Reli hoje o provocativo:
GOMES, Roberto. Crítica da razão tupiniquim. 11. ed. São Paulo: FTD, 1994. (Coleção prazer em conhecer)
No livro, Gomes faz uma série de provocações à filosofia acadêmica:
o filósofo brasileiro, capaz de vôos tão mirabolantes no tempo e no espaço, capaz de pensar o século XIII ou as cosmo-visões européias, não é capaz, pela armadura na qual se encontra, de enxergar um palmo diante do nariz. Este mesmo “pensador” não é capaz de cobrar um escanteio ou dançar um samba. (p. 15)
Seria um fato constante:
nossa tendência a evitar o choque de idéias e as tomadas de posição. Encontramos sempre um meio-termo entre, digamos, idealismo e realismo, subjetivismo e objetivismo, e houve mesmo quem entre-nós encontrasse um meio-termo entre positivismo e marxismo, disparate que me intriga. Tudo isto poderia consistir em empresa louvável, mas não do modo como a conduzimos: dissolvendo oposições. Cabe, a propósito, alertar que no meio não está a virtude, como muitos pensam. No meio está o medíocre.
Eis por que, não assumindo uma posição nossa, um pensar brasileiro torna-se impossível – impossibilitado de criar por não aceitar destruir o passado que nos impuseram -, recusando assumir sua condição básica: que seja nosso, negador do alheio. (p. 31)
Isso explicaria o ecletismo que marcará o percurso da filosofia no Brasil, que se combina com nossa tendência para a imparcialidade e o jeitinho brasileiro. O Brasil é o país do ecletismo: com o ecletismo, retratamos nossa hesitação em assumir um ponto de vista que nos permitisse uma síntese original:
Não há, em Filosofia, algo que seja uma posição brasileira. Há uma ilusão: a de que possamos, imparcialmente, usufruir benefícios das mais diversas reflexões estrangeiras, delas retirando o ‘melhor’. Desde sempre visamos extrair do pensado por outros aquilo que poderá nos ser útil – e isto constitui o mito da imparcialidade. Entre-nós, é atitude freqüente buscar dissolver oposições, justapondo subjetivismo e objetivismo, materialismo e idealismo, racionalismo e empirismo – como se tal atitude pudesse, impunemente, ser adotada. Sem nos cobrar o preço daquilo que poderíamos ser. Assim, nos falseamos, nada sendo. E nada assimilamos. (p. 37)
Segundo Gomes, “essa indiferenciação intelectual gerou um monstrengo em termos de atitude filosófica: evitar oposições e dissolvê-las, ao invés de enfrentá-las e resolvê-las.” (p. 38)
Daí o ‘mito da imparcialidade’ revelar, por detrás da máscara de isenção e objetividade, uma fraqueza primária: a ausência de risco. A incapacidade de ver no conhecimento um empreendimento a mais, uma invenção a ser levada a termo. A tentativa de dissolver oposições. Dar um jeito. Não radicalizar. (p. 40)
Esse seria o vício conciliador da Razão Eclética: ao invés de gerar um confronto criador, gerou entre-nós o pensar anestésico: “Dissolvendo oposições, antagonismos ou choques. Reconciliando ao nível verbal as mais desencontradas alternativas, gerou o pensamento esterilizado, muito útil porque não contamina ninguém.” (p 84).
Existiria assim uma filosofìa entre-nós, mas não uma filosofia nossa. Temos professores de filosofia, não filósofos. O equívoco primário seria confundir a existência de livros de Filosofia escritos por brasileiros com a existência de uma Filosofia brasileira: “Que existam autores de obras filosóficas entrenós não pode ser objeto de dúvida. Basta consultar alguns catálogos. Que tais autores sejam, em alguns casos, do melhor nível, também não pode ser contestado.” (p. 58)
Essa filosofia, entretanto, é refletora – e não reflexão – do que se passa ao nosso redor. Como então desenvolver uma filosofia brasileira? “Só a partir de uma reflexão crítica a respeito de nosso modo de existir, de nossa linguagem, de nossas falsificações existenciais e históricas é que poderemos chegar aos limites de uma Filosofia nossa.” (p. 61)
O livro termina com uma análise do desenvolvimento do ecletismo e do positivismo em nosso país.
Da indiferenciação do ecletismo ao espírito dogmático do positivismo, a distância era mínima e foi percorrida festivamente pela inteligência nacional. Fascinados por um modelo de pensamento e de ciência atado ao espírito oitocentista, caímos em alguns mitos e novas falsificações. O mito da certeza em geral e da certeza científica em particular. Qualquer positivista elimina a criticida-de da Razão com quatro ou cinco argumentos, onde a fé na afir-matividade é tão presente quanto o fanatismo nos santos guerreiros. Ao invés de favorecer o verdadeiro desenvolvimento do espírito científico, a Razão Afirmativa só fez bloqueá-lo, atado à camisa-de-força sumariada por Comte e seguidores em mui fáceis lições. Apresentando-se como irrefutável, a Razão Afirmativa impediu o aparecimento da única coisa que poderia gerar pensamento: a dúvida. (p. 89)
A Razão Afirmativa aceita tudo que vem do exterior ou procura negar tudo, afirmando-se. Ou seja: exime-se de negociar intelectualmente. Por isso, não desenvolvemos uma filosofia nacional:
Uma Filosofia brasileira passou a ser impossível a partir do momento em que, como fenômeno geral, se deu entre-nós a opção pela certeza. Se a verdade é patrimônio de um outro, não nos resta senão ser ‘assi-miladores’. O que equivale a morrer para o pensamento. (p. 90)
Já no pensamento eclético encontrávamos a tendência a dissolver oposições e a desconfiança com qualquer posição que contivesse traços de marginalidade: do ponto de vista eclético, aquele que discorda é um criminoso, pois o ecletismo gera o fanatismo da mesmidade. É essencialmente tirânico e antidemocrático, avesso ao livre circuito de posições que se questionem radicalmente. (GOMES, 2004, p. 90)
Não houve salto entre o ecletismo e o positivismo, mas pura continuidade, desdobramento, uma afinidade que explica como o segundo – movimento filosoficamente inconsistente – foi capaz de encontrar entre-nós uma terra de promissão, arada e adubada pelo ecletismo. As duas atitudes prolongam a condição de dependência, ausentes de qualquer posição negadora. (p. 90)
Uma Razão Afirmativa é o mesmo que uma sem-razão. Complemento desesperado do senso impensado da Razão Eclética. Equivale a agarrar-se ao dado na pretensão de perpetuá-lo, quando a função radical do pensamento é destruir a positividade do dado. Se a Razão Eclética perdia-se numa indiferenciação amorfa e despersonalizada, a Razão Afirmativa tende a sacralizar o passado, fonte de todas as certezas – certezas que já não sabemos verdades caducas. E ambas encontram na Razão Ornamental a forma adequada à sua expressão: o pensamento não pensado, alegórico. Que não incomoda nem arrisca. O pensar anestésico e esterilizado. (p. 93)
Gomes faz uma análise de por que a Semana de Arte Moderna não causou reflexos na filosofia, apesar de tê-los causado em várias outras áreas. Optamos pela repetição do dito – jamais dizer: “Esta Filosofia esterilizada, asséptica, refinada, de bom gosto e ornamental é na verdade ‘a voz do dono’. Não se compromete nem suja as mãos. Dedica-se de preferência ao puro jogo formal que a ninguém incomoda ou contamina.” (p. 108)
Como então, por fim, desenvolver uma filosofia brasileira?
As condições de possibilidade de um juízo filosófico brasileiro se encontrariam na missão de demolir as condições subjetivas e objetivas da dependência, a consciência crítica voltada contra a introjeção do papel de ‘assimiladores’ que a condição de colonizados nos reservou. O crivo severo com relação ao passado: reler nossa história. Criar uma nova consciência com relação a nós mesmos e com relação à consciência que se veio gerando no Ocidente e da qual somos uma última expressão desfibrada e mambembe. Saber que somos outra realidade, o que de pronto exige outra consciência, outros fins, interesses, preocupações. (p. 108-109)
Urge ser o que somos – descobrir-se no Brasil, na América Latina. (p. 110)
E a última mensagem de Roberto Gomes é provocadora e irreverente, como quase todo o livro:
Aprendamos duas coisas. Que nesta altura dos acontecimentos um soco na mesa, violento e sonoro, é mais importante do que sabermos da validade dos juízos sintéticos a priori E que, do ponto de vista de um pensar brasileiro, Noel Rosa tem mais a nos ensinar do que o senhor Immanuel Kant, uma vez que a Filosofia, como o samba, não se aprende no colégio. (p. 110)
Da mesma forma poderemos relatar que a leitura de filósofos que fizeram e fazem parte da história é necessário e importante, desde que se goste de Filosofia, ou no mínimo de entender a possibilidade de auxílio quando lançamos mão de algum texto sobre o pensamento daquele filósofo em seu tempo e as influências sofridas.
Decerto que nunca foi estabelecido um nosso pensar, de acordo com nossas, plural mesmo, realidades e diferenças históricas.
Não posso aprofundar, na medida em que não tenho um cacife igual ao seu, mas … nós simples leitores ( não filósofos), quando nos aproximamos da leitura de obras , devemos tentar não seguir a regra do outro, mas refletir se há possibilidades de utilização daquilo, para com a nossa realidade.
As idéias do livre pensar, sempre embalaram o conhecimento; nem a Semana de Arte Moderna, que influenciou tanto as artes , impulsionou mudanças quanto a uma Filosofia nossa. O certo é que agora a incerteza é geral, de todos, filósofos ou não.
Nem a dúvida mais, creio eu.
Se tudo passou por Re-transmissão no ensino, deixaram de herança , o não se colocar, o se posicionar.
A história política sempre garfou, diz meu pai.
O ensino da Filosofia deixou de constar e o valor daqueles que desejavam filosofar, eram enquadrados como “bicho-grilos”nas praias baianas!
Ficamos a filosofar nos botequins da vida onde só nos restaram, ou o samba, ou o murro na mesa!
E, sinceramente, não se fazem mais sambas como antigamente!
Quanto aos murros na mesa!
Aparentam dramáticos e latinos! o que somos!
mais valem os murros inconscientes, mas nem tanto.
nossa, melhor assim:
“Não Há mais a duvida…..”
Na leitura, observa-se um ato, um relato. Mais quando se afirmam sobre nosso cruel ou melhor, verdadeiro jeito de agir e de pensar a nossa vaidade cai por terra e, assim prosseguem os passos.
A critica revelada por Gomes, esta a frente de um grande erro acometido no modo educacional de ser do brasileiro, não por fata de verbas mas por hipocrisia mesmo, no entanto qual de nós julgamos o conhecimento intelectual brasileiro o mais sublime? Sabemos o modelo em que nos é apresentado para uma educação de qualidade, onde os meios ultilizados não são os mais que propinadores a fim do exterminio do intelecto humano, onde, o saber pode gerar numa população que estuda, pesquisa explora conhecimentos e adquire liberdade. Assim e dessa forma uma nação constituida de saberes, pode torna-se uma ameaça a um pais de escravocratas.Por isso, acredito eu, que os meios ultilizados na aprendizagem são como aqueles apontados na obra de LEONARDO BOFF -” a ave que virou galinha”, pois é através dessa prática que no nosso cotidiano o intelecto ganha um atraso avançado no empobrecido da razão e da cultura desgastada.