Persuasive Games: the expressive power of videogames

BOGOST, Ian. Persuasive games: the expressive power of videogames. Cambridge, MA: MIT Press, 2007. Resenha de João Mattar.

Ian Gogost é Associate Professor na School of Literature, Communication, and Culture, no Georgia Institute of Technology, e fundador da Persuasive Games. É também o autor de Unit Operations: an Approach to Videogame Criticism, publicado pela MIT Press.

Este é um livro bem diferente dos outros que venho resenhando por aqui ultimamente sobre games, inclusive porque analisa, mesmo que muitas vezes brevemente, uma quantidade incrível de games. O livro analisa os videogames como mídias expressivas e persuasivas, que representam como o mundo real e imaginário trabalham, e convidando os jogadores a interagirem com esses sistemas e elaborarem juízos de valor. Bogost utiliza como referencial teórico a teoria da retórica, desde a Grécia Antiga, para analisar a função retórica nos games, concluindo que eles representam uma nova forma de retórica, que ele chama de retórica procedimental (procedural rhetoric). Games podem, além de suportar posições sociais e culturais existentes, também ser disruptivos e mudar posições, gerando mudanças sociais de longa duração.

No PREFACE, que pode ser lido online, Bogost começa lembrando que os videogames são considerados ilegítimos e triviais como formas culturais, e deixa claro que o que lhe interessa é analisar o poder retórico dos videogames.

Ele elabora então a primeira definição de procedural rhetoric: a arte da persuasão através de representações e interações baseadas em regras, em vez de palavras faladas e escritas, imagens fixas ou em movimento. Para o autor, os videogames teriam poderes persuasivos únicos, distintos de outros softwares, teoria que ele desenvolverá por todo o livro.

O longo capítulo 1. PROCEDURAL RHETORIC, que também pode ser lido online, introduz a teoria para a análise.

Logo no início, Bogost retoma a definição de retórica prodecimental. A procedimentalidade se refere a uma maneira de criar, explicar e compreender processos, processos que por sua vez definem como as coisas funcionam – os métodos, técnicas e lógica que guiam a operação de sistemas, sejam eles mecânicos (como motores) ou organizacionais (como escolas). A retórica, por sua vez, refere-se à expressão efetiva e persuasiva. A retórica procedimental, portanto, seria a prática de utilizar processos persuasivamente. Mais especificamente, a prática de persuadir através de processos em geral, e processos computacionais em particular. Ela seria útil tanto para o programador quanto para o usuário, tanto para o game designer quanto para o jogador. A retórica procedimental é uma técnica para criar argumentos com sistemas computacionais e para desvendar argumentos computacionais que outros criaram.

Depois de definir retórica nos campos da fala e da escrita, Bogost explora o emergente campo de estudos da retórica visual, que envolve a análise de como fotos, desenhos, gráficos, tabelas e imagens em movimento são utilizados para influenciar as atitudes, as opiniões e os desejos das pessoas. Como em todos os momentos do livro, em poucas páginas Bogost faz uma interessante revisão de diversos autores que exploram o tema.

Em seguida, ele explora o conceito de retórica digital. A retórica visual costuma ser estudada do ponto de vista social, da criação de comunidades de prática ao redor de novas mídias; da interatividade no sentido de comunicação mediada por computadores; ou ainda da maneira como computadores modificam práticas sociais (cartas, p.ex., viraram emails etc.). Entretanto, Bogost está interessado na retórica digital que aborda o papel da procedimentalidade, a propriedade de representação específica dos computadores.

Vem então em seguida uma longa parte sobre Procedural Rhetoric. Como a retórica verbal é a prática de utilizar a oratória persuasivamente, e a retórica visual é a prática de utilizar imagens persuasivamente, a retórica procedimental seria a prática de utilizar processos persuasivamente.

Há então uma referência ao interessante The McDonald’s Videogame, desenvolvido pela Molleindustria (cujo lema é “Radical games against the dictatorship of entertainment”), que faz uma crítica à rede de fast-food norte-americana. Para jogar, você precisa se envolver em corrupção, devastar o planeta e gerar problemas de saúde. O argumento, aqui, não é defendido com palavras ou imagens, mas com processos que representam os processos em jogo na realidade. São ainda avaliados outros exemplos que trabalham com os diferentes tipos de retórica abordados até então, para explicar melhor o conceito de retórica procedimental: G!rlpower Retouch, Freaky Flakes (PBS Kids) e The Grocery Game.

Em seguida, é rapidamente abordado o conceito de Interatividade, com a breve análise do game Balance of the Planet.

É então elaborada uma definição para games persuasivos, aqueles que constroem argumentos sobre como os sistemas funcionam no mundo real, levando o jogador a modificar a sua opinião fora do jogo. A retórica visual ou verbal pode, muitas vezes, encobrir uma retórica procedimental fraca. São brevemente analisados, nessa perspectiva, P.o.N.G e Congo Jones, enquanto Tax Invaders e Tax Avoiders seriam exemplos de desenvolvimento de uma retórica procedimental.

Há ainda um esforço para diferenciar persuasive games do movimento de serious games. Sério teria o sentido de suporte a interesses estabelecidos de instituições, enquanto os jogos persuasivos teriam o potencial de criticar as visões de mundo estabelecidas dessas instituições.

Depois deste capítulo de abertura, o livro está dividido em 3 partes. Não vou resenhar as 2 primeiras, mas espero voltar a elas no futuro e ter tempo de registrar por aqui pelo menos alguns comentários. Seguem de qualquer maneira os capítulos (continuo a resenha a partir da terceira parte, Learning).

Politics

2. POLITICAL PROCESSES

3. IDEOLOGICAL FRAMES

4. DIGITAL DEMOCRACY

Advertising

5. ADVERTISING LOGIC

6. LICENSING AND PRODUCT PLACEMENT

7. ADVERGAMES

Learning

8. PROCEDURAL LITERACY começa com uma crítica tanto às abordagens behavioristas quanto construtivistas dos videogames, incluindo as visões de Gee e Shaffer, já resenhados por aqui. Bogost está interessado na retórica procedimental como uma prática crítica, não como reprodução de práticas estabelecidas. Segundo Bogost, “jogadores de videogames desenvolvem uma alfabetização procedimental pela interação com modelos abstratos de processos específicos, reais ou imaginários, apresentados nos games que eles jogam. Os videogames ensinam perspectivas tendenciosas sobre como as coisas funcionam. E a maneira como eles ensinam essas perspectivas é através da retórica procedimental, que os jogadores ‘leem’ pelo envolvimento direto e crítico.” (p. 260).

Em 9. VALUES AND ASPIRATIONS, Bogost afirma que “os videogames para treinamento tornam-se educacionais quando eles deixam de reforçar um processo como um conjunto de regras arbitrárias a serviço da organização, e começam a apresentar uma retórica procedimental do modelo de negócios sob o qual o empregado foi solicitado a trabalhar. Quando o empregado tem uma perspectiva desse modelo de negócio, ele pode interrogá-lo como um sistema de valor, no lugar de uma condição arbritrária de emprego.” (p. 282).

Há uma análise do game Deus Ex, do ponto de vista ético, e do complexo Left Behind: Eternal Forces, um game religioso (dos quais em geral a retórica procedimental está ausente), dentre outros.

A conclusão do capítulo compara escolarização (schooling) com educação (education). A escolarização afirma os valores de instituições existentes em vez de desafiar ideias antigas com novas, fazendo pouco para romper sistemas estabelecidos, ou para representar a função desses sistemas, desejáveis ou não, através da retórica procedimental. Games permitem questionar esses sistemas ou simular como viver bem, em vez de simples afirmações sobre a mera realidade de conceitos no mundo.

10. EXERCISE estuda a relação entre games e exercícios.

11. PURPOSES OF PERSUASION menciona inicialmente o site Metacritic, cujas avaliações servem como referência para a indústria de games.

O importante tema da avaliação é então examinado. Bogost procura mostrar como a avaliação, mesmo quando são considerados os serious games, está sempre ligada a progresso numérico e portanto, mesmo que indiretamente, ao capital. Além disso, espera-se que os resultados possam ser demonstrados no curtíssimo prazo, já que as instituições que os suportam – militares, governos, instituições educacionais, instituições de saúde e empresas – impõem essa demanda. “Para essas instituições, a persuasão implica a produção do consentimento o mais rápido possível. A retórica procedimental, por sua vez, pode desafiar as situações que as contêm, expondo a lógica de suas operações e abrindo a possibilidade para novas configurações. Contabilizar esses resultados é impossível de dentro da estrutura do sistema que a retórica procedimental espera questionar; a moeda desse sistema não é mais válida. Se nós queremos saber como os jogos persuasivos persuadem, precisamos encontrar outro modelo.” (p. 326).

Mais para frente, outra passagem que vale a pena citar:

“Jogos persuasivos expoêm a lógica de situações numa tentativa de chamar a atenção dos jogadores para uma situação disruptiva e encorajá-los a problematizar a situação. Os próprios videogames não podem produzir eventos; eles são, afinal de contas, representações. Mas eles podem ajudar participantes de uma situação a enxergar a lógica que a guia, e começar a realizar movimentos para melhorá-la.” (p. 332).

Os videogames apresentam um gap entre a representação procedimental e a subjetividade do indivíduo. Essa disparidade entre, de um lado, a simulação, e, de outro lado, a compreensão do jogador em relação ao sistema fonte que a simulação modela, cria uma crise no jogador, que Bogost chama de febre da simulação (simulation fever), uma loucura através da qual começa uma interrogação sobre as regras que guiam ambos os sistemas. E essa febre gera reflexão e crítica. A retórica procedimental persuade quando ela ajuda a discernir o evental site de uma situação – o lugar onde a prática corrente se desfaz. Os jogadores são persuadidos quando entram em crise em relação a essa lógica.

Jogos persuasivos podem produzir reflexão e discursos em diversos sentidos, além da crítica tradicional: conversações que se formam além do jogo, em blogs, nas famílias, na cabeça das pessoas etc. Bogost analisa o game Savannah, em que há espaços para reflexão dentro do próprio jogo (cf. o Research Report do projeto). As crianças “brincam” de ser leões em uma savana, navegando em ambientes de realidade aumentada com um dispositivo móvel. Um exemplo similar ocorreria no game The Grocery Game, em que o site seria esse espaço.

Bogost reflete então novamente sobre como avaliar os resultados de jogos persuasivos. Mesmo as avaliações qualitativas, diz ele, estão baseadas em uma economia do retorno, estabelecendo denominadores comuns entre instâncias individuais através de amostragem ou indução. Por esse motivo, as pesquisas qualitativas acabam gerando resultados muito genéricos.

Vale a pena fazer mais algumas citações, das últimas páginas do livro, centradas na questão da avaliação:

“Como um neurótico ou um co-dependente, a avaliação sempre gruda até que possa ter certeza de que um resultado, positivo ou negativo, passou.” (p. 338)

“A avaliação procura fechar sistemas expressivos contabilizando suas saídas (outputs) como uma função do seu design. A avaliação ajuda a afirmar as instituições que estruturam o nosso mundo, dando para elas evidência de que as suas táticas suportam estratégias existentes. Aos olhos dessas instituições, estamos sempre em julgamento, e ‘evidência’ serve para provar nossa culpa ou inocência. A avaliação requer contabilização geral, com antecedência, de como algo serve a uma autoridade.” (p. 338-339).

Como a retórica procedimental desafia a lógica das estruturas que a contêm, a única maneira de falar de seu sucesso é através da transformação. Como no caso do amor e da revolução, a retórica procedimental persuade através da intervenção, criando um cenário para uma nova compreensão, impensável no presente. Como no caso da literatura, da poesia e da arte, os videogames não podem saber necessariamente o seu efeito nos jogadores. Nesse sentido, videogames estão associados com as humanas.

NOTES, BIBLIOGRAPHY e INDEX (também disponível online) terminam o livro.

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6 respostas a Persuasive Games: the expressive power of videogames

  1. Renato disse:

    Wow, sua capacidade de leitura e produção de resenhas é surpreendente. :-)

  2. Renato disse:

    Pelo que entendi, a simulation fever pode ser uma coisa boa não? Uma dissonância entre a proposta do jogo e a subjetividade do jogador que serve como um forma de motivar o jogador a entender a proposta do jogo.

  3. João Mattar disse:

    Na verdade, Renato, entre a leitura do mundo, por parte do jogador, e o modelo do jogo que ele está jogando, que no fundo é uma simulação do mundo. Essa febre faria você rever sua visão de mundo. Tirei minhas “férias” para isso, estou totalmente focado na leitura e redação, pode ficar ligado porque nos próximos dias tem mais!

  4. Renato disse:

    Entendo, creio que é aí que reside o tal potencial retórico do jogo. No mais continuo acompanhando, as referências vão acabar me inspirando um mestrado :-)

  5. João Mattar disse:

    É uma revisão geral da bibliografia de ponta, aproveite!

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