Representação e auto-representação das mulheres na literatura brasileira

ZOLIN, Lúcia Osana. Pós-colonialismo, feminismo e construção de identidades na ficção brasileira contemporânea escrita por mulheres. Revista Brasileira de Literatura Comparada, v. 14, n. 21, p. 51-70, 2017.

O artigo parte do discurso das personagens-narradoras dos os romances As meninas (1973), de Lygia Fagundes Telles, A república dos sonhos (1984), de Nélida Piñon, e A audácia dessa mulher (1999), de Ana Maria Machado, para refletir sobre a construção de identidades femininas na literatura brasileira contemporânea de autoria feminina, estabelecendo um diálogo com o pensamento feminista (desenvolvido a partir da década de 1970) e pós-colonialista.

No primeiro caso, “a teoria feminista pode ser conceituada como um modo acadêmico de ler a literatura, confessadamente, empenhado e de caráter político, voltado: 1) para o desnudamento e para a desconstrução de discursos que circunscrevem a opressão e a discriminação da mulher, tomada como objeto de representação literária; 2) para o desnudamento dos mecanismos estético-temáticos de práticas literárias, prioritariamente, de autoria feminina, engajadas em representações femininas que não se reduzem a reduplicações ideológicas de papéis de gênero, sancionados pelo senso comum, mas que espelham a multiplicidade e a heterogeneidade que marcam o modo de estar da mulher na sociedade contemporânea.” (p. 53).

Já em relação à teoria pós-colonial, a “principal tônica recai no questionamento, a partir da perspectiva dos marginalizados, sobre as relações entre a cultura (e, portanto, a literatura) e o imperialismo, visando à compreensão da cultura e da política na era da descolonização (BONNICI, 2000); noutras palavras, trata-se de perscrutar os rastros que a interação cultural entre colonizadores e sociedades colonizadas deixou na literatura.” (p. 53).

As personagens-narradoras desses três romances diferenciam-se de outras mulheres representadas na literatura brasileira a partir de visões eurocêntrica, escravocrata
e patriarcal, como Marília de Dirceu por Cláudio Manuel da Costa; Iracema, Lucíola e Aurélia por José de Alencar; a Moreninha por Joaquim Manuel de Macedo; Capitu e Virgília por Machado de Assis; e Madalena de Graciliano Ramos.

Em As meninas, há três personagens principais: Lorena (estudante de direito que nutre um amor platônico por M. N., casado), Lia (militante de esquerda) e Ana Clara (viciada em drogas que sonha em ser modelo e casar com um homem rico), que moram em um pensionato de freiras durante a ditadura militar. Dentre os temas explorados no romance, destacam-se a sexualidade, o uso de drogas e o papel dos militares no Estado brasileiro. Lygia Fagundes Telles utiliza alguns recursos estilísticos, como monólogo interior e fluxo de consciência.

Já em A república dos sonhos, Nélida Piñon, conta (fora de ordem) a história de aproximadamente oito décadas de imigrantes espanhóis, da Galícia, envolvendo Madruga, o patriarca da família, e quatro gerações de mulheres: a avó Teodora, a mãe Urcesina, a esposa Eulália, as filhas Esperança e Antônia, três noras, a neta Breta (a narradora) e Odete, a empregada negra agregada à família.

O último romance analisado no artigo é A audácia dessa mulher, de Ana Maria Machado.

O livro problematiza e recria textos canônicos, como A Divina Comédia e Don Casmurro (e a história de Capitu). Beatriz Bueno, uma jornalista, constrói uma nova história para Capitu.

“Desse modo, está construída uma situação narrativa que permite à escritora, no limiar do século XXI, engendrar uma narrativa que funciona como resposta feminista à ideologia patriarcal que subjaz à construção de Dom Casmurro. É dentro desse espírito que os caminhos que teriam sido trilhados por Capitu, e que não caberiam no campo de visão do narrador Dom Casmurro, são iluminados. Tudo o que não foi dado ao/a leitor/a do romance original saber sobre essa intrigante personagem feminina, a quem Machado não deu voz, sendo-lhe o perfil filtrado pela ótica do marido ciumento, é permitido conhecer agora.” (p. 67).

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EVARISTO, Conceição. Da representação à auto-apresentação da Mulher Negra na Literatura Brasileira. Revista Palmares, v. 1, n. 1, p. 52-57, 2005.

“A literatura brasileira, desde a sua formação até a contemporaneidade, apresenta um discurso que insiste em proclamar, em instituir uma diferença negativa para a mulher negra.” (p. 52). Isso já poderia ser identificado, por exemplo, na obra de Gregório de Matos. Esse discurso contribuiria para construir uma imagem deturpada da mulher negra, sem que ela fosse representada como mãe, papel que seria reservado às mulheres brancas. A autor levanta então algumas questões:

“qual seria o significado da não representação materna para a mulher negra na literatura brasileira? Estaria o discurso literário, como o histórico, procurando apagar os sentidos de uma matriz africana na sociedade brasileira? Teria a literatura a tendência em ignorar o papel da mulher negra na formação da cultura nacional?” (p. 53). As obras de José de Alencar O Guarani e Iracema, por exemplo, procuram vincular a origem do povo brasileiro à mestiçagem entre brancos e índios, sem envolver os negros. Até mesmo o romance abolicionista Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, cuja heroína é uma escrava, ela não assume as características de uma negra-africana.

Mas devem-se destacar também as escritoras negras, como Geni Guimarães, Esmeralda Ribeiro, Miriam Alves, Lia Vieira, Celinha, Roseli Nascimento, Ana Cruz e Mãe Beata de Iemonjá, Maria Firmina dos Reis (a primeira romancista abolicionista brasileira) e Carolina Maria de Jesus (autora de O quarto de Despejo).

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STOLL, Daniela Schrickte; DOS SANTOS, Rosana Cássia. O público e o privado na literatura brasileira contemporânea de autoria feminina. In: MARKENDORF, Marcio (org.). Crítica feminista e estudos de gênero. Florianópolis: UFSC, 2020. p. 218-246.

No século XIX, muitas mulheres no Brasil, valorizadas enquanto mães e esposas, estavam restritas ao lar, com exceção das escravizadas e operárias. Isso valia também para as escritoras, apesar de algumas iniciativas de resistência a essa situação. Já no século XX, assistimos a um movimento de diluição das fronteiras entre o público e o privado. Entretanto, a literatura brasileira pode ainda ser caracterizada como de classe média, branca e masculina.

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