais) seriam as explicações para uma obra como esta não ter sido traduzida para o português? O fato de ser muito grande? O fato de a Psicologia ter pegado mais tarde por aqui?

  4. wanderlucy disse:

    Talvez a obra estivesse esperando por você para traduzi-la.
    Genial sua tradução do prefácio!

  5. João Mattar disse:

    Nem pensar, Wanderlucy, é muito grande e provavelmente nenhuma editora teria interesse, porque a obra já não teria apelo popular. Talvez apenas uma editora universitária!

  6. valdemir e claudinha disse:

    REFLEXÕES

    Amizade

    Para que serve um amigo?

    Para rachar a gasolina, emprestar a prancha, recomendar um disco, dar carona para festa, passar cola, caminhar no shopping, segurar a barra.

    Todas as alternativas estão corretas, porém isso não basta para guardar um amigo do lado esquerdo do peito.
    Milan Kundera, escritor tcheco, escreveu em seu último livro, “A Identidade”, que a amizade é indispensável para o bom funcionamento da memória e para a integridade do próprio eu.

    Chama os amigos de testemunhas do passado e diz que eles são nosso espelho, que através deles podemos nos olhar. Vai além: diz que toda amizade é uma aliança contra a adversidade, aliança sem a qual o ser humano ficaria desarmado contra seus inimigos.

    Verdade verdadeira.

    Amigos recentes custam a perceber essa aliança, não valorizam ainda o que está sendo contraído. São amizades não testadas pelo tempo, não se sabe se enfrentarão com solidez as tempestades ou se serão varridos numa chuva de verão.

    Veremos:

    Um amigo não racha apenas a gasolina: racha lembranças, crises de choro, experiências. Racha a culpa, racha segredos.

    Um amigo não empresta apenas a prancha. Empresta o verbo, empresta o ombro, empresta o tempo, empresta o calor e a jaqueta.

    Um amigo não recomenda apenas um disco. Recomenda cautela, recomenda um emprego, recomenda um país.

    Um amigo não dá carona apenas para festa. Te leva para o mundo dele, e topa conhecer o teu.

    Um amigo não passa apenas cola. Passa contigo um aperto, passa junto o reveillon.

    Um amigo não caminha apenas no shopping. Anda em silêncio na dor, entra contigo em campo, sai do fracasso ao teu lado.

    Um amigo não segura a barra, apenas. Segura a mão, a ausência, segura uma confissão, segura o tranco, o palavrão, segura o elevador.

    Duas dúzias de amigos assim ninguém tem. Se tiver um, amém !

    Obrigado por sua amizade… é muito importante para mim!

    autor desconhecido

  7. valdemir e claudinha disse:

    na vardade eu continuo ainda me perguntar eu preciso aprender mas um pouco e morrer aluno de quem sabe o que fala.
    até la um abraço meu caro professor eu com saudade torcendo para que chegue terça – feira manhã na vila olimpia da universidade anhembi Morumbi para juntos aprender mas um poucos uns com os outros.atenciosamnete valdemir Quirino do Nascimento.

  8. valdemir disse:

    REFLEXÕES
    OUTONO
    No Outono, quando os frutos abandonam as árvores que lhe fizeram nascer e jogam –se ao chão…
    No Outono, quando as folhas verdes perdem o seu viço e param de alimentar, com seu metabolismo de néctar etéreo das radiações solares, a planta, e a abandonam…
    No Outono, quando os pássaros migram para novas paragens, colocando o silêncio e a tristeza em torno das árvores que lhe acolheram durante as boas estações, somente para lhes ouvir o canto alegre e festivo, e sem mais nada pedir…
    No Outono, quando a própria terra, que se beneficiou de sua sombra fresca, torna-se árida, negando alimentação…
    No Outono, quando todos aqueles que a admiram e aproveitam a sua beleza também a abandonam, a árvore mantém-se viva e serena. Não desanima e aguarda. Conhece a sua missão e não se desespera. Não odeia e nem se vinga. Sabe que à humilhação sobrevirá a exaltação, e, por isso, aguarda com Soberba Coragem o Inverno que haverá de cobri-la com nuvens cinzentas e lamacentas de humilhação, numa tentativa final de destruí-la.
    Mas, na sua seiva corre o Espírito do Eterno, e ela disso sabe, tem consciência. E, numa atitude passiva e resignada, entende a efemeridade dos tempos.
    Então, passados estes, vê nascer em seu distante ramo um broto, como que lhe anunciando as recompensas por tamanha Coragem. É a Primavera que surge.
    E, novamente, a terra volta a lhe dar alimento, as folhas retornam com seu verde de Esperança, os pássaros em seus galhos fazendo morada, as flores e frutos a lhe enfeitar e, finalmente as pessoas a lhe admirar. É a glória, conquanto que passageira, mas por demais nobre para ser desprezada.
    Nas estações de Outono, saiba imitar a árvore.
    Dr. Celso Charuri

  9. adalberto disse:

    Voltando à questão das traduções de Princípios de W. James existe a de língua espanhola, que para nossa surpresa não é européia, é mexicana da Fondo de Cultura Económica.

  10. João Mattar disse:

    Como eu disse no post original, foi essa tradução que utilizei como apoio a minha tradução do inglês.

  11. adalberto disse:

    Desculpe-me João, foi um lapso meu.

  12. Rosangela disse:

    Olá João, estou iniciando o mestrado, e minha tese é sobre “fluxo do pensamento e da consciência” em William James, você por acaso teria algum material para compartilhar comigo? seria muito grata a você.

  13. Joao Mattar disse:

    Rosangela, que legal, parabéns.
    Olha, eu não tenho muito mais coisa do que coloquei aqui no blog, em algus posts.
    Estudei o William James com duas turmas de Psicologia neste semestre, na disciplina Filosofia, e depois lemos um conto da Clarice Lispector.
    Escrevei uma ou outra coisa além do que está aqui, me envie um email e começamos a converar por email, pode ser?

  14. pedro ademilson horst disse:

    estou a procura do livro de William James Variedades de experiencias religiosa, grato

  15. João Mattar disse:

    Ademilson, eu não tenho, mas boa sorte na procura e nos avise por aqui se achar, e como foi a leitura, ok? Abração

  16. Eduardo disse:

    ola joao, sou mto novo na area e gostaria que dissese de uma forma simples quais sao os principios da psicologia

  17. João Mattar disse:

    Eduardo, a pergunta parece muito simples mas na verdade é muito complicada. No caso do James, por exemplo, este é o título de um livro bem longo. O ideal seria você ler um livro introdutório e atual sobre Psicologia, que vai discutir os principais temas abordados pela psicologia.

  18. Vagner Simino disse:

    Ola, estudo filosofia e tenho um seminario para desenvolver sobre o pragmatismo do James, apesar do tema central girar em torno do ” o significado da verdade” e dos “ensaios em empirismo radical” também vamos abordar o tema da psicologia, enfim tudo isso pra dizer que há uma tradução Pablo Rubpen Mariconda do IX Capítulo (o fluxo do pensamento) do “Principio de psicologia na coleção os pensadores da ed. Abril, 1979 se interessar a alguem está ai a dica.

  19. João Mattar disse:

    Grande dica, Vagner, valeu muito.

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