Muitos alunos de graduação não têm ideia de como funciona a pós-graduação, como por exemplo a diferença entre lato e stricto sensu, especialização, mestrado e doutorado. Muito menos então do que significa pós-doutorado – quando meus alunos leem que fiz pós-doutorado, muitas vezes me perguntam o que isso significa.
Dei uma entrevista recente para o Instituto Ayton Senna sobre o uso de redes sociais na educação, no início da qual sou apresentado assim: “Pós-Doutor pela Stanford University (EUA).”
Coloquei ontem o link para a entrevista no meu Facebook e a Tata Brasil Rocha postou hoje o seguinte comentário:
Por favor, vamos parar com essa coisa de escrever como se pos doutorado fosse título. Pos Doutor pela Univerisdade tal… isso não existe, não é titulo. O título é doutor e fim de papo, pos doutorado é um estágio, um compartilhamente de conhecimentos com outras instituições. Ver isso escrito por jornalistas que não conhecem a carreira não tem problema, mas por nós mesmos integrantes da carreira universitária é péssimo.
Conversamos um pouco por lá, mas achei que seria interessante ampliar a conversa por aqui, não só para explicar o que significa pós-doutorado, como também para relembrar um dos momentos mais mágicos da minha vida. Faz muito tempo, aliás, que queria registrar algumas maravilhas de Stanford.
Em primeiro lugar, eu não escrevi a apresentação para a entrevista, mas ela provavelmente foi retirada do que escrevi (ou outra pessoa escreveu) há algum tempo em algum outro lugar. Faltam por lá p.ex. as extensões que fiz na USP, UC Berkeley e Stanford, o meu Mestrado em Educational Technology na Boise State University e a minha pesquisa e orientação de doutorado na PUC-SP, dentre outras coisas que poderiam constar na apresentação, como os livros que escrevi. Mas a entrevista não foi para apresentar nem defender títulos, e sim para discutir o uso de redes sociais em educação.
Fui dar uma fuçada na Internet e vi que é comum utilizar a expressão “pós-doutor”, inclusive em editais e documentos oficiais. Não me parece que haja com isso nenhuma intenção de ninguém em fazer afirmações em relação a títulos, nem é essa obviamente a minha. Mas afinal, o que caracteriza um pós-doutorado?
O pós-doutorado é, como o próprio nome diz, uma etapa posterior ao doutorado e que envolve pesquisas. Não é exatamente um curso e o formato é bastante livre, ou seja, não há normalmente a obrigação de assistir aulas. O pesquisador fica vinculado a um orientador e/ou grupo de pesquisas, compartilhando conhecimentos, como a Tata diz. Não se trata, entretanto, de um “estágio” – isso dá uma caracterização mais de mercado pré trabalho profissional.
O ideal, se depois que você terminar seu doutorado quiser fazer um pós-doutorado, é escolher uma instituição em que sejam desenvolvidas pesquisas em uma área do seu interesse, fazer contato com o grupo de pesquisa e se informar sobre quais são os procedimentos para você ser aceito como pós-doutorando. As exigências variam muito, de instituição para instituição. Há inclusive a possibilidade de conseguir bolsa, geralmente concedidas a recém-doutores.
Variam também muito, de instituição para instituição, o que você fará por lá, com que frequência frequentará a instituição e quanto tempo durará seu pós-doutoramento (em muitos casos, pode durar apenas 1 ou alguns meses).
No meu caso, morei 1 ano e meio em Stanford (1998 a 1999). Para onde você olha e anda, enxerga e tropeça em maravilhas!
Se você sobe uns 40 minutos, chega a San Francisco, e esticando um pouco passa pela UC Berkeley (a grande rival de Stanford na área, principalmente no futebol!) e o Napa Valley, onde você pode fazer um tour tomando vinhos em uma região muito bem preparada para receber turistas.
Se vai para a esquerda, pode fazer uma viagem linda pelo litoral da California, passando por cidades paradisíacas como Carmel-by-the-Sea.
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Se vai para a direita, faz uma viagem inesquecível por National Parks como o Yosemite (cf. um vídeo de 15 minutos muito legal) e o Sequoia (com árvores gigantes e milenares):
Se quiser esticar ainda +, pode passar pelo Death Valley e visitar o Zabriskie Point, para relembrar a cena clássica do filme do Antonioni, com música do Pink Floyd:
jogar em Las Vegas e conhecer o Grand Canyon. Fiz tudo isso!
Mas meu pós-doutorado não foi só turismo! Stanford aparece quase sempre entre as 3 universidades tops do mundo, nas listas das + +. É realmente uma instituição fantástica.
O campus (faça um tour virtual) é uma fazenda que foi doada por um casal:
No período em que fiz pós-doutorado em Stanford, fui também visiting scholar, um status específico. Minhas pesquisas desenvolveram-se inicialmente no Departamento de Comparative Literature, que no fundo é um grande guarda-chuva interdisciplinar, como p.ex. o Departamento de Comunicação e Semiótica na PUC-SP ou o TIDD – Tecnologias da Inteligência e Design Digital, em que oriento hoje doutorado. Tive o prazer de interagir por lá, p.ex., com o falecido e famoso filósofo norte-americano Richard Rorty, que era professor do CompLit, não do Departamento de Filosofia.
Participei p.ex. intensamente do Philosophical Reading Group, que se reunia por 2h30m toda semana para ler e discutir textos clássicos, incluindo professores e alunos de áreas distintas, como filosofia, computação, engenharia, educação, medicina etc., não apenas de Stanford, mas também de fora, como da UC Berkeley. Tivemos o prazer de debater intensamente, p.ex., alguns Diálogos de Platão, o Mal-Estar na Civilização do Freud e o Seminário A Ética da Psicanálise do Lacan. Uma experiência única!
Desenvolvi também pesquisas e atividades interessantes em outros Departamentos, como Computação e Música, que resultaram em trabalhos publicados em Periódicos e apresentados em Congressos Internacionais, e inclusive viraram livros. Esse é (ou pode ser) o clima geral de um pós-doutorado.
O pós-doutorado não implica necessariamente ter aulas, mas eu quis cursar diversas disciplinas, de pós-graduação e inclusive de graduação, para, além é claro de estudar, também conviver com diferentes alunos e conhecer mais por dentro o funcionamento pedagógico dessa incrível instituição. Fui então, durante meu pós-doutorado, também aluno de Stanford. Outra experiência única!
Organizei, dentre outros eventos, a Brazilian Music and Cultural Week, na qual ministrei a palestra The Acoustic Guitar in the History of Brazilian Music e me apresentei com o Stanford Guitar Ensemble, um quarteto de violões que realizou várias outras apresentações, inclusive em rádio.
E cheguei também a dar aula em Stanford, substituindo uma professora.
Enfim, foi uma viagem, e até hoje participo da BSA – Brazilian Students Association, convivendo virtualmente com quem já esteve por lá – ou está agora!
Não existe, portanto, um modelo pronto para você fazer um pós-doutorado. Você pode, por exemplo, como afirma a Tata na conversa no Facebook, fazer um acordo com um departamento ou laboratório de uma instituição, ou ficar ligado a um grupo de pesquisas por poucas semanas, sem inclusive morar no local da sede da instituição, ou pode, como no meu caso, morar no campus por um longo período de tempo, depois de ser formalmente aprovado pela instituição, realizando diversos tipos de atividades. Tudo isso é abrangido pela expressão “pós-doutorado”.
O pós-doutorado é, portanto, uma fase da carreira docente posterior ao doutorado, e é inclusive às vezes uma exigência em determinados editais para contratação de professores. Se não é um “título” formal, chancelado pelo MEC, como no caso de um diploma graduação, mestrado ou doutorado, você trará da sua experiência diversas apresentações em congressos, publicações, certificados, cartas e outros documentos que têm valor legal, dependendo é claro da instituição e, principalmente, do que você tiver feito por lá. Nesse sentido, a Tata defende que não se utilize a expressão “pós-doutor”, mas “pós-doutoramento” ou “pós-doutorado” – vou seguir a sugestão dela daqui por diante. De qualquer maneira, independente da expressão utilizada, e em função justamente das características tão distintas dos programas de pós-doutorado, em um olhar mais analítico seria necessário explodir o que cada um fez no seu pós-doc, quanto tempo durou etc., o que não cabe obviamente em uma breve apresentação. Em um edital ou concurso, naturalmente a banca fará essa avaliação, portanto não vejo problema nenhum, para quem está na carreira universitária, que quem fez um pós-doutorado utilize a expressão “pós-doutor”. Não é isso o que pode induzir as pessoas a erros de interpretação. Eu uso a expressão (“pós-doutorado” a partir de agora) com muito orgulho, porque, no meu caso, não foi um simples acordo com um departamento ou laboratório por algumas semanas ou alguns meses, mas um período de 1 ano e meio essencial na minha formação, como professor e como pessoa.
De tudo o que eu trouxe de Stanford, o que guardo com mais carinho é uma carta (p. 1 e 2) que meu orientador, Hans Ulrich Gumbrecht, me enviou depois que retornei ao Brasil. Foi um prazer conviver tão intensamente com o Sepp!
Muito esclarecedor esse post, professor. Aliás, muito mais que isso: um compartilhamento de experiência. Um forte abraço.
Aprendi mais uma com você, Pós-Doutorado João Mattar.
Durante a leitura seu entusiasmo foi me contagiando a ponto de me confundir…pensei até que descrevias algo que já havia vivido..
A partir de agora usarei o termo Pós-Doutorada!!!
Adorei Professor Pós-Doutorado João Mattar!
Foi a primeira vez que li algo mais pontual sobre o assunto e desconhecia que existissem pós-doutoradinhos e ‘dões’!! Achava que eram todos ‘dões’!
Obrigada pela partilha destas experiências tão ricas! E Parabéns duplo: pelo título e por ser o Professor e grande ‘Mestre’ [de sabedoria] que é, não empinando o nariz para as pessoas! ‘Tudo de melhor’!!!
Ciberabs!! :)
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Olá, professor
grata pelo texto que é bastante esclarecedor. Devia ser publicado em jornais para um amplo público, já que até o título de Doutor é usado, muitas vezes, de forma inadequada.
Outra questão que você aponta, de forma implícita, é de que se pode fazer uma formação acadêmica responsável e também arejada. Isto é, sem medo de se arriscar, conhecer pessoas, se envolver em grupos de estudos, grupos de criação artísticas (musical no seu caso)…
grande prazer, abraços
Pos doc tem 2 funçøes:
1) reciclagem: se vc é um doutor que a tempos está fora da academia, vc pode se aplicar para trabalhar com algum professor de cadeira que te aceite como companheiro de trabalho em seu grupo de pesquisa. É um tempo de pesquisa e vc não é cobrado de maneira objetiva em conteúdos programáticos.
2) continuar pesquisando enquanto não arranja emprego, uma posição em alguma universidade.
Sim. Pos doc não é título e a questão não é ter ou não regulame tação no MEC: ao menos na Alemanha e França em que convivi em algumas academias é um despropósito e seria motivo de chacota alguém se apresentar como pós doutor. E sua utilização como título remete sim a um auferimento de grandeza artificial e cômico. Remete ao mesmo nível mental do matuto que chama “adevogado” de “doutor”: um pesquisador sem vínculo empregatício, desempregado e sem estar realizando nenhum curso auferindo a si mesmo a impressão de um “título”.
Quando se completa o tempo de pós-doutorado pode-se dizer que um artigo é o suficiente para “autenticar” o término da pesquisa? E, é obrigatório a publicação em revista ou somente a entrega de relatório na instituição.
Parabens, foi um ponto de vista bem claro. E dessa forma é que podemos concluir que: ensino são para muitos e conhecimento para pouco.
obrigado por esta publicação!!
Muito esclarecedor, obrigada.
Porém, como acabo de terminar meu doutorado, tenho muitas dúvidas ainda. Talvez o senhor possa me ajudar:
Posso fazer um Pós-Doutorado em outra área que não a do meu doutorado? Isso acarretaria algum empecilho para que eu consiga uma bolsa?
Outra questão: Eu preciso estar vinculada em alguma universidade aqui no Brasil, para pleitear um Pós-Doutorado no exterior?
Caso eu esteja afastada do meio acadêmico e queira retornar, o primeiro passo seria contactar um orientador aqui no Brasil, ou já contactar alguém lá fora?
Qual seria o produto final do Pós-Doutorado?
Obrigada, abraço
Não há a princípio impedimento para um pós-doutorado em outra área, mas é importante manter um foco, não só para a bolsa, mas para sua carreira.
Há diversos tipos de bolsa, você precisa checar as exigências de cada uma, e inclusive do produto final, dependendo também da instituição.
Professor Mattar,
Muito interessante seu blog!
Estou escrevendo o meu pós-doutorado e gostaria de ter exemplos de apresentações formais de pos-doutorado. Em geral são artigos, não? Minha orientadora pediu-me um artigo. Gostaria de saber se é possível também apresentar em formato de projeto: com sumário, introdução,justificativa, etc, etc….conclusão, anexos…
Em qualquer caso, há limites de páginas para mínimo e para máximo?
Agradecida
Maria Luiza Leão
Oi, Maria Luiza. O pós-doutorado em geral envolve um relatório final, especialmente quando envolve algum tipo de bolsa. Artigos publicados em periódicos e apresentações de trabalhos em eventos científicos são os formatos mais importantes de produções científicas, além de capítulos e livros. Há uma norma específica da ABNT para a elaboração de artigos, dê uma olhada. Os limites de páginas são determinados pelos periódicos ou pelas instituições. Não há limite sugerido pela ABNT.
Prof. Dr. João
Muito obrigado por sua breve exposição. Sua escrita propõe um deflagar desnudando o processo do estágio pós-doutoral. |Muito esclarecedor!
Obrigado