Fomos maus alunos

DIMENSTEIN, Gilberto; ALVES, Rubem. Fomos maus alunos. 8. ed. Campinas, SP: Papirus, 2007. Resenha por João Mattar.

Depois de A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse exisitir e Escola sem sala de aula, resolvi completar uma trilogia de leituras com este livro, que é uma conversa informal entre os dois autores sobre os métodos ultrapassados das escolas.

O livro discute bastante a questão do descompasso entre os programas pelos quais os dois autores passaram, em seus estudos, e os seus interesses. Alumni, segundo os autores, vem de “sem luz”. As escolas são re-vistas, por eles, como exercício de sadismo por parte dos que detinham o poder, e em vários momentos da leitura senti um ódio exagerado dos dois (uma vingança por terem sido maus alunos, como os autores mesmo admitem). Histórias muito simples muitas vezes justificam generalizações apressadas, como a de que o bom aluno é um mau profissional, e vice-versa (é citado o livro Na vida dez, na escola zero como suporte à tese, apesar de não ser exatamente isso o que o livro conclui). Às vezes, parece que os autores têm a fórmula mágica para resolver todos os problemas da educação, justamente por alguns excessos de simplificação.

Rubem Alves sugere a extinção dos vestibulares: hoje, provavelmente nenhum de nós seria aprovado num vestibular, e os currículos das escolas acabam muitas vezes sendo programados simplesmente para a aprovação no vestibular.

Dimenstein reflete sobre a velocidade da atualização do conhecimento: antigamente havia apenas alguns antibióticos, hoje existem milhares. Surgem a todo momento teorias que mudam as nossas explicações para as coisas que pareciam explicadas (vivemos recentemente um caso interessante, com a alteração da lista dos planetas do sistema solar, conhecimento que parecia sólido e imutável). Um Prêmio Nobel de física dizia: “A chance de você se manter empregado com o que você aprendeu na faculdade é matematicamente igual a zero.” (p. 104). Segundo Dimenstein, um chefe de patentes dos Estados Unidos, no final do século XIX, escreveu: “Podemos encerrar esse departamento porque não há nada mais para ser inventado.” (p. 110). Na verdade, hoje cada vez se descobre mais e é cada vez menor o tempo entre a descoberta e a sua aplicação, ou seja, a velocidade da produção e transferência do conhecimento para a prática é hoje muito maior do que no passado.

Há uma reflexão interessante sobre currículos: eles têm sentido para os burocratas que os preparam, não para os alunos, e valem apenas para o futuro (o que você vai ser quando crescer?), nunca para o presente.

Outro ponto interessante levantado na discussão é o fato de os alunos não verem o professor aprendendo. O professor ensina, mas nunca se mostra aprendendo. Para Dimenstein, “o aluno tem de ver o professor aprendendo em tempo presente. É preciso haver dentro da escola espaços em que o professor esteja aprendendo coisas e que o aluno possa compartilhar isso.” (p. 103). O professor precisa também dizer: eu não sei, assumir quando necessário sua ignorância.

Discute-se também o fato de que as dissertações e teses de pós-graduação sempre têm suas hipóteses confirmadas. Eu costumo dizer para os meus orientandos que não é essa a idéia – o estudo serve para provar ou não as hipóteses iniciais, e se elas forem negadas isso não denigre em nada o trabalho realizado. Um trabalho acadêmico é um exercício para testar hipóteses, não uma obrigação de mostrar que elas estão corretas.

A escola teria sido moldada em função da cultura do livro (por isso as provas sem consulta – minhas provas são sempre com consulta), mas hoje temos outra cultura em jogo. E Dimenstein conta uma história engraçada, em que o dono de uma livraria recebeu ligações de escolas, que estavam passando por fiscalização, solicitando a compra de livros… qualquer livro, só para encher a biblioteca!

Há também uma interessante reflexão sobre hiperatividade: o aluno está explodindo de energia, o mundo é maravilhoso e muito interessante, mas ele é obrigado a seguir um programa atrasado e descontextualizado. Hoje, parece que temos encarado a questão da hiperatividade de uma maneira menos rígida.

Mais ou menos na metade do livro, o tom muda um pouco quando os dois reconhecem que o professor também é uma vítima do sistema, principalmente por sua obrigação de repetir sempre o mesmo programa, e por ele não ser normalmente remunerado para desenvolver pesquisa. Mais à frente, eles reconhecem que há vários professores que têm se esforçado para tentar romper com o padrão, trabalhando com projetos, temas transversais, interdisciplinares, multidisciplinares, de comunicação, voluntariado, de contato com a comunidade etc. E também com projetos que os alunos desenvolvem e podem depois publicar e ensinar aos outros o que aprenderam. Como Rubem Alves afirma: “A coisa que mais me dá esperança é andar pelo Brasil e ver a quantidade de coisas incríveis que as pessoas estão fazendo.” (p 96). Eu tenho dito isso bastante neste blog: nos grandes centros, como São Paulo, temos a sensação de que não há escapatória (pensando na EaD), que o que conta é o dinheiro, que temos de nos conformar em seguir as orientações dos burocratas etc., que tem que ter muito aluno por turma mesmo, que não dá para ter muita interação, que o tutor tem que ser um impostutor etc. Mas viajar pelo Brasil nos mostra várias saídas, nos mostra que estamos cegos – e errados, e que tem gente resistindo, pensando, experimentando, criando caminhos alternativos…

Há uma passagem interessante sobre inovação:

“Por causa da burocracia e do excesso de bom senso e de senso comum, as corporações vão perdendo o ambiente inovador que as projetou. A maioria das pessoas bem bom senso. E a inovação tem de, necessariamente, ir contra o bom senso. É por isso que nós somos condenados a nunca reformar, de fato, as instituições e sempre ficar como bufões. Eu acho que o nosso trabalho deve ser meio palhaço, no sentido lúdico, de sempre ir contra o bom senso estabelecido.” (p. 77).

Há também críticas em vários momentos ao toque da campainha que obriga os alunos, num clique, a ter que mudar o interruptor do aprendizado da química para a literatura, por exemplo.

Mas os autores reconhecem também a importância da convivência com os amigos, na escola.

Há também reflexões interessantes sobre a indisciplina: se é preciso chamar a atenção, é porque alguma coisa está errada na relação professor/alunos; e a pior indisciplina é a do aluno catatônico, que não presta atenção em nada, que não se sente estimulado por nada.

Para as mudanças necessárias, entretanto, “não há faculdades de educação criativas, que sejam faróis, modelos.” (p. 99). Quem estaria cumprindo esse papel hoje seriam as ONGs.

No final do texto, há uma reflexão interessante também sobre a importância do erro no aprendizado.

No final do livro há um glossário principalmente para os nomes citados durante o texto.

Enfim, uma leitura que complementa bem as duas anteriores, e que traz alguns insights e algumas reflexões que nos ajudam a pensar também a educação superior e mesmo a EaD.

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7 respostas a Fomos maus alunos

  1. Wanderlucy disse:

    Ainda que o excesso de otimismo às vezes enjoe um pouco a gente em tudo que os autores deste livro escrevem, é impossível passarem-me despercebidos os textos dos dois (publicados na Folha semanalmente), pois eles trazem sempre a possibilidade de um novo olhar sobre aquilo que está gasto e desacreditado. E é disso que a educação tem precisado ultimamente: um novo olhar. O bom de trabalhar com EaD é que ela nos obriga todo o tempo a lançar novos olhares sobre o que nos cerca, principalmente sobre nós mesmos,sobre nossas certezas a cada dia mais abaladas e sobre o que temos feito.
    Obrigada por nos presentear com mais esta ótima resenha!

  2. Breno Trautwein disse:

    Ola Wanderlucy e Mattar,

    Em relação ao comentário da Wanderlucy e indo contra o otimimismo exacerbado, ainda temos que aumentar o contngente de pessoas que trabalham com EaD e diminuir rapidamente o contigente de pessoas que pensam que trabalham com EaD.

    Achei curiosa a passagem colocada pelo Mattar “Há uma reflexão interessante sobre currículos: eles têm sentido para os burocratas que os preparam, não para os alunos, e valem apenas para o futuro (o que você vai ser quando crescer?), nunca para o presente”. Será que eles valem para o futuro ou seria para o passado?

    []s

  3. wanderlucy disse:

    Bom te ver por aqui, Breno!
    Acho que esses currículos valem para um futuro que não existe mais, caracterizado por modelos ultrapassados de sucesso profissional. Tudo tem mudado muito rapidamente em nossa sociedade e há pouca gente bem preparada para propor mudanças viáveis, sobretudo na educação.

  4. Pingback: De Mattar » Blog Archive » EaD Reggio Emília

  5. Luciana disse:

    É muito bom contar com opiniões diversas acerca do que é EAD. Sou profissional da área e apaixonada convicta pelo tema. A velocidade das mudanças, do novo no dia-a-dia é, realmente para poucos. Em outras palavras, no contato com outros colegas observo alguma resistência à mudança, observo até mesmo uma postura errônea em relação à EAD. Acredito que, para trabalhar com EAD devamos ceder às inovações, não apenas tecnológicas mas, em sua maioria, às inovações de idéias, devemos perder o ‘medo’ de arriscar e tentar mostrar o valor e o enriquecimento que essa modalidade de aprendizado possa trazer, rompendo não apenas fronteiras territoriais, como também, fronteiras comportamentais!
    Abraço a todos, Luciana.

  6. Pingback: De Mattar » Blog Archive » Home Schooling e Unschooling

  7. Dewitt Jaecks disse:

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