Metodologias Ativas x Plano de Ensino (e/ou alunos, cavalos e touros…)

Hoje, como parte da Semana de Planejamento de Atividades Acadêmicas da Universidade Anhembi Morumbi, assisti a uma conferência do Professor Dr. Manuel Canesin: Metodologias Ativas.

O professor Canesin, que é médico, falou do uso da pedagogia das Metodologias Ativas no ensino de Medicina, que poderia ser estendida para outras áreas.

Metodologias Ativas pressupõem a ensinagem (neologismo utilizado por ele – ensino que gera aprendizagem) e o aprendizado a partir da simulação, centrados na realidade dos alunos.

Eu questionei no final: é possível conciliar essa filosofia da educação com Planos de Ensino, da maneira como eles são utilizados na Anhembi – e aliás, em muitas instituições de ensino do país?

Na Anhembi, quando você vai ministrar uma disciplina, recebe e deve seguir um Plano de Ensino pronto, que em geral não foi você quem preparou. Mas não é só você quem o recebe – ele é também depositado no Blackboard dos alunos pela Coordenação Pedagógica da instituição – não por você, professor. A coisa começa preto no branco, com o Plano de Ensino visível para todos, o que supostamente demonstraria planejamento e organização por parte da instituição.

Esse Plano de Ensino lista por tópicos tudo o que você deve ensinar no semestre. Indica também uma Bibliografia Básica e outra Complementar. E também lista, semana a semana, o que deve ser ensinado em cada aula, como cada tópico deve ser ensinado em cada semana, as atividades que devem ser propostas e até mesmo quando devem ser ministradas provas. E para ratificar o planejamento pedagógico, no final do semestre os diários dos professores são conferidos com os Planos de Ensino, para se certificar de que o professor cumpriu à risca o programa. Um ciclo pedagógico perfeito.

O professor Canesin usou, durante a palestra, a expressão “currículo engessado”. Nada mais engessado do que esse conceito de Plano de Ensino. Eu não entendo há muito tempo qual é a função desses Planos de Ensino. Que haja exigências do MEC, e inclusive uma necessidade de padronização e de centralização por parte da instituição, é compreensível. Mas não neste nível, principalmente para uma instituição que se proclama a mais criativa e inovadora do país. O conceito de Plano de Ensino, como praticado na Anhembi, é anacrônico, não é flexível e não está voltado para o aprendizado do aluno, mas sim para a padronização e o controle por parte da instituição. Precisa ser substituído por alguma outra coisa, alguma outra idéia.

O professor Canesin respondeu que, nas suas experiências com Metodologias Ativas, a idéia de Plano de Ensino vai por água abaixo (apesar de não ter utilizado esta expressão): é preciso pensar em módulos, temas, problemas etc., que são então compartilhados pelas diversas disciplinas durante um semestre. Aliás, nesse modelo a própria noção de disciplina perde o sentido. E então se instala uma crise na instituição.

A verdadeira resistência para o estabelecimento de Metodologias Ativas, ou qualquer outra expressão que se queira utilizar para uma pedagogia atualizada em relação ao que de mais avançado se tem praticado em educação no ensino superior, não são os alunos, muito menos os professores – mas as regras e os procedimentos pedagógicos que são enfiados goela abaixo de professores e alunos por setores pedagógicos, sem discussão com a comunidade. Planos de Ensino, como praticados na Anhembi, têm exatamente essa função – engessar o aprendizado, garantindo, em contrapartida, o controle obsessivo por parte da instituição.

A palestra foi boa, mas é também sintomático que um médico ministre uma palestra de pedagogia do ensino para professores de tantas áreas, no início do semestre, com tanta gente especializada em pedagogia e ensino na própria instituição, e com tanta coisa para nos ensinar. Medicina é sem dúvida um curso muito abrangente, o palestrante é obviamente uma pessoa muito inteligente e experiente, e nada contra o contato entre as áreas, mas não me parece haver muito de novidade na idéia de Metodologias Ativas e Simulação no ensino de Medicina, que não tenha já circulado por outras áreas, e que não tenha inclusive sido discutido com mais profundidade.

Tanto que, no final da palestra, foi apresentado como triunfal ilustração dos conceitos discutidos o seguinte vídeo:

e depois um outro, bem curto, que mostra como esses cavalos são treinados, primeiro por homens manejando objetos, depois por touros que praticamente não se mexem – ou seja, por simulação.

Eleger touradas como metáfora para o ensino superior já é, por si só, muitíssimo questionável. Touradas, para muitos, não devem ser consideradas nem mesmo esporte e, inclusive, deveriam ser banidas pelo sofrimento abominável que causam aos animais.

Eleger o treinamento dos cavalos que participam dessas touradas como metáfora para o aprendizado de alunos no ensino superior chega a ser ainda mais questionável. Afinal, nosso objetivo no ensino superior seria formar cavalos para touradas? Ou touros? Ou toureiros, educados para matar cruelmente touros? Ou cornos?

Nas palestras para professores na Anhembi, nos últimos anos, já foram mostrados uma cena de Russel Crowe em Gladiator e um filme de ensino fundamental ou médio no interior da China. Nas metáforas globalizadas que deveriam ilustrar o ensino superior, ou estamos na época dos gladiadores, ou com crianças no interior da China, ou em touradas. Talvez o melhor a fazer seja abandonar o território das metáforas e explorar um pouco o cenário dos nossos alunos, brasileiros adultos do século XXI.

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9 respostas a Metodologias Ativas x Plano de Ensino (e/ou alunos, cavalos e touros…)

  1. wanderlucy disse:

    Adorei seu texto, João.
    Os questionamentos nele apresentados vão ao encontro da visão pessimista que tenho nutrido com relação ao ensino superior privado que predomina no Brasil: planos de ensino desenvolvidos à revelia e impostos de cima para baixo, professores tratados como profissionais incapazes de pensar (muitos infelizmente fazem jus a este papel), além de programas com pouca ou nenhuma possibilidade de construção reflexiva e coletiva de conhecimento e cada vez mais preocupados em atrair um público medíocre.
    Às vezes chego ao extremo de pensar que a solução seria fechar todas essas “pseudo-instituições de ensino” e começar do zero.

  2. Regina Pedroso disse:

    Caro João Mattar, compartilho com vc dessa insegurança generalizada que se tornou o reinício das aulas nas Universidades particulares. Cada uma a seu modo: umas com reuniões pedagógicas idiotas, conduzidas por coordenadores bobos-da-corte; outras com palestras surrealistas cuja proposta metodológica parece que irá resolver o problema da humanidade (nem é a resolução dos problemas do ensino que estou falando, mas sim, algo megalomaníaco, inerente aos pensadores brasileiros na área da educação). Pois bem, também sofri o que vc sofreu na Anhembi Morumbi; porém como já estou calejada desse tipo de encenação, nem presto atenção mais e deixo os coordenadores, estilos pagodeiros, aparecerem para o público sedento por show. Sinceramente, deixo aqui uma mensagem para os pais que tem filhos com idade para adentrar ao ensino universitário: pais, não deixem seus filhos estudarem nessas instituições de segunda linha de São Paulo, pois é um “salve-se quem puder” – com alguns professores realmente comprometidos, porém a maioria sem qualificação. Obrigue seu filho a entrar em uma instituição de ponta, pois disso depende a formação dele como pessoa e como profissional.
    Estou enojada de ver o que veja nessas instituições por aí……..que destratam professores, exploram alunos e fazem propaganda de massa nos meios de comunicação. Não preciso dar o nome aos bois………basta assistir TV e ver quais são as universidades que mais aparecem em peças publicitárias.
    Tenho dito: O ensino no Brasil virou uma feira.
    Regina Pedroso

  3. Letícia Vargas disse:

    Adorei o texto João. Demonstrastes com uma qualidade impecável um pouco da realidade das universidades particulares do Brasil!!
    Tenho de concordar com o professor Canesin que os planos de ensino engessam o desenvolvimento da disciplina
    Aqui em Pelotas-RS a Anhembi chegou não faz um ano, ainda não deu para sentir as consequências do estilo de ensino, mas confesso que não tinha conhecimento desse estilo tão forte de controle, fiquei de boca aberta.

    Tenho que registrar que compartilho da visão da Regina (comentário acima) quanto a mesma comenta que o ensino no Brasil virou uma feira!! Tenho ficado entristecida em ver a EaD muitas vezes oferecida como produto do estilo “compre seu diploma aqui sem sair de casa”.
    Abraços

  4. Breno disse:

    Ola Mattar, são dois entre os muitos absurdos (impostos pela legislação?, quem faz a legislação?) que não tem nada a ver com a ensinagem: o plano de aula e o controle de frequencia (diario dos professores).
    Se as cabeças pensantes em educação se dedicassem a “razonabilizar” a ensinagem, talves tivessemos apenas que mediar a aprendizagem, procurando garantir sua efetividade ao invés de ficarmos tentando nos acomodar (dar um jeitinho) ao tal engessamento.

  5. Renato disse:

    Oi Mattar, ótimo texto. Pensando no que escreveu vc me lembrou aquele relatório da C.S Porto e Z. Berge sobre a excessiva regulamentação e centralização do nosso sistema acadêmico e outro texto seu mesmo sobre a fayolização do ensino. Parece que gestão de educação está sendo um problema aqui na terra brasilis não?

    A impressão que tenho é que ainda não estamos sabendo gerenciar educação em si. O problema do sistema que vc descreveu não me parece questão de ser corretamente aplicado ou não, mas o fato de seu objetivo primário ser controle e não necessariamente aprendizado.

    já trabalhei em uma certa IES e geralmente o professor entrava sem a menor idéia do que o aluno já sabia e o que deveria aprender em outra matéria. E o que me dava nos nervos é que quem coordenava achava estranhíssmo eu perguntar isso, simplesmente o compromisso era com o cumprir a regra e não com a aprendizagem. E concordo que esse foco é enlouquecedor.

    Talvez um dos problemas é que pensamos em planejamento em termos de regras e não como um direcionamento para gerenciar situações. O equilíbrio, ou o “razonabilizar” do Breno, talvez resida na capacidade e competência de um bom trabalho de gerência. Ou de simplesmente usar os coordenadores para coordenar matérias e iniciativas de professores e não nesse misto de ouvidoria-bombeiro-relógio de ponto em que o pobre coordenador é transformado

    Na minha experiência como designer passei por isso. Durante anos achei que criar uma identidade visual era fazer um grande manual de regras de aplicação de logomarca e pronto. Depois de anos batendo cabeça sonhando com o manual perfeito vi que o que deve existir é um manual de apoio, diretrizes muito bem definidas do que caracteriza a identidade visual e gerenciar a identidade, pois sempre vão surgir novas situações e contingências na aplicação da logo.

    E repito, acho que é nesse limbo, entre administração e pedagogia que estamos nos afundado. Administradores gerenciam ensino com premissas erradas, usando essas analogias de fábrica, lanchonete fast food, pastelaria e diploma-o-rama. O relatório de Porto & Zane comenta sobre a questão de profissionais de ensino habilitados ao gerenciamento de EaD em larga escala.

    Pessoalmente não vejo nada de errado em lucrar com o educação,mas nossa função deveria ser educar e não produzir diplomas.

  6. Renato disse:

    Para apimentar um pouco mais o assunto vi essa entrevista que achei muito interessante. Um comentário que chama a atenção.

    “As escolas de hoje aplicam conceitos idênticos aos dos colégios do século XIX. Elas se baseiam na divisão do conhecimento por áreas estanques e no treinamento dos alunos para a execução de tarefas repetitivas”

    http://www.defesanet.com.br/pensamento1/edu.htm

  7. Pingback: De Mattar » Blog Archive » Avaliação

  8. Estou fazendo Pós Graduação em Docencia do Ensino Superior. A cada disciplinas ou módulos, me aparece uma tese sobre Educação, um método, uma posição ideológica, idéias dos Especialistas renomados, a maioria pedagogas doutoras, uma ou duas de uma área distinta apresentando suas experiências ativas de ensino. Deste último módulo me aparece uma tradicional, revendo e avaliando estes conceitos que não deram certo, que para ela tem de voltar tal como era na década de 50, creio que ela, pela idade, se formou nesta época.
    Bem, vejamos.
    Sou formada em Administração com Especialização em Marketing, meu objetivo de fazer essa Pós em Docência, é justamente entender a falha da educação na alfabetização como um todo, desde a falta da capacidade de interpretar um simples texto ou de resolver um simples problema. Há falta de bons profissionais qualificados para o mercado, há muita falha na medicina e em outras áreas. Em parte a professora tradicional tem razão, estes debates, estas mudanças tem de ser revistas e questionadas. Em parte porque, as mudanças das novas tecnologias e principalmente os meios da comunicação, mudaram o cenário e o comportamento da cognição. Creio que sem conhecer o homem, sua cultura, seu ambiente, seu histórico pessoal, ficará realmente dificil aprendizagem do homem para o homem. Defendo que o aprendizado deve estar dentro do ambiente do aprendiz, sua identidade e reconhecimento na conexão do conteúdo com foco a sua realidade, para que se tenha efetividade no aprendizado.
    Tudo bem, concordo, o planejamento engessado, são apenas diretrizes que devem ser administrado, mas nada impede que seja apenas como a farinha de trigo, você faz com ela o que desejar em suas receitas, o que vale é conhecer seus alunos antes, fazer um diagnóstico interpessoal com todos na sala, ver qual atividade poderá ser melhor aplicada. No meu ponto de vista, vale é a sua criatividade, desde que não perca os conteúdos e acabe fazendo uma brincadeira de pré-escola. Receba o planejamento, e faço o seu plano de ensino e aplicação do método. Quanto a avaliação, concordo com a tese, a nota do aluno é a nota que o professor deve ter.

  9. João Mattar disse:

    Puxa, Marisa, que post bonito! Gostei muito da sua reflexão, o tema realmente é fascinante. Abraços

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