Jogos Eletrônicos: diversão, poder e subjetivação

MENDES, Cláudio Lúcio. Jogos eletrônicos: diversão, poder e subjetivação. Campinas, SP: Papirus, 2006. Resenha de João Mattar.

O interessante livro se propõe a responder a 2 questões principais, utilizando como referencial teórico as ideias do filósofo francês Michel Foucault: (a) Como nos tornamos sujeitos-jogadores? (b) Que efeitos os jogos eletrônicos têm sobre nós?

Depois de uma introdução com 1. O JOGO, em 2. COMO DESCREVER OS JOGOS ELETRÔNICOS COMO UM CAMPO ESTRATÉGICO DE GOVERNO? Mendes expõe as 2 questões e indica que, além de Foucault, utilizará também as ideias de Nikolas Rose.

3. CONSTITUIR PARA GOVERNAR: AS COMUNIDADES COMO MEIO DE GOVERNO E DE AUTOGOVERNO analisa, dentre outros elementos: a linguagem das revistas sobre games, das quais são citadas: Gameforce, Info Games, Infogames, Inf Teen e CD Expert; o dialeto das comunidades de gamers; e o Counter-Strike.

4. COMO OS JOGOS ELETRÔNICOS EDUCAM? é dedicado ao potencial educativo dos videogames. Segundo Mendes, na novela Estrela Guia da Rede Globo, de 14/04/2001, uma mãe olhou para a mochila do filho, pegou um minigame e perguntou: “Isto é material escolar?”, e o menino respondeu: “Não, mas deveria ser. É muito mais interessante que as coisas da escola!” (p. 71). Ou seja, essa perspectiva não é tão nova, mesmo por aqui.

Mendes menciona então técnicas presentes nos jogos: intelectuais (ler, contar, memorizar, anotar, registrar, diferenciar e identificar) e corporais (posição do corpo, demonstração das expressões, moldar o olhar, moldar a audição); e saberes produzidos pelos jogos: psicológicos, históricos e geográficos, mitológicos e ficcionais, tecnologias do silício e relativos ao consumo. (p. 73-78).

Mendes propõe então uma classificação dos games, em função de sua prática educativa: (a) produzidos para serem vendidos para um maior número possível de consumidores, (b) jogos educativos e (c) utilização de jogos (educativos ou não) como ferramentas educacionais (exemplos mencionados: série Civilization e SimCity).

É interessante citar o que Mendes afirma sobre os jogos educativos:

“Mesmo que o termo jogo educativo abarque grande variedade de games, de uma forma geral eles são direcionados para públicos específicos, com conteúdos e tecnologias orientados para cumprir objetivos de ensino. Em seus processo de elaboração, os jogos são planejados como ferramentas de aprendizagem, compostos por conteúdos e tecnologias que lhes darão uma forma mais próxima de currículos escolares, sendo, até mesmo, muitas vezes usados nos próprios currículos formais das instituições de ensino.” (p. 79-80)

Mendes cita então alguns exemplos de games educativos: Conta outra vez? O desafio da Matemática, Bellatrix, Jogo das Letras, Baú dos Brinquedos e Jogo da forca.

Mendes aponta também os problemas para a utilização de games como Civilization e SimCity pelos currículos escolares: “Tanto nos jogos de RPG como nos de outros gêneros, encontram-se currículos culturais constituídos com base em objetivos bem específicos, orientados para as aprendizagens a eles relacionadas. Com isso, a pretensão de usar uma aprendizagem adquirida por intermédio de um jogo em um outro cenário fica dificultada.” (p. 81-82). Ou seja, há uma dificuldade de transferência de aprendizagem entre diferentes ambientes. É interessante notar que, em momentos em que o autor abandona as referências teóricas, principalmente o vocabulário de Michel Foucault, muitas vezes o texto ganha muito.

5. NARRAR PARA OUTROS, NARRAR PARA SI: AS NARRATIVAS DOS JOGOS ELETRÔNICOS COMO ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO faz uma distinção entre histórias (no que o jogo se baseia, orientações gerais etc.) e narrativas (forma de atualizar as histórias, no encontro entre os jogos e os jogadores, ou mesmo em diálogos em revistas e sites de jogos). Mendes chama também a atenção para algumas estratégias para prender os jogadores aos games: nos games, o jogador é sempre o personagem principal, o que ele chama de sujeito-jogador-narrador; e eles estão ligados ao jogo por cenários, sem saber exatamente para onde devem ir e sujeitos ao que ele denomina de aparecimentos súbitos. Fala, ainda, da associação entre imagens e sons nos games, o que denomina imagens-sons.

6. QUEM PODE RESISTIR A ELAS? VOCÊ? discute o interessante tema do gênero em videogames, abordando, dentre outros pontos, a criação de personagens femininas.

7. O GOVERNO DOS OUTROS E O GOVERNO DE SI chama a atenção para outros mecanismos de captura dos games: o jogador tem a sensação de que está dirigindo as ações, atuando também como descobridor. Para terminar, uma citação do último parágrafo do livro: “Nesses constantes embates entre as técnicas de dominação e as técnicas de si, os mais variados sujeitos são inventados e inventam-se: aquele que joga apenas por diversão, o ciberatleta, o viciado em algum tipo de jogo, o que assume a identidade do personagem.” (p. 139-140).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS encerram o livro, que pode funcionar muito bem como leitura em cursos de games.

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4 respostas a Jogos Eletrônicos: diversão, poder e subjetivação

  1. Pensando com meus botões…Um dia vamos ter que estudar e entender pra valer, porque os jogos “educacionais” são percebidos como chatos! Perde-se alguma coisa importante talvez no excesso de didatismo, ou em personagens sempre bonzinhos, politicamente corretos demais, estereótipos…??? E a vida não é assim. Mais ainda, re(-)conhecer e aprender a lidar com “a vida como ela é” – é fundamental para a existência…Não sei, fica faltando alguma coisa…o que será?

  2. Marcelo Cabeda disse:

    Hummm… talvez seja o excesso de vontade de “ensinar” uma determinada coisa? Algo que formata uma linha e que restringe saídas laterais? Estou aqui pensando: nao consigo mais sentar numa escola, seguir uma linha onde alguém me diga A VERDADE É…ou ainda COM CERTEZA… pronto! Ao começara assim, o parlante me perde! :))
    Os jogos na minha opiniao tem que permitir investigaçoes, permitir reais mudanças de enredo na medida do interesse dos jogadores. Com certeza será muito mais complicado construir e com certeza nao pode partir de um pressuposto ENSINANTE, mas de uma disposiçao de fomentar APRENDIZADO mesmo que sem saber O QUE será aprendido nem como o jogador ESCOLHERA se relacionar.
    Eta! Fui fundo! Abraço meus queridos.
    Cabeda

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  4. Julia disse:

    Daisy,
    O que fica faltando é uma dose de realidade…

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