A Cultura Digital do Custo Zero

Li um longo e interessante artigo de Chris Anderson (autor do best-seller A Cauda Longa): Free! Why $0.00 Is the Future of Business, publicado na Wired Magazine 16.03.

O artigo analisa o predomínio dos serviços gratuitos na Web, assunto que já andei tratando de leve em alguns posts por aqui. Os custos na Web tendem a zero; não há, por exemplo, praticamente mais custo para arquivar emails e arquivos. No fundo, é o custo marginal da informação digital que tende a zero, e por isso, segundo Anderson, nunca houve mercado mais competitivo que a Net. A Web se tornou a terra do grátis. Os produtos e serviços online ficam cada vez mais baratos, e o grátis parece ser o destino inevitável.

Da perspectiva do consumidor, há uma enorme diferença entre barato e grátis. Um produto “dado” pode se tornar viral, mas se você decidir cobrar um centavo, já está em um negócio totalmente diferente. A psicologia do “grátis” é muito poderosa. Josh Kopelman chama de “penny gap” (a fissura do centavo) a diferença entre barato e grátis. Zero é um mercado, e qualquer preço é outro mercado. Há uma enorme fissura psicológica entre “quase zero” e “zero”, e por isso os micropagamentos falharam.

Há um novo ecossistema econômico se estabelecendo na web, com novos modelos de negócios para ofertas de produtos e serviços grátis, que Anderson divide em 6 grandes categorias:

1. Publicidade

Usado por exemplo na televisão e rádio, e agora na Internet. Conteúdo, softwares, serviços etc. são oferecidos de graça, para todos. Yahoo, Google, Amazon etc. teriam sido a primeira geração desse modelo; numa segunda onda, observamos estratégias como: inclusões pagas em resultados de buscas, listas pagas em serviços de informação, e compra de listas com nomes de pessoas interessadas em certos assuntos. Mais recentemente, as empresas têm utilizado esquemas como PayPerPost e pay-per-connection em redes como Facebook.

Todos essas abordagens estão baseadas no princípio de que ofertas grátis formam audiência com interesses distintos e desejos expressos, que as empresas pagarão para atingir.

2. Subsídios cruzados

Ocorre nos casos em que a empresa oferece de graça algum produto que leva o consumidor a pagar por outro.

Um supermercado pode vender DVDs abaixo do preço de custo, para atrair clientes que supostamente acabarão comprando outros produtos na loja. Para chegar nos restaurantes dos cassinos de Las Vegas, que oferecem buffets com camarão a US$ 5.00, é preciso passar por um labirinto de máquinas, sendo praticamente impossível deixar de jogar. Petiscos grátis para quem consumir um mínimo de bebidas é outra estratégia similar, assim como dar um aparelho celular de graça, em troca de planos de fidelidade com companhias telefônicas. A estratégia de distribuir CDs ou DVDs “piratas” é utilizada para pormover grupos musicais que acabam faturando depois em shows, por exemplo. O texto menciona especificamente a venda dos CDs da banda Calypso em São Paulo.

3. Freemium

Softwares, serviços ou conteúdos que são oferecidos de graça em versões básicas, mas que possuem versões premium ou pro pagas, com mais recursos. Exemplos seriam o Flickr ou Second Life.

A equação aqui é a seguinte: 1% de pagantes suporta o restante de usuários free, já que o custo para oferecer os serviços para os 99% restantes tende a zero.

4. Custo marginal zero

Conteúdos e serviços, como de troca de arquivos, podem ser oferecidos praticamente a custo zero.

O exemplo clássico é a música digital, que mesmo contra todos os esforços (principalmente das gravadoras) continua sendo distribuída livremente na Web.

5. Troca de trabalho

O usuário, ao utilizar alguns serviços, cria algo de valor, seja porque ele aperfeiçoa o próprio serviço, seja porque ele cria informação que pode ser útil.

Um exemplo seria o Digg.

6. Economia do presente

O dinheiro não é o único motivador da economia digital, e a web é uma plataforma onde a colaboração sem fins comerciais se estabelece livremente. A economia do custo-zero de distribuição transformou o compartilhamento em uma indústria, o que, do ponto de vista da economia monetária, parece grátis ou mesmo concorrência desleal. Entretanto, estamos vivendo uma nova maneira de se medir o valor das criações, que não passa apenas pelo valor monetário.

Softwares livres, como o Linux, e a Wikipedia, são exemplos desse modelo.

***

A economia digital virou a economia tradicional de cabeça para baixo, com os custos marginais da produção e da distribuição tendendo a zero. Não é apenas o dinheiro que move a economia digital, mas também outros recursos escassos, como a reputação (classificação da página) e a atenção (tráfego). E o Google desempenha o papel de banco central nessa nova economia, transformando reputação e atenção em dinheiro (como anúncios).

A razão da existência do mundo do “grátis” seria adquirir esses ativos valiosos, para um modelo de negócios que seria identificado mais tarde. Isso também é uma inversão no fluxo normal da economia tradicional: primeiro uma idéia, que então precisa ser depurada por um modelo de negócios detalhado, e só então a coisa começa a funcionar. O “grátis” transfere o foco da economia apenas daquilo que pode ser quantificado em dólares e centavos, para uma contabilidade mais realista de todas as coisas que nós realmente valorizamos hoje. Na economia digital, o grátis tende a ser visto como a norma, não mais como anomalia.

Falamos (incluisive muito por aqui) da geração Google, da Geração Net, da geração 2.0 etc. mas Anderson chama a atenção para a geração da Web gratuita, que está chegando e que tende a transformar o mundo. É a geração que está entrando nas universidades, e é a geração que vai ler livros e fazer cursos online. Portanto, precisamos levar o componente do grátis em consideração, em nosso planejamento e nossas estratégias para lidar com essa geração.

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9 respostas a A Cultura Digital do Custo Zero

  1. Vinicius Vidal disse:

    Caro JM,

    Voltando ao seu blog. Só digo uma coisa, meu caro amigo: ninguém nesse mundo faz algo de graça. Forte abraço!!!!

  2. João Mattar disse:

    Prazer tê-lo de volta, direto da baixada! Mas veja que você mesmo entrou em contradição – colocou seu comentário por aqui sem cobrar nada!

  3. Carlos Couto disse:

    João…
    Tb estive meio sumido… a sua colocação a respeito do comentário do Vinicius é perfeita…. estamos acrescentando informação sem cobrar nada… a muito tempo sou adepto do “Free” e sei tb que o futuro é a publicidade….

    Abraço…

  4. João Mattar disse:

    Puxa, prazer revê-lo – pelo jeito Abril é a época dos retornos! Eu não entro muito no MSN mas reparei que você entrou hoje, enquanto eu estava lá, ia mesmo te dar um oi.
    Foi uma brincadeira com o Vinícius, mas o que ele (e você) fizeram é justamente uma das categorias do free que o Anderson aborda. A publicidade é uma delas, mas acho interessante analisar também as outras.
    Acho que o futuro é um mix dessas (e de outras) sem muito padrão – com variações.
    A questão principal é (e acho que isso é uma das mensagens do artigo dele): quem não entender isso, não incorporar isso adequadamente a suas estratégias comerciais, está fora do mercado – está, como ele diz, em outro mercado.

  5. Willian Vieira disse:

    Fala professor esta tendência e inevitável. Conversando com um amigo ele comentou que a empresa onde trabalha (software de gestão para o varejo) estava disponibilizando no site o software e a licença free com a condição que fosse dois caixas, nesta ação ele se mostrou ao publico e criou laços de fidelidade. Acredito e uma estratégia pouca explorada neste ramo.
    O que você acha?

    Grato
    Willian
    Aluno S.I.

  6. João Mattar disse:

    Willian, acho que a estratégia que você comentou é uma variação da modalidade “freemium” – pelo que entendi, o software é o mesmo, sem versões free/premium, mas a possibilidade de uso gratuito é para pequenas empresas. Se com isso a empresa conseguir se mostrar, atrair interesses de outros clientes e mesmo dos clientes que usam a versão free, mas depois podem crescer, a empresa sem dúvida terá atingido seu objetivo, usando essa cultura do custo zero como elemento de marketing.

  7. João Mattar disse:

    Willian, veja que coincidência (ou como a empresa do seu amigo conseguiu mesmo se mostrar – se estamos falando da mesma pessoa) – hoje li na Panorama Editorial uma chamada para a estratégia da Zanthus, com o Zanthus free. O projeto é atingir 10 mil varejistas no primeiro ano, 40 mil em 3 anos, e 50 mil em 5 anos!

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