Flow: the psychology of optimal experience

CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Flow: the psychology of optimal experience. New York: Harper Perennial, 2008. Resenha de João Mattar.

Mihaly Csikszentmihalyi é professor do Departamento de Psicologia da Universidade de Chicago. A primeira versão deste clássico foi publicada em 1990. O livro, bibliografia complementar para o curso Educational Games and Simulations, defende que a felicidade está ligada a um estado de consciência denominado fluxo. Vejamos o que isso significa.

Preface, além de fazer os devidos os agradecimentos, explica que o objetivo do livro é apresentar, para uma audiência ampla, os resultados de décadas de pesquisa, sem, entretanto, se caracterizar como um livro de receitas.

1. Happiness Revisited apresenta as idéias centrais do livro. A felicidade não acontece por acaso, mas depende de nossa capacidade de controlar nossa experiência interna, nossa consciência. A experiência ótima é algo que nós fazemos acontecer, quando nossas mentes ou corpos chegam aos seus limites em esforços voluntários para alcançar um objetivo difícil e valioso. No estado de fluxo, há harmonia na consciência, o que ocorre quando a energia psíquica – ou atenção – é investida em objetivos realistas, e quando nossas habilidades estão num nível equivalente ao das oportunidades para a ação. Nesses momentos, crescemos e nos tornamos seres mais complexos. Esses estados não podem ser alcançados simplesmente através de fatores externos como a fé, nem pela pura maximização dos prazeres ligados a nossa programação genética, mas apenas pelo controle direto da experiência, da habilidade de fruir momento a momento tudo o que fazemos. O capítulo faz também uma longa reflexão sobre a felicidade. Precisamos nos libertar um pouco da expectativa pelo futuro e encontrar recompensas no presente.

2. The Anatomy of Consciousness discute como a consciência funciona e como ela é controlada, da perspectiva da teoria da informação e da fenomenologia. A atenção seleciona a informação que desejamos processar e, portanto, define o que vai aparecer ou não para a consciência, podendo ser considerada energia psíquica. “A marca de uma pessoa que está no controle da consciência é a habilidade de focar atenção voluntariamente, estar absorta de distrações e se concentrar quanto for necessário para atingir um objetivo, e não mais do que o necessário.” (p. 31) Nós nos criamos em função de como investimos essa energia, em função de nossos objetivos e intenções. O oposto da experiência ótima, que pressupõe concentração, é a entropia ou desordem psíquica. Muitas pessoas que participaram das pesquisas conduzidas pelo autor descreviam seus estados de experiência ótima como fluxo.

3. Enjoyment and the Quality of Life discute os momentos em que estamos em busca de objetivos e que nos trazem ordem na consciência, porque momentaneamente nos esquecemos de todo o resto, momentos que as pessoas consideram os mais prazerosos de suas vidas. O capítulo diferencia o prazer da fruição. Todos temos prazer em comer, p.ex., mas apreciar a comida é mais difícil. Podemos ter prazer sem nenhum investimento de energia psíquica, o que não ocorre nas experiências ótimas. Para obtermos controle pessoal sobre a qualidade da experiência, precisamos aprender como construir fruição sobre o que acontece no nosso dia-a-dia. Os estudos conduzidos pelo autor demonstraram que a fruição possui oito componentes essenciais: (1) realização de tarefas que temos condições de cumprir, mas que exigem habilidades na mesma proporção; (2) concentração; (3) objetivos claros; (4) feedback imediato (informando simbolicamente que eu obtive sucesso no meu objetivo); (5) envolvimento com uma tarefa que exclui da consciência as preocupações e frustrações da vida diária – negentropia; (6) exercício de sensação de controle sobre as ações, ou de falta de preocupação de perder o controle; (7) a auto-consciência, ou a preocupação com o self, desaparece durante a experiência, mas o self reaparece mais forte após ela; (8) o senso de duração do tempo é alterado. Esses elementos não ocorrem necessariamente em todas as situações, e há exceções, que o texto discute.

Gostaria de completar com algumas citações que procuram esclarecer a aparente contradição do item 7:

“Como atividades de fruição têm objetivos definidos, regras estáveis e desafios bem equilibrados em relação a habilidades, há pouca oportunidade para o self ser ameaçado” (p. 63)

“A perda da auto-consciência não envolve a perda do self, e certamente não a perda da consciência, mas antes, apenas a perda da consciência do self.” O que sai da consciência é o conceito do self, a informação que usamos para representar para nós quem somos. “E sermos capazes de esquecermos, por um tempo, quem somos, parece ser bastante prazeroso. Enquanto não estamos preocupados conosco, na verdade nós temos a oportunidade de expandir o conceito de quem nós somos. A perda da auto-consciência pode levar à auto-transcendência, a um sentimento de que as fronteiras do nosso ser foram ampliadas.” (p. 64).

“Em fluxo, a pessoa é desafiada a dar o melhor de si, e precisa constantemente aperfeiçoar suas habilidades. Naquele momento, ela não tem a oportunidade de refletir sobre o que isso significa em termos do self – se ela se permitisse se tornar auto-consciente, a experiência poderia não ter sido tão profunda. Mas depois, quando a atividade terminou e a auto-consciência tem a oportunidade de retornar, o self sobre o qual a pessoa reflete não é o mesmo self que existia antes da experiência de fluxo: é agora enriquecido por novas habilidades e realizações.” (p. 65-66)

A experiência de fluxo é autotélica, ou seja, não a realizamos com a expectativa de algum benefício futuro, mas simplesmente porque realizá-la já é uma recompensa. Em uma experiência autotélica, a pessoa presta atenção na experiência pela própria fruição, e não nas suas consequências. “Quando a experiência é recompensadora de maneira intrínseca, a vida é justificada no presente, em vez de ser prisioneira de um ganho futuro hipotético.” (p. 69)

E deve-se sempre estar consciente do poder viciante do fluxo, que pode nos levar a perder o controle da consciência.

4. The Conditions of Flow analisa as condições da experiência de fluxo em diversas atividades, muitas das quais podem ser denominadas atividades de fluxo, pois estão preparadas para produzir fruição, como jogos, arte, rituais, esportes etc. O capítulo analisa também as relações entre fluxo e cultura, assim como a capacidade de as pessoas sentirem fluxo. Algumas pessoas, como os esquizofrênicos, parecem menos propensos pela dificuldade de excluir coisas da mente e se concentrar. Outra limitação seria um excesso de auto-consciência, no caso de pessoas que se preocupam demais com o que os outros vão pensar delas, ou são excessivamente auto-centradas. “Desordens de atenção e estímulos de superinclusão previnem o fluxo porque a energia psíquica é muito fluida e errática. Auto-consciência e auto-centralização excessivas o previnem pela razão oposta: a atenção é muito rígida e apertada. Nenhum dos extremos permite que a pessoa controle a atenção. Aqueles que operam nesses extremos não podem gostar de si mesmos, têm dificuldades para aprender e perdem oportunidades para o crescimento do self.” (p. 85) Há também condições externas ao fluxo, naturais e sociais, como anomia (falta de regras) e alienação (o sistema nos obriga a agir contra seus objetivos). Os opostos que impedem o fluxo são, novamente, a fragmentação dos processos de atenção ou sua excessiva rigidez. Pode-se inclusive falar em uma vantagem neurológica para processar informações, assim como de um contexto familiar autotélico e de personalidade autotélica. Aqui o livro dá um exemplo que não engulo: prisioneiros que, mesmo em condições deploráveis, conseguiam encontrar prazer em situações em que criavam pequenos objetivos para si mesmos. Mas a mensagem é que, apesar de limitações neurológicas ou familiares, é possível treinar e desenvolver nossa personalidade para sentir fluxo.

5. The Body In Flow analisa as experiências de fluxo em que se utilizam habilidades físicas e sensoriais. Tudo o que o corpo pode fazer é potencialmente prazeroso, sempre com o envolvimento da mente, incluindo, esportes, movimentos, sexo, yoga, ver, ouvir música, paladar etc.

6. The Flow of Thought analisa as experiências de fluxo que envolvem o pensamento e suas habilidades simbólicas. São analisados a memória, símbolos e idéias, linguagem, história, ciências, filosofia e aprendizagem por toda a vida, movida não por motivações externas, mas intrínsecas.

7. Work as Flow discute como transformar o trabalho em uma experiência de fluxo. O capítulo fala do trabalhador autotélico e de trabalhos autotélicos, mas de novo derrapa na insistência exemplos maravilhosos, no caso culturas e pessoas que não chegam a diferenciar o trabalho do lazer. Mas a mensagem é interessante: um trabalho que tem variedade, desafios apropriados e flexíveis, objetivos claros e feedback imediato, pode ser fruído. Mas isso também dependerá do desenvolvimento de uma personalidade autotélica. E o capítulo discute também brevemente como desperdiçamos nosso tempo livre, em vez de fruí-lo.

8. Enjoying Solitude and Other People discute como tornar nossas relações com parentes e amigos mais prazerosas, e ao mesmo tempo como fruir a solidão. Os estudos desenvolvidos pelo autor mostraram que a qualidade de nossa vida depende principalmente do trabalho e de nossas relações com outras pessoas. Para possibilitar fluxo, uma família precisa de objetivos de longo e curto prazo para a sua existência. Além do círculo de amigos, o capítulo trabalha também a idéia da participação em uma comunidade mais ampla.

9. Cheating Chaos mostra como as pessoas podem aproveitar a vida mesmo em situações de adversidade, como nos casos de tragédias, stress, luto etc. O amadurecimento, que poucas pessoas atingem, gera a capacidade de transformar eventos negativos em novas soluções, desafios em oportunidades. Para isso, precisamos de unselfconscious self-assurance (autoconfiança sem autoconsciência – não sei se é a melhor tradução), estar abertos para o ambiente e envolvidos nele. O capítulo termina resumindo as regras para desenvolver um self autotélico: definir objetivos, desenvolver habilidades, ser sensitivo a feedbacks, concentrar-se, envolver-se e imergir na atividade, prestar atenção ao que está acontecendo e à interação (em vez de se preocupar com o self) e aprender a fruir a experiência imediata.

10. The Making of Meaning, por fim, procura mostrar como as pessoas podem juntar toda a experiência e transformá-la em um padrão significativo, transformando a vida em uma experiência de fluxo. Para isso, é preciso cultivar propósitos (baseados na razão e em escolhas), perpetuar uma dialética entre o self e o outro, a reflexão e a ação, integração e diferenciação, e evitar alterar constantemente os objetivos. Isso traz harmonia interior e um tema para a vida. Tudo isso é pensado, no capítulo, também em função da cultura.

As Notes têm as referências utilizadas para a construção do texto e uma série de comentários, e o livro termina com as References (bibliografia) e uma passagem sobre criatividade retirada de Creativity: flow and the psychology of discovery and invention.

Em alguns momentos, incomodou-me o fato de o livro exagerar (inclusive com exemplos) na idéia de que, mesmo em campos de concentrações, ou em condições de extrema pobreza, as pessoas podem ser muito felizes. Também fiquei em dúvida, muitas vezes, como pensar os nativos digitais multi-tasks em toda essa teoria. E como conciliar a idéia de senso crítico com a de fluxo? Mesmo com o capítulo final, resta a dúvida sobre quanto tempo dura um estado de fluxo, o que acontece antes e depois etc. Mas foi uma leitura muito agradável neste meu recesso de verão.

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