O Conteúdo na EaD

Uma série de experiências recentes me levou a meditar um pouco sobre este tema.

Há alguns anos venho desenvolvendo, praticando e incentivando a prática do conceito de aututor, do professor que elabora e/ou organiza seu próprio material em EaD, que motiva a interação e orienta a construção de conhecimento com os alunos, e que, portanto, se sobrepõe ao conteúdo. Conteúdo de qualidade e aberto há (e haverá cada vez mais) de sobra na Internet, em todas as áreas e em diversos formatos: textos, imagens, sons, vídeos, animações, games etc. (cf. p.ex. o modelo da P2PU). Não será mais, portanto, um ativo valioso na educação: valor terá a mediação inteligente e humana no processo de interação com esse conteúdo e colaboração com outras pessoas, para a remixagem e produção de novos conhecimentos. E no nosso país, temos um grande teórico da sala de aula interativa e da pedagogia do parangolé:

Se essa maneira de pensar está mais próxima da pedagogia contemporânea, marcada pelo construtivismo, e da maneira de aprender e de se relacionar das novas gerações, por que insistimos em continuar pensando o contrário? Por que, na educação presencial, passamos a guiar nosso “ensino” pelos testes de larga escala (como ENEM e ENADE), matando a criatividade no processo de aprendizagem? Por que temos tanta dificuldade em enxergar outro modelo para a EaD que não seja a produção de conteúdo incentivando a autoinstrução? Por que elegemos o conteúdo rei e rebaixamos o tutor? (uma das respostas, é claro, seria financeira, a taylorização e fayolização da EaD, mas estou interessado em uma resposta pedagógica)

No FUP 2007, Marcos Formiga, vice-presidente da ABED, afirmou que, em EaD, o fundamental é o conteúdo. Nunca tive a oportunidade de esclarecer com ele exatamente o que ele quis dizer, mas em EaD, hoje, o conteúdo tornou-se uma commodity gratuita, não é esse o valor e o poder da EaD.

Mas parece mesmo que conteúdo é uma palavra essencial em EaD para a ABED. Na chamada para o 16° CIAED, é possível ler:

Consideramos que os três ingredientes básicos compondo programas de EAD são conteúdo (o conhecimento em si e o seu arranjo eficaz), apoio ao aluno (tanto pelos profissionais, professores e seus apoiadores, quanto pela tecnologia), e certificação do conhecimento (maneira de avaliar a apropriação do saber pelo aprendiz e a outorga de um documento comprobatório), então seu sucesso está na integração sagaz e bem-testada desses ingredientes.

Essa proposta parece estar mais próxima de uma EaD fordista, tanto criticada (e há tanto tempo) por Otto Peters (em A EaD em transição e Didática do Ensino à Distância, p.ex.), modelo aliás adotado pela nossa UAB. Como nossa “universidade aberta” (que, para criar – ou não – confusão?, não é universidade nem aberta) nasceu tardiamente, não deixa de ser coerente adotar um modelo ultrapassado, para reviver o passado na sua pureza.

Mas é possível visualizar uma outra tríade, mais adequada à educação de hoje – e do futuro: envolvimento, interatividade e construção. É provável que, no mercado, esses tornem-se ativos valiosos, caros, buscados em instituições (que não serão mais iguais às anteriores) pelo diferencial de qualidade que possam oferecer.

Agora, se vamos produzir conteúdo (e muitas instituições ainda querem isso, mesmo porque um conteúdo criativo e inovador também pode ser um elemento interessante e diferencial na EaD, um fator que embaralhe um pouco o design instrucional clássico), que se injete gameplay e interatividade nele, incentivando a construção e a colaboração; que o conteúdo não permita que o aluno absorva passivamente conhecimento (caracterizando uma EaD bancária que Paulo Freire adoraria criticar), mas motive que o aluno interaja (lançando-o a blogs, p.ex.), organize (lançando-o à elaboração de fontes de feeds no Netvibes, p.ex.) e construa (lançando-o à colaboração em listas bibliográficas no Delicous, p.ex.). E gerando também interação intensa do aluno com o próprio conteúdo (levando-o a refletir, responder perguntas, simular cenários, questionar e atuar no seu entorno etc.)

Transformar os conteúdos em experiências interativas, colaborativas e games: essa pode ser a contribuição daqueles que não acreditam no poder divino do conteúdo!

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7 respostas a O Conteúdo na EaD

  1. José silva disse:

    Muito pertinente esta discussão. Nesta pespectiva. o prorfessor/tutor na atual estrutura hierarquica vigente de EaD acaba por ser o ponto de estrangulamento da estrutura, porém, apesar das limitações, acaba po exercer todos os papeis hierárquicos da estrutura além, de se tornar o real personagem de condução do curso. Dai surge a questão, qual o real papel exercido pelo tutor na EaD? Este tem sido meu tema de pesquisa para a dissertação.

  2. João Mattar disse:

    José, o tutor deveria ser o mediador da aprendizagem, é assim que ele é utopicamente descrito na literatura. Mas, infelizmente, não é assim que ele tem, em geral, aparecido na prática da EaD no Brasil. Em geral ele é muito mal pago, para trabalhar com muitos alunos, em muitos casos em muitas disciplinas, e realizando mais a função de um monitor que de um professor.

  3. José silva disse:

    Professor, essa visão precária que ainda prevalece em relação ao tutor acaba por mascarar a real importãncia deste ator dentro do processo da EaD.
    Pensemos sob a ótica da responsabilidade pela manutenção da mediação pedagógica no espaço intermediário entre o aluno e o conhecimento, quem seria o ator responsável por esta ação? o conteúdista? o executor? (pensando no medlo UAB vigente hoje) ou será de responsabilidade do tutor, que por sua vez, aparece descrito na literatura descrito, até muitas vezes, como o animador do ambiente? afinal, a importãncia hierarquica que é construida no processo administrativo -pedagógico” na EaD considera esta perspectiva?

  4. João Mattar disse:

    José, li também seu outro comentário, muito legal você estar por aqui. Eu enxergo e pratico uma EaD em que o tutor tem liberdade para escolher materiais para usar com seus alunos, para produzir conteúdo, para propor atividades, tudo isso além de animar como você diz. Essa ideia do tutor animador parece ser interessante, mas pode ser também um reforço do fordismo, com o professor obedecendo tudo, tudo prontinho, e ele tentando animar a plateia. Eu não acredito no aprendizado derivado desse modelo.

  5. jose Silva disse:

    Professor, esta discussão encampada aqui tem me servido efetivamente como base para o encaminhamento dde minha pesquisa de mestrado na UFPE. Recentemente, num seminário, acabar por ser orientado a mudar o foco da minha pesquisa e direcioná-la exatamente para a análise das definições dos papeis de mediador na EaD. Uma coisa que tem me intigado é de que o profssor, chamado executor, na grande maioria das instituições acaba estruturando o curso mas não media da forma como deveria ser, restando esta tarefa para o tutor. Este, por sua vez, acaba desenvolvendo o se papel e o dos demais acabando por ser o sujeiro responsável pelo desenvolvimnto do curso. Desta forma ne questionos, para que preciso de doutores para construir os conteúdos e pensar na mediação dos ambientes virtuais se o tutor por si só acaba suprindo esta necessidade? E mais, qual o real papel do professor/tutor num curso de educação a distância? Estes questionamentos tem norteado a minha discussão com minha orientadora, que por sinal o senhor a conhece bastante, e este espaço vem contribuindo bastante para isto.

  6. João Mattar disse:

    José, um dos problemas do modelo de EaD que muitas instituições, públicas e privadas, adotaram no Brasil é que o peso é colocado principalmente no desenvolvimento de conteúdo, por isso a importância e o status do professor autor, e muito pouco na mediação, por isso pagamos tão mal um professor tutor. Mas, na minha visão e de muitos educadores, a mediação é essencial, principalmente na EaD, por isso mesmo o tutor acaba ficando sobrecarregado. A minha posição, que tenho procurado deixar sempre clara, é que esses modelos não estão a favor do aprendizado nem da educação, mas do capital – gasta-se para produzir, mas depois se paga muito mal o tutor (ou, no limite ideal, nem se paga nada, o aluno estuda sozinho), e logo o investimento é recuperado – então tudo o que vier é lucro. Para pagar bem um professor mediador, não dá para ter o lucro que estão querendo ter com a EaD. Me mande um email joaomattar@gmail.com gostaria muito de acompanhar a sua pesquisa.

  7. Daisy Grisolia disse:

    Caro João,
    Nada mais gratificante do que este post. A educação precisa ser reinventada urgentemente. Mais do mesmo, ainda que com mais dinheiro e qualificação só trará os mesmos resultados. O mundo mudou, a sociedade industrial está se encerrando e os paradigmas da Sociedade em Rede trazem novos desafios, exigência de novas competências. A escola como um todo precisa rever suas práticas, métodos, paradigmas e dogmas.
    Conteúdo nao é mais diferencial porque pode ser encontrado em qualquer lugar e a qualquer hora. Cursos padronizados e sem imaginação já deram o que tinha que dar. É tempo de abrir espaço para o novo.
    Conexóes abertas, livres, criativas e que efetivamente alavanquem a inteligência coletiva. Todos podem aprender com todos. Paulo Freire, que nunca é demais lembrar, dizia com toda propriedade: Ninguém ensina ninguém, os homens aprendem entre si, mediatizados pelo mundo. Estamos chegando lá!

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