PELINSER, André Tessaro; ALVES, Márcio Miranda. A permanência do Regionalismo na literatura brasileira contemporânea. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 59, e593, p. 1-13, 2020.
O estudo do regionalismo na literatura brasileira adquiriu uma perspectiva mais positiva a partir da década de 1980. Entretanto, ainda há certo preconceito em se assumir o regional, entendido, muitas vezes, como uma característica redutora e negativa de uma obra literária. Fischer (2007, p. 134), por exemplo, propõe a seguinte equação: “cidade grande + modernização + vanguarda = arte verdadeira; sem qualquer um desses itens, temos arte velha, irrelevante, desprezível, merecedora no máximo de uma nota de pé de página”.
Chiappini (1995), por outro lado, defende que o regionalismo, mesmo sendo sempre considerado ultrapassado pela crítica literária brasileira, continuava vivo em 1995, tendo se tornado tema de pesquisas atuais. Um dos desafios, nesse sentido, seria classificar a obra de Guimarães Rosa, marcada ao mesmo tempo pelo regionalismo e por um universalismo, por exemplo, da linguagem. Antonio Candido, por exemplo, defenderia que a boa literatura precisaria superar o regional em direção ao universal. Entretanto, como em outros países o regionalismo não estaria identificado a algo menor em literatura, autores estrangeiros não teriam tantas restrições em reconhecer a contribuição de Rosa inclusive pelo fato de trazer o regionalismo para a literatura.
A obra de Milton Hatoum, por exemplo, apresenta uma relação problemática com o regionalismo, que envolve, ao mesmo tempo, uma valorização do espaço e de seus elementos regionais, e uma rejeição desses espaços e elementos. “O resultado aponta justamente para as contradições entre mundos que se contrapõem, como atraso e modernidade, floresta e cidade, conservadorismo e vanguardismo, etc.” (p. 6). O artigo analisa as funções opostas dos personagens Mundo e Arana, no livro Cinzas do norte. “São duas formas de encarar o lugar da região de pertencimento frente ao restante do mundo, uma fechada em torno de seu eixo e outra aberta a novas possibilidades.” (p. 7).
Uma das perspectivas possíveis de se pensar o regionalismo na ficção brasileira contemporânea seria de dar voz aos marginalizados, de falar pelas beiras. Outra leitura da obra de Guimarães Rosa seria também possível: “Na literatura de Guimarães Rosa, enfim, a possibilidade de formular interpretações atreladas às mais diversas mitologias, à filosofia tanto ocidental como oriental, à História do Brasil, entre outras, advém da forma como uma região muito particular de Minas Gerais é ficcionalizada. Por essa chave pode-se compreender a asserção de Riobaldo, para quem “o sertão é do tamanho do mundo” (Rosa, 2001b, p. 89).” (p. 8).
Em O tempo e o vento, de Erico Verissimo, por exemplo, pode-se também questionar a função do regionalismo. É possível uma leitura de reação contra uma visão romantizada dos personagens das regiões brasileiras, em favor de uma leitura mais crítica e realista. “Não por acaso, a tradição do Regionalismo de Erico Verissimo – cuja temática não se resume ao campo, mas, também, à cidade em rápida transformação – tornou-se modelo quase obrigatório para os escritores gaúchos posteriores, e semelhanças relacionadas aos temas e às formas de abordagem podem ser encontradas nos conterrâneos Josué Guimarães, Luiz Antonio de Assis Brasil, Tabajara Ruas, Letícia Wierzchowski e Sérgio Faraco, entre outros, sem que esse “modelo” temático implique necessariamente literatura de menor valor.” (p. 9).
Luiz Antonio de Assis Brasil explora em suas obras “as contraposições entre o homem do campo e o da cidade, atraso e modernidade, memória e esquecimento” (p. 9). O artigo analisa também o romance Essa terra, de Antônio Torres, que explora a experiência do sertanejo fora do sertão e seu retorno, em uma inversão do ciclo migratório.
A conclusão do artigo sinaliza para a compreensão do Regionalismo como uma tradição literária de longa duração em nosso país e o reconhecimento da sua permanência na literatura brasileira contemporânea, o que possibilitaria a investigação das modulações e transformações pelas quais vem passando, “de modo que a ficção atual já não se apresenta utópica ou programática como nos séculos passados.” (p. 12).
Referências
CHIAPPINI, Ligia. Do beco ao belo: dez teses sobre o regionalismo na literatura. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 8, n. 15, p. 153-159, 1995.
FISCHER, Luís Augusto. Conversa urgente sobre uma velharia – uns palpites sobre vigência do Regionalismo. Cultura e Pensamento, Brasília, n. 3, 2007.