BRANSFORD, John D. et al (Editors). How People Learn: brain, mind, experience, and school. Expanded ed. Washington, D.C.: National Academy Press, 2000. Resenha de João Mattar.
Esta é uma das leituras sugeridas para o curso Educational Games and Simulations.
O livro, produzido por muita gente (Committee on Developments in the Science of Learning e Committee on Learning Research and Educational Practice, da Commission on Behavioral and Social Sciences and Education, do National Research Council), e financiado em conjunto pela National Academy of Sciences e pelo U.S. Department of Education, pode ser lido por completo online.
Preface explica que o trabalho inicial do primeiro comitê, publicado em 1999, foi seguido por um trabalho adicional do segundo comitê, publicado em How People Learn: Bridging Research and Practice também em 1999. Esta publicação é uma amplicação dos trabalhos anteriores.
Part I – Introduction
1. Learning: From Speculation to Science defende que as pesquisas das últimas décadas em diversas ciências devem ser incorporadas pela pedagogia. É traçada uma breve história da ciência da aprendizagem, passando por behaviorismo, ciências cognitivas e construtivismo. Uma afirmação feita de passagem me interessa bastante – não podemos confundir uma teoria da pedagogia (ensino) com uma teoria do aprendizado, ou seja, mesmo uma aula tradicional, p.ex., pode envolver construção de conhecimento por parte do aluno. O aprendizado é mais efetivo quando os professores prestam atenção ao conhecimento e às crenças que os alunos trazem consigo, e utilizam esse conhecimento como ponto de partida para o desenho do curso, monitorando as mudanças nas concepções dos alunos durante o processo de aprendizagem. O texto aponta 3 conclusões essenciais das pesquisas sobre aprendizado e suas implicações para o ensino:
1. Os alunos carregam consigo concepções sobre o mundo, e os professores precisam compreender e trabalhar com essas concepções: “[...]the teacher must actively inquire into students’ thinking, creating classroom tasks and conditions under which student thinking can be revealed. Students’ initial conceptions then provide the foundation on which the more formal understanding of the subject matter is built.” (p. 19)
2. Para desenvolver competência em certa área, os alunos precisam ter conhecimento fatual profundo, compreender fatos e idéias em uma estrutura conceitual, e organizar o conhecimento para facilitar sua recuperação e aplicação. Os professores, portanto, precisam ensinar alguns assuntos em profundidade, fornecendo uma fundação firme de conhecimento fatual, além de vários exemplos em que um mesmo conceito possa funcionar. A cobertura superficial de vários tópicos em uma área deve ser substituída, portanto, por uma cobertura profunda de menos tópicos, permitindo que conceitos-chave na disciplina sejam compreendidos.
Um outro ponto interessante – a necessidade de novas ferramentas de avaliação, alinhadas com as novas abordagens para o ensino. Isso foi um ponto que me intrigou muito durante as reuniões de início de ano na Anhembi Morumbi. A instituição tenta inovar adotando uma pedagogia baseada em habilidades e competências, o que por si só já é bastante discutível, porque a “onda” das habilidades e competências parece que já passou – prometo um post sobre isso para logo. Mas supondo que estejamos sendo inovadores, instituindo na universidade uma pedagogia inovadora, que sentido faz introduzir questões de múltipla escolha nas provas, visando a preparar nossos alunos para o Enade? Alguma coisa está errada na combinação de uma pedagogia inovadora com/versus um método de avaliação ultrapassado.
3. Uma abordagem metacognitiva para o ensino pode ajudar os alunos assumirem controle do seu processo de aprendizado, ao definirem objetivos de aprendizagem e passarem a medir seu progresso para atingi-los. O ensino de habilidades metacognitivas deve, portanto, ser integrado no currículo em diversas áreas.
Outra reflexão do texto: não há a melhor prática de ensino universal, mas muitas: aulas expositivas, ensino baseado em textos, ensino baseado em investigações, ensino suportado pela tecnologia, ensino individual ou em grupo etc. Nesta altura, o livro traz uma interessante imagem – FIGURE 1.1 With knowledge of how people learn, teachers can choose more purposefully among techniques to accomplish specific goals (p. 22):
Um conjunto de princípios de aprendizado, como ponto de partida, deve então ser adequadamente combinado com uma seleção de estratégias de ensino mediadas pelo assunto, pelo nível do estudante e pelos objetivos desejados.
Pensando no ambiente de aprendizagem, em seu sentido mais amplo, 4 princípios serão ressaltados no cap. 6: (1) escolas e classes devem ser centradas nos alunos, e os professores precisam prestar atenção ao desenvolvimento dos seus alunos reais, definindo as atividades em função desse público; (2) é preciso prestar atenção ao que é ensinado, por que é ensinado e como parece ser a sua competência ou maestria, ou seja, simplesmente o envolvimento do aluno não é suficiente, e é preciso buscar o aprendizado com compreensão; (3) a avaliação contínua, que torne visível o pensamento do aluno para os professores e colegas, é essencial pois permite que o aluno analise seu progresso, enquanto o professor pode desenhar melhor o ensino; (4) o contexto em que o aprendizado ocorre é essencial, como as normas definidas para a classe e o senso de comunidade desenvolvido, além dos links com o ambiente externo.
Part II – Learners and Learning
2. How Experts Differ from Novices faz uma revisão da literatura que estuda as pessoas que se tornaram experts em determinada área, para analisar como o aprendizado de sucesso ocorre. O especialista: percebe características e padrões significativos de informação; organiza seu conhecimento ao redor de grandes idéias ou princípios; possui um conhecimento ‘condicionalizado’, ou seja, associado a contextos de aplicabilidade; é capaz de recuperar com fluência, pouco esforço, de maneira quase automática e seletivamente, aspectos importantes do seu conhecimento; não é necessariamente capaz de ensinar sua especialidade para os outros (pode, ao contrário, confundir o que é fácil e difícil para um novato, e por isso alguns grupos misturam especialistas e novatos no design de material educacional – cf. Cognition and Technology Group at Vanderbilt 1997. The Jasper Project: Lessons in Curriculum, Instruction, Assessment, and Professional Development. Mahwah, NJ: Erlbaum.); e demonstra flexibilidade nas abordagens de situações novas (o que pode ser denominado adaptive expertise) sendo capaz de monitorar suas abordagens para resolver problemas através da metacognição. Currículos desenhados para ensinar, portanto, deveriam ser organizados em função dessas características.
3. Learning and Transfer estuda o processo de transferência do aprendizado para novos contextos. A educação, no sentido mais amplo, tende a gerar mais capacidade de transferência do que o treinamento para habilidades específicas. O ensino realizado em múltiplos contextos tende também a gerar mais capacidade de transferência do que o ensino realizado em apenas um contexto. A metacognição, que implica a monitoração, por parte do aluno, das suas estratégias e recursos de aprendizado, também afeta a capacidade de transferência. Para provocá-la, o feedback constante é essencial. O conhecimento que o aluno já carrega consigo, assim como suas referências culturais, podem também afetar o aprendizado e a taxa de transferência, e o professor deve identificar esse conhecimento prévio para construir a partir dele.
4. How Children Learn discute como as crianças aprendem. Hoje não se considera mais que a mente das crianças seja uma tabula rasa. São lembrados Piaget e Vygostky, dentre outros pesquisadores, e analisados os aspectos visuais, numéricos e linguísticos no aprendizado da criança, assim como o poder da memória e a capacidade de metacognição, dentre outros fatores.
5. Mind and Brain avalia como as pesquisas sobre mente e cérebro, como na neurociência, podem ser úteis para a educação. Sabe-se hoje que o aprendizado, como p.ex. da linguagem, modifica a estrutura física do cérebro e altera a sua organização. O capítulo estuda ainda o efeito da experiência na nossa memória.
Part III – Teachers and Teaching
6. The Design of Learning Environments discute as implicações dos novos conhecimentos sobre o aprendizado para o design de ambientes de aprendizagem, especialmente escolas. A teoria da aprendizagem nos ajuda a repensar o que ensinar, como ensinar e como avaliar o aprendizado, e a alinhar esses diferentes aspectos, inclusive com as políticas mais amplas de um departamento e mesmo da instituição.
O capítulo faz uma interessante recapitulação de como a teoria da administração influenciou a educação no início do século 1900. As escolas eram pensadas como fábricas para educar a massa, os alunos como matéria-prima de uma linha de produção, os professores entendidos como trabalhadores cujo trabalho era seguir as orientações de seus superiores (os especialistas em eficiência das escolas – administradores e pesquisadores), teste padronizados eram utilizados para medir o ‘produto’, o trabalho dos professores para contabilizar custos e progresso (quase sempre prejudicando o ensino) e a “administração” do ensino realizada por autoridades que tinham pouco conhecimento da prática ou filosofia educacional [Bennett, K.P.; M.D.LeCompte. The Way Schools Work: A Sociological Analysis of Education; Callahan, R. E. Education and the Cult of Efficiency; Kliebard, H. M. Metaphorical roots of curriculum design. In: Curriculum Theorizing: The Reconceptualists, W. Pinar (ed.)]. Uma reflexão que lembra muito a leitura de Otto Peters sobre a história da EaD, em Didática do Ensino a Distância.
O capítulo fala ainda de ambientes centrados no aluno, no conhecimento, em avaliação e na comunidade (a escola como comunidade e a comunidade externa), e de como todas essas perspectivas devem ser contempladas em um ambiente de aprendizagem contemporâneo.
Diferencia ainda avaliação formativa, que oferece feedback contínuo ao aluno durante o curso, de avaliação final, que serve para avaliar o resultado final do aprendizado. O feedback é mais valioso quando os alunos têm a oportunidade de utilizá-lo e revisar seu pensamento enquanto estão trabalhando em um projeto. Avaliações para medir a compreensão dos conceitos devem também ser utilizadas, assim como portfólios, que servem tanto para avaliar o trabalho em progresso do aluno quanto para discuti-lo com o professor, os colegas e a comunidade.
7. Effective Teaching: Examples in History, Mathematics, and Science avalia algumas experiências de sucesso no ensino nessas disciplinas, que combinam uma compreensão profunda da estrutura e epistemologia das disciplinas com o conhecimento dos tipos de atividades que podem ajudar os alunos a entender a disciplina por si próprios, ou seja, do conteúdo da disciplina e de pedagogia. Inicialmente, é citado o exemplo de Barb Johnson, que começa seus cursos com 2 perguntas para os seus alunos: “Que dúvidas vocês têm em relação a vocês?” e “Que dúvidas vocês têm em relação ao mundo?”. Em grupo, as perguntas são depuradas e organizadas, e a discussão é então aberta até se chegar a um consenso sobre a lista de perguntas da classe. Essas perguntas tornam-se então as guias para a elaboração do currículo, o que acaba criando um senso de comunidade de aprendizagem. Vários dos exemplos estudados durante o capítulo no ensino de história, matemática e ciências envolvem aprendizado ativo, construção de modelos por parte dos alunos e atividades em grupo.
8. Teacher Learning investiga as oportunidades para aprendizagem por parte dos professores nos Estados Unidos, que, segundo o texto, não são muitas nem produzem professores criativos. A análise está dividida nos 4 tipos de ambientes de aprendizagem desenvolvidos no capítulo 6, assim como em pesquisas práticas, estudo e treinamento antes da prática pedagógica (que são bastante criticados) e outras questões. O capítulo fala ainda da importância do conceito da aprendizagem por toda a vida, no caso dos professores.
9. Technology to Support Learning explora como as novas tecnologias podem ser utilizadas para aperfeiçoar os currículos com problemas baseados no mundo real; oferecer suporte e ferramentas para melhorar o aprendizado; oferecer aos alunos e professores mais oportunidades para feedback, reflexão e revisão; construir comunidades locais e globais que incluam professores, administradores, alunos, pais, cientistas e outros interessados; e expandir as oportunidades para o aprendizado de professores. Pela data de publicação do livro, percebe-se imediatamente que neste ponto o texto é datado, especialmente nos exemplos mencionados.
Part IV – Future Directions for the Science of Learning
10. Conclusions resume as 6 áreas relevantes para uma compreensão mais profunda dos processo de aprendizagem: o papel do conhecimento prévio no aprendizado; plasticidade e experiências da criança no desenvolvimento do cérebro; aprendizado como um processo ativo; aprender para compreender; expertise adptativa; e aprendizagem como um empreendimento que consome tempo. Além disso, revisa também pesquisas em 5 áreas adicionais que são relevantes para o ensino e ambientes que suportam o aprendizado efetivo: a importância de contextos sociais e culturais, transferência e as condições para uma aplicação mais ampla do aprendizado, a especificidade dos temas tratados nas disciplinas, avaliação para suportar o aprendizado, e as novas tecnologias educacionais. É um apanhado e resumo de tudo o que foi apresentado nos capítulos anteriores.
11. Next Steps for Research apresenta uma longa lista de sugestões para a utilização das conclusões do texto e para pesquisas futuras.
Uma incrível lista de References por capítulos, Biographical Sketches of Committees’ Members and Staff, Acknowledgments e Index (com hiperlinks) encerram o texto.
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