Taylorização e Fayolização da EaD

Automation Chimera: Education is not Management é o título de um curto artigo de Trent Batson, do MIT, publicado na Campus Technology, que toca em um assunto que venho discutindo bastante. Parto aqui do artigo para mais uma reflexão.

Bons resultados com a automação de diversas atividades nas instituições de ensino, como os sistemas que fornecem informações para os alunos, levam muitos administradores a transferirem a mesma lógica da mínima intervenção humana para a educação, principalmente a EaD. Mais alunos, menos tutores, mais software, menos intervenção do professor. O Otto Peters fala do fordismo em EaD, aqui é possível falar na Taylorização e Fayolização da EaD: professor operário (que não tem condições de analisar o seu trabalho), divisão e racionalização do trabalho, estudo de tempos e movimentos (quanto tempo o professor leva para clicar aqui, clicar ali etc.), centralização, rotinas etc. Alguém planeja, alguém supervisiona e controla, e o professor apenas executa. Professor robô = máquina.

Essas teorias já estão ultrapassadas em administração, mas além disso o que é bom para a administração nem sempre é bom para o aprendizado; ao contrário, essa lógica administrativa pode ser nociva para a educação. O aprendizado humano implica diferenças individuais em estilos e ritmos de aprendizagem, e tem um aspecto social que não pode ser completamente automatizado. Nem professores, nem alunos são máquinas. Aprendizagem e administração não são sinônimos, ao contrário, são necessidades muitas vezes conflitantes.

Essa tendência de automação pode também ser observada em ambientes de aprendizagem voltados para o controle e a administração (Learning Management Systems), não exatamente para o aprendizado (cf. REYNARD, Ruth. Designing learning spaces for instruction, not control. Campus Technology, April 29, 2009). E a Web 2.0 pode funcionar como um antídoto contra essa tendência. O aprendizado está relacionado a escolhas e flexibilidade, não a automação.

Muito tempo depois me lembrei deste post, ao ler o capítulo 5 do livro de Patricia Smith e Tilman J. Ragan, Instructional design. A proposta de task analysis, com decomposição dos objetivos de aprendizagem, análise de processamento de informação dos objetivos, determinação dos pré-requisitos etc. reproduz, agora no processo de elaboração da instrução (e por consequência da aprendizagem) a mesma lógica taylorista. Além de esse modelo baseado na equação “conteudista + DI (entendido dessa maneira) + tutor” reforçar essa visão taylorista em educação.

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9 respostas a Taylorização e Fayolização da EaD

  1. Sérgio Lima disse:

    Opa Mattar!

    O pior é que o ensino privado olha a EAD nesta perspectiva “adminstrativa”… e as vezes junta-se a isto a própria incompreensão das especificidades do EAD… Muito bom algu levantar esta questão!

  2. Renato disse:

    Ora ora voltou animado hein? Muito interessante o texto, tudo bem que há uma grande interseção entre o EaD e a gestão de pessoas, que nada mais é do que um braço da Administração. Será que o EaD está correndo lá atrás da administração, será que idéias como gestão por competências ou outras teorias mais novas não se aplicariam bem ao EaD?

    Confesso que vou reler alguns apontamentos para conversar mais dessa vez.

  3. João Mattar disse:

    Sérgio, foi justamente essa visão do ensino privado que praticamente fundou este blog, e toda a minha inquietação com a EaD nos últimos anos.
    Pois é, Renato, mas aqui estamos falando justamente de administração para excluir pessoas. Aí é que vem o problema – educação tem a ver com gestão de pessoas, não com gestão de máquinas.
    A discussão sobre a onda de habilidades e competências em educação parece que diminuiu de intensidade um pouco, mas é um tema sobre o qual eu gostaria muito de escrever – comecei antes do blog e agora está tudo em papel! Acho que houve uma transposição infeliz e sem reflexão da idéia de competências para a educação. Vou procurar minhas anotações porque vez ou outra me lembro disso, e já passou da hora de postar por aqui.
    Abração

  4. Pingback: De Mattar » Blog Archive » Instructional Design

  5. Oi João

    Geralmente a ‘gestão de pessoas’ , a ‘administração do tempo’, os princípios fordistas, tayloristas significam: acumulação de capital, precarização do trabalho.

    Educação não é negócio, é um direito, um bem humano e, assim, não pode ser gerida exclusivamente por critérios econômicos. E o que se vê é a aplicação de toda o ideário capitalista (na sua versão neo liberal) para gerir aquilo que não deveria ser enquadrado nesta lógica.

    Eu, por exemplo, sou contra aceitar que professores sejam chamados tutores, mudando o nome da profissão para retirar direitos, para anular carreira. 95% dos ‘tutores’ de cursos EAD são professores, exercendo atividades docentes, sem concurso, sem carreira, sem direitos trabalhistas.

    Daí a organizarem uma engenharia do clica ali, clica aqui é um pulinho :) Neste sentido, a EAD se molda aos interesses econômicos.

    ((boa discussão: vou levar isso para o Google Buzz – aliás, um excelente espaço para o #eadsunday – link permanente, arquivo, rss, …))

    abraço!

  6. João Mattar disse:

    Suzana, você deve conhecer meu combate a essa questão do tutor, exatamente na direção que você aponta. Na verdade, minha ideia do aututor serve para tentar reconciliar o conteudista e o tutor, novamente como professor. Mas confesso que agora estou percebendo a necessidade de envolver o designer instrucional nessa discussão, pois dependendo da atuação dele, ele reforça ainda mais esse modelo. Concordo com tudo o que você disse, e muito bem dito por sinal!

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  9. José silva disse:

    aproveitando esta discussão sob uma perspectiva de rebaixamento do tutor, me vem a idéia de também pensarmos um puco no processo que embasa a ação destes atores no processo de construção do ensino e aprendizagem na EaD. Penso por exemplo, que na divsão de personagens (conteúdista, executor e tutor) adotado no modelo UaB, por exemplo, são pensadas as estruturas, os objetivos que levma a identificarmos o fordismo e o taylorismo nesta perpectiva, porém, quem pensa o processo de mediação desta construção do conhecimento? De quem é de fato esta reponsabilidade de estruturar a mediação pedagógica neste espaço intermediário entre o aluno e o conhecimento na EaD? deixar de pensar neste espaço não seria precarizar a EaD?

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