PEC 37

A Proposta de Emenda Constitucional 37 quer acrescentar o seguinte parágrafo ao Art. 144 da nossa Constituição:

§ 10. A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incubem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente.

Mas se é só isso, por que tanto barulho? Há pelo menos duas abordagens para a questão: (1) técnica e (2) política.

1. Técnica

Há um debate legítimo sobre se o Ministério Público poderia ou não investigar crimes. Vou dividir essa discussão técnica em três partes: (a) a priori, (b) legal e (c) decisões, mas se você preferir pode pular direto para a discussão política (2).

a) A priori

O Ministério Público, que tem como uma de suas funções acusar, poderia também investigar? Há posições a favor e contra, que não vou reproduzir aqui. Se você tiver interesse em estudar inclusive as soluções dadas por outros países à questão, confira este artigo.

b) Legal

O Art. 144 da Constituição, ao qual a PEC 37 quer acrescentar um parágrafo, afirma que:

§ 1º A polícia federal [...] destina-se a:

I – apurar infrações penais [...] assim como outras infrações [...];

§ 4º – às polícias civis [...] incumbem [...] as funções de [...] apuração de infrações penais [...].

Ou seja, a Constituição NÃO afirma que as polícias federal e civis têm exclusividade nas investigações criminais, tanto que o Código de Processo Penal (Art. 4º, parágrafo único) afirma que a competência da polícia para apurar infrações penais não exclui a de outras autoridades administrativas.

Já em relação ao Ministério Público, a Constituição afirma:

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Ora, investigar crimes de corrupção não seria um exercício da defesa da ordem jurídica e do regime democrático?

Além disso, o Art. 129 da Constituição define as funções do Ministério Público, sem em momento algum limitar seu direito de investigar, como tampouco a Lei Complementar 75 e a Lei 8.625, cujo Art. 26 afirma explicitamente que o MP poderá “instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes”.

c) Decisões

Apesar das discussões técnicas e legais, tanto o STJ (HC 83020/RS) quanto o STF (Inq. 1968, RE 468.523, RE 593.727, HC 77.371-SP, HC 84.965, HC 91.661 e HC 94.173) já reconheceram o direito legal de o MP realizar investigação criminal, o que parece ser a tendência. Você pode conferir alguns textos, como: a, b e c.

2. Política

Mesmo reconhecendo a legitimidade da discussão técnica, há uma questão política que se sobrepõe a ela. Vivemos em um país imerso em corrupção, o impulso principal para as pessoas irem às ruas na Revolta do Vinagre. Não faz sentido, portanto, especialmente neste momento, reduzir os controles sobre a corrupção. Ao contrário, como afirmou a presidenta: “precisamos muito, mas muito mesmo, de formas mais eficazes de combate à corrupção.”

Do ponto de vista prático, o MP já vem realizando investigações criminais essenciais no Brasil em casos de corrupção envolvendo políticos, como p.ex. Hildebrando Pascoal, Nicolau dos Santos Neto, Paulo Maluf e mensalão. O MP é um órgão autônomo e independente (ao contrário da Polícia), o que lhe confere posição especial no combate à corrupção. Não é portanto retirando do MP poderes de investigação criminal que caminharemos para formas mais eficazes de combate à corrupção. A PEC 37, portanto, não beneficia a sociedade, mas a corrupção; por isso é chamada de PEC da impunidade.

3. Conclusão

Se precisamos de uma PEC neste ponto, seria para deixar claro na Constituição que o MP tem direito à investigação criminal. As investigações do MP não retiram da polícia suas atribuições constitucionais e, no caso de crimes de corrupção de políticos, são mais do que necessárias como complemento ao trabalho que pode também ser desenvolvido pela polícia. Além disso, o MP está aparelhado com conhecimentos técnico-científicos suficientes para conduzir adequadamente uma investigação criminal.

Resta então perguntar: a quem interessa retirar do MP o poder de investigar crimes de corrupção? Que benefícios isso traria para a sociedade?

Eu participarei de qualquer ato ou manifestação contra a PEC 37, convocado por qualquer pessoa, organização ou partido. E é preciso incluir também a posição contrária à PEC 33 nas manifestações.

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4 respostas a PEC 37

  1. Olá João, muito esclarecedor o artigo. fica claro que a intensão acima de tudo é confundir o processo de investigação uma vez que a questão não é tratada de forma clara. Mais um vez as vírgulas e questões técnicas mascaram a questão principal. Ainda bem que existem pessoas como vc para esclarecer melhor a comunicação sempre mal feita e mal intencionada dos nossos legisladores. Abraço, Laerte.

  2. Robson Garcia Freire disse:

    João

    Li todos os links sugeridos e ainda continuo com a impressão que você “puxa” um pouco nas tintas, tentando formar uma opinião contraria a PEC 37, pois em momento nenhum apresentou um link contrario a sua opinião. Links que compartilhei com você via facebook.

    Então continuo me colocando a favor da PEC 37.

    Para melhor entendimento dos leitores do seu blog divulgo aqui (em PDF clipado) parecer do jurista José Afonso da Silva feito à pedido do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) sobre a PEC 37. O assunto tem sido tratado pela imprensa com extrema parcialidade. A PEC 37 não retira atribuição nenhuma do Ministério Público pois o assunto, de fato, não possui regulamentação.

    Para os que não conhecem, o IBCCrim é uma entidade que tem posições nitidamente progressistas no Direito. José Afonso da Silva é um dos juristas mais respeitados do país quando o assunto é Direito Constitucional. Foi procurador, professor titular da FD-USP e assessor jurídico da Constituinte de 1988.

    http://www.advivo.com.br/sites/default/files/documentos/parecer-jose-afonso-silva-pec-37.pdf

    Sem mais agora

  3. Robson Garcia Freire disse:

    João

    Sigo colocando mais lenha na fogueira:A OAB se posicionou sobre a PEC 37/2011. É a favor da proposta e tem argumentos fortíssimos (leia aqui http://www.oab.org.br/noticia/23699/oab-apoia-pec-que-mantem-poder-de-investigacao-criminal-so-na-policia ). E mais: a OAB-São Paulo decidiu criar uma comissão de notáveis para defender a PEC 37 link aqui .http://www.oabsp.org.br/noticias/2013/04/15/8674

    Para quem não lembra, a PEC 37 vem sendo alvo de intensa campanha por parte do Ministério Público, especialmente nas redes sociais. Ela vem sendo divulgada como “PEc da impunidade” e uma tentativa de amordaçar o MP. Não é bem assim: a permissão para que o Ministério Público promova investigações criminais contraria o artigo 144 da Constituição Federal.

    Segundo a OAB, aquele que é titular da ação penal, caso do Ministério Público, não pode produzir provas; pois assim teremos o Estado no papel de investigador e acusador ao mesmo tempo, quebrando a igualdade entre acusação e defesa no processo criminal.

    Ora, nossa estrutura jurídica, em processos criminais, tem papéis bem definidos: o Ministério Público acusa, os advogados defendem o réu, a polícia investiga e o Judiciário conduz o julgamento.

    Isso dá equilíbrio ao processo. Os papéis não podem ser duplicados, sob pena de se retirar a isenção da investigação. Cada macaco no seu galho, diz o provérbio popular.

    Um argumento a mais: a Polícia hoje investiga tudo. Já o Ministério Público investiga o que lhe apraz – o que dá margem a escolhas ou investigações iniciadas por razões políticas.

    E o mais importante de tudo: a Constituição Federal nunca deu e nem dá esse poder ao Ministério Público.

    Diante de tudo isso, minha sugestão é que cada um se deixe levar menos por campanhas emocionais e raciocine, examine a proposta e tire suas próprias conclusões.

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