O Terror da EaD… é o MEC!

Tô triste, com raiva, com vontade de chorar!

Já tinha escrito por aqui Meu Medo da EaD (06/2010) e O Pesadelo da EaD (02/2011), mas agora chegamos ao Fundo do Poço, o Pavor, o Pânico, o Terror, que é… o MEC!

Vamos re-escrever a historinha.

Uma disciplina presencial e semestral numa Instituição de Ensino Superior (IES) tem 6 professores, cada um com 3 turmas, total de 18 turmas. Cada turma tem uma média de 50 alunos e as aulas duram 4 horas por semana.

Com a possibilidade aberta pelo MEC de as IES oferecerem 20% de sua carga horária em EaD, essas disciplinas passam a ser oferecidas a distância, com os professores (agora tutores) mantendo seus 50 alunos por turma, realizando diversas atividades interativas e colaborativas durante o semestre e elaborando instrumentos de avaliação adequados ao ambiente virtual. Esse era o cenário interessante para onde a coisa caminhava, mas que logo esvaneceu.

Reestruturação: há agora 400 alunos por “turma”, as atividades e provas são de múltipla escolha e o tutor (agora não mais professor) não deve mais realizar atividades de interação nem colaboração (mesmo porque não daria tempo), apenas enviar avisos motivacionais para os alunos, informando que o conteúdo da aula x está disponível, que o prazo para realizar a atividade de múltipla escolha está vencendo etc. A remuneração não diminuiu, mas o professor passou a receber menos horas-aula por seu trabalho – agora apenas 2, não mais 4. Ou seja, ele recebe agora 2 horas-aula de remuneração por 400 alunos, quando antes recebia 4 horas-aula por 50 alunos.

A IES obviamente não precisa mais dos seis tutores; um deles agora é suficiente para dar conta da nova função “docente”: o tutor oficial da disciplina. Os outros cinco são demitidos.

Numa próxima etapa (exercício de futurologia, na historinha), nem mais do tutor remanescente a IES precisará – ela poderá contratar um recém-formado para dar conta da função que é muito mais de monitor do que de professor. O último tutor é dispensado. Chega-se ao cúmulo de utilizar um mesmo “tutor” (agora monitor) para diversas disciplinas, muitas das quais ele não domina nem mesmo o conteúdo.

Esta é a história da adoção da EaD em muitas IES privadas em nosso país.

Quem saiu ganhando?

Os professores obviamente não. Os 6 foram dispensados, e esse processo ocorreu com mais intensidade nas disciplinas de humanas, que envolvem tradicionalmente alto grau de interação entre professores e alunos. [Tenho vários colegas... que foram demitidos ...]. Os professores perderam, mas atordoados com as mudanças geradas pelos “progressos” da tecnologia, e culpando-se por não conseguirem acompanhar as novidades, além de não terem mais remuneração para o próprio sustento e talvez até pela falta de mobilização da classe, não conseguem se organizar para reagir.

[O Pesadelo da EaD reflete brevemente sobre uma geração formada em humanas a distância - nessa distância]

Os alunos obviamente não ganharam. Uma das justificativas das IES é que eles estão agora sendo preparados mais adequadamente para o mercado de trabalho, onde o e-learning impera, e estão também sendo formados no uso de tecnologia. Mas este modelo de EaD fordista, conteudista e instrucional não é o único modelo de EaD que existe; ao contrário, se é adequado para algum contexto, é para a autoinstrução rápida em algum tema específico, mas muito pouco para a formação em humanas ou em diversas outras áreas do ensino superior.

[Qd tiver paciência, cf. uma playlist recente em que gravei mais de 1 hora de vídeos sobre Modelos em EaD:]

Esses mesmos alunos poderiam estar fazendo EaD com professores, participando de atividades interativas e colaborativas, sendo desafiados com avaliações adequadas etc. Mas estão fazendo provas de múltipla escolha de filosofia no computador! Os alunos perderam, mas não têm base de comparação para entender o que está ocorrendo em nosso país, sendo martelados com o discurso de que precisam se adequar a um modelo de educação moderno, que são passivos, que querem tudo mastigado, que precisam ser autônomos para estudar. Ficam então imobilizados e não reagem – isso está previsto na estratégia.

Os tutores, por sua vez, tampouco têm base de comparação, pois entraram nisso tudo já com o bonde andando e são pintados (pelos empregadores) como mais modernos que os professores que não aceitam a EaD, que não sabem usar tecnologia etc. [Se os tutores de EaD exigirem ser tratados como professores...]

O MEC? Bom, o MEC é o pai da criança, porque no fundo adotou o modelo na UAB – Universidade Aberta do Brasil, pagando para um tutor (por bolsa, sem vinculação trabalhista nem pedagógica, e sem reconhecimento de sua atuação docente) menos de 10% do que o próprio governo paga para um professor, na mesma universidade estadual ou federal. Se o próprio governo faz isso, chancelado pelo seu Ministério da Educação, o que não farão as instituições de “ensino” particulares? [Como o “tutor” é agora uma nova classe profissional...]

[Quem ganhou com isso, portanto, foram em última instância apenas as IES particulares...]

Alguns meses depois de ter escrito este post li essa passagem na CFESS Manifesta especial Educação não é fast-food, que cai como uma luva aqui (uma voz que foi calada pela comunidade de EaD com uma liminar):

“Trata-se de denunciar quem se beneficia com a educação à distância: de um lado os ‘tubarões’ do ensino, que ficam cada vez mais ricos e que têm um único objetivo – vender uma mercadoria. E de outro lado, o governo, que se desobriga da execução da política pública de educação e acena com a mão do mercado o EaD como única saída. Desse modo, o ensino de graduação à distância assume a condição de um novo fetiche social, pois, em nível da aparência do fenômeno, apresenta-se como democratização do acesso, o que esconde sua essência mercantil.”

[Não é à toa que muita gente não gosta da EaD...] pois nem o MEC nem as IES acenam com qualquer intenção de mudança na situação atual, já que ela é lucrativa e confortável para os dois lados.

Re-escrita a historinha, há 2 rounds recentes. Todos os tutores vão mesmo ser dispensados, porque, ainda que responsáveis por centenas (logo milhares) de alunos e tendo pouco trabalho docente (já que o conteúdo está pronto e as atividades – de múltipla escolha – também), eles são caros, pois são professores! Então vai ficar assim: um professor doutor “responsável” pela disciplina (ganhando não sei quanto nem fazendo o que, mas com um currículo lattes para garantir nota boa do MEC para a EaD), mas o tutor será o previsto, um monitor, recém ou nem formado, e assim por diante.

Mas… tchan tchan tchan tchan – antes do último round, aparece o MEC para avaliar a EaD da IES. Quem sabe, um fio de esperança, quem sabe uma visão crítica em relação ao processo, uma reação ao desmonte, a cobrança da qualidade da docência online etc.

MAS NÃO – o MEC dá nota muito boa para a EaD na IES, afinal há “estrutura”, “conteúdo” e “avaliação”, e os tutores são (ainda) professores (e doutores) da própria instituição, mesmo que não atuem efetivamente como docentes online, mesmo que tudo esteja pronto (conteúdo e múltipla escolha), mesmo que os cursos não primem por interação nem colaboração (são autoinstrucionais) e assim por diante. O MEC gosta de tudo isso, aprova, a nota é ótima.

MAS NÃO BASTA, NÃO BASTA. Além da nota exemplar, eles ainda deixam um recado para a instituição: o modelo é inviável (economicamente). Não é possível fazer EaD com professores da própria instituição, isso vai contra a prática do mercado, não se sustenta. É isso mesmo – o MEC não só legitima o que foi feito até agora, mas quase que obriga ao golpe final: o desmonte completo, a demolição completa da docência na EaD. Os representantes do MEC fazem o seu trabalho de “avaliação” mas ainda dão uma consultoria de lambuja! E o último rond termina com glamour: direita & nocaute!

É essa a história da EaD no nosso país.

AFINAL DE CONTAS, O QUE É mec? ministério da educação? PARA NOS LEVAR AONDE? NAS MÃOS DE QUEM ESTAMOS?

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14 respostas a O Terror da EaD… é o MEC!

  1. Caro Professor João Mattar,
    Esta historinha de terror que o senhor contou foi vivida por mim ,faz parte da minha vida profissional.Concordo com tudo que foi descrito no seu post, a situação é esta mesmo e é por isso que a EAD tem sérios problemas no Brasil,porque lá no fundo está faltando aquele comprometimento genuíno de fazer daqui um país melhor através da educação,é tudo na verdade uma novela gótica cheio de cenas pavorosas.Ao mesmo tempo que temos tantas pessoas empolgadas,tanta gente estudando ,descobrindo e se maravilhando com tudo que a EAD pode oferecer em um país de dimensões continentais como o nosso, esse enfrentamento desleal com o Sistema é desanimador.
    Um grande abraço,
    Thaisa

  2. claudia disse:

    Nossa Professor João! Também Tô triste, com raiva, com vontade de chorar, e eu que estava pensando em me tornar uma tutora?

  3. Brilhante como sempre, mesmo que o teor do artigo assuste…bom, a realidade assusta, então, melhor ouvir quem nos apresenta ela como é, do que aqueles que aliviam nossos temores…

    O que esperar do aparato estatal em um País onde, para pagar dívida de senadores com o imposto de renda, é usado dinheiro público?

    Fico triste, desanimado, com raiva… a única coisa que sustenta a vontade de seguir atuando é a resposta dos alunos, é o retorno do esforço de transmitir conhecimento que fazemos e que vem na forma de carinho (porque dinheiro e reconhecimento “profissional” como tutor, hehe, acho que não vem, não…

    Abraço,
    e não desistamos!

    Quem sabe usar nossa tristeza e indignação em prol de uma mudança?

  4. Renato disse:

    Realmente lamentável, isso não é um ministério, é um adversário.

    O que só me reforça a idéia de que o ensino superior deveria ser ligado ao MCTI e não ao MEC e seu gosto por estatísticas e fábricas de aluno fast food. Apesar de algumas ressalvas acho que CNPQ, CAPES e cia. tem feito um trabalho muito mais criterioso que os burocratas do MEC.

    Uma sugestão seria tentar um abaixo assinado do Avaaz, quem sabe não move mais gente?

  5. Prezado Professor

    Seguramente o mercado de trabalho irá dar a resposta em um primeiro movimento a esses alunos que estão sendo ” formados ” a la modelo T .

    Posteriormente a sociedade dará a resposta a esses mesmos alunos, através dos modelos de certificação que começam a aparecer entre nós !

    Seguramente haverá aqueles alunos que cientes das respostas , irão investir o seu capital em atividades que agreguem valor as suas carreiras e nesse ponto é que chamo a atenção para a grande oportunidade que haverá para os Professores .

    Caberá aos Professores inovarem em seus modelos de remuneração, desta feita, atuarem como empresários de si mesmo !

    Amplos Amplexos !

  6. Suzana disse:

    João

    Este fundo de poço se delineava desde 2004. Participei, nesta época, de uma graduação online, numa estrutura em que havia, para cada disciplina, um doutor responsável, 4 professores mestres doutorandos com bolsas (4 turmas), uns 8 tutores especialistas, mestrandos. Fizemos um projeto altamente interativo, colaborativo, usando blogs e diversos recursos online (de preferencia livres). Os professores é que trabalhavam com os alunos. Os tutores eram auxiliares, embora especializados na área.
    Bem, …. Fomos criticados por nao usar somente o AVA, por nao deixar o contato só com os tutores, por dificultar o processo do aluno criando atividades em grupo e de avaliação entre os pares. Por reprovar alunos. Etc……..
    Na segunda edição do curso, nossa equipe ficou de forA :) e entraram com força as atividades ‘bancarias’.
    Na minha tese, na qual eu falo sobre professores conectados, um dos assuntos é esta decantada ‘resistência do professor a tecnologia’. Na maior parte das vezes uma resistência a precarizacao do trabalho, resistência a exploração.
    E o próprio conceito de tecnologia, cabendo aqui uma boa leitura de Vieira Pinto.

    Sobre os tutores: que tal acionarmos os sindicatos? Tutor é a vó!
    Abraços e parabéns pelo artigo.

  7. João Mattar disse:

    Tem o link da tese, Suzana?

  8. Prof João Mattar, estou sem palavras após ler o seu post. É mesmo inacreditável que o próprio MEC tenha pensado e implantado tal concepção de educação a distância no Brasil. Era tudo o que as universidades particulares queriam, uma concepção minimalista, com pouco investimento, muitos alunos, nada de comprometimento com o estudante. Esse estudante, que na maioria das vezes, por suas dificuldades básicas de estrutura, não tem senso crítico e discernimento para avaliar se esta forma de educação está sendo adequada para a sua formação. Muitos sonham em ter um diploma superior, uma faculdade, e então a educação a distância é a esperança de muitas pessoas com baixa renda, que trabalham muito, moram longe das grandes universidades.

    A educação a distância é uma esperança sim, para muitas pessoas, de melhorar de vida. No entanto, nesse caso é como se fosse receber uma doação de natal – aquelas doações que as crianças da elite mandam para os pobres – brinquedos bonitos, importados, mas com alguma peça quebrada, faltando. É assim mesmo que vejo a educação a distância no nosso país hoje. Uma doação do governo com muitas partes “defeituosas”.

    Infelizmente, é assim mesmo, é difícil de mudar enquanto as mesmas pessoas continuam lá em cima, lá na corte, no governo federal.
    Abraço e bom dia.
    Cristiane Koehler
    São Leopoldo – RS

  9. Esse é o resultado quando a perspectiva de avaliação e gestão, leva em conta apenas índices, indicadores, números e estatísticas que mal compreendidos dão apenas uma visão distorcida da prática e da realidade.
    ]
    LUCRO, LUCRO, LUCRO!!! Custo vs benefício analisados a partir da miopia dos gestores que não enxergam o óbvio – a solução rápida de hoje será o seu grande problema amanhã. O MEC é formado por especialistas em bobagens! E na EAD não será diferente. Espero, sinceramente espero que iniciativas como a da menina ISADORA FABER…nos façam olhar com mais cuidado e agir com maior comprometimento para as mudanças efetivas indispensáveis para conquistar um mínimo de inteligência e qualidade em educação!
    abs

  10. Janaina disse:

    Professor, infelizmente esta historinha é real na maioria dos estados brasileiros, que sofre com isso além dos alunos, são as pessoas que acreditam na Ead, mas com tantos obstáculos fica difícil manter a qualidade.
    Eu como tutora fico indignada com a desvalorização com relação a Ead.

  11. Janaina disse:

    Professor, infelizmente esta historinha é real na maioria dos estados brasileiros, que sofre com isso além dos alunos, são as pessoas que acreditam na Ead, mas com tantos obstáculos fica difícil manter a qualidade.
    Eu como tutora fico indignada com a desvalorização com relação a Ead.

  12. Michelle Moraes disse:

    Infelizmente é uma verdade que dói…
    Vivo isso!

  13. Luisa disse:

    Prof. João, foi um alívio encontrar seu post, estou fazendo pós-graduação em Jornalismo Cinematográfico, com duração de 1 ano e tivemos 4 matérias online e o pior somente uma teve relação com o curso que foi de metodologia. Estou terminando a quarta e que tem o conteúdo de um curso de Administração. O mesmo ocorreu com a terceira e a primeira foi extremamente generalista, de ética e sustentabilidade. Minha turma está bastante revoltada, estamos reclamando desde o início do curso. Esperávamos que as matérias fossem relacionadas ao curso que estamos fazendo. E enquanto vários conteúdos ficaram incompletos, ficamos fazendo matérias que em nada ter a ver com nossa grade curricular. São as mesmas disciplinas para os todos os cursos de pós graduação.
    Enfim, o que você nos orienta fazer? Apresentar uma reclamação formal? Porque não fomos informados que as disciplinas não teriam ligação com o curso. Existe algo que podemos fazer?
    Obrigada.

  14. Acredito que o grande vilão dessa história não seja a metodologia do ensino à distância como tenho visto em várias postagens, mas sim a forma como as IES estão banalizando o ensino. Como o Professor falou, as IES são empresas e as empresas existem unicamente para lucrar e expandir no mercado. Vivemos num mundo capitalista e infelizmente o ensino está sendo ofertado como uma mercadoria banal. O MEC faz vistas grossas pois nosso país não tem capacidade de ofertar ensino básico de boa qualidade à toda a população quem dirá uma graduação, sendo assim, para ao país sair do alto índice de cidadãos sem qualificação o MEC está sendo conivente com esta situação, onde a pessoa faz um teste e é aprovada no ensino médio, faz um “vestibular” e ingressa na faculdade, que por sua vez, trata o ensino como mercadoria, claro pois o objetivo principal dela é lucrar e não agregar conhecimento para aquele cidadão que mal sabe escrever mas está dentro de uma IES.

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