GEE, James Paul. Good video games and good learning: collected essays on video games, learning and literacy. New York: Peter Lang, 2007. (New Literacies and Digital Epistemologies; v. 27)
James Paul Gee é Professor of Reading na University of Wisconsin-Madison. É também autor de What Video Games Have to Teach Us About Learning and Literacy (2003) e Why Video Games Are Good for Your Soul (2006), dentre outros livros.
Este livro retoma e amplia alguns pontos trabalhados nos livros anteriores. Começa com breves Acknowledgements seguidos da Introduction, que dá uma ideia dos temas tratados e da estrutura geral do livro. Gee lembra que não é o aprendizado, mas a questão da violência que domina a discussão pública sobre games. Lembra também o que já tinha sido dito no livro anterior, que fornecer um livro de uma disciplina para um aluno, sem que ele conheça ou possa conhecer o mundo daquela ciência, é como dar um manual sem o game. As escolas dão para seus alunos manuais sem jogos, falta o aprendizado situado (situated learning).
O curto Chapter 1. Why video games are good for your soul: Pleasure and learning retoma as ideias gerais do livro que tem o mesmo nome.
Chatper 2. Video games, violence, and effects: Good and bad defende, dentre outros pontos, que temos que discutir o conteúdo de games como fazemos com livros.
Chatper 3. Notes on content and technological determinism defende a necessidade de separar o game play do conteúdo nas análises de videogames. Apesar das previsões contrárias, os videogames tornaram-se uma atividade profundamente social. Em MMORPGs como World of WarCraft, pessoas aprendem novas identidades, novas formas de interação social e novos valores. Gee faz uma consideração metodológica importante: temos que prestar atenção a como os games são “consumidos” por diferentes pessoas, em diferentes contextos – afirmações genéricas não têm muito valor.
Chapter 4. Good video games, the human mind, and good learning lembra que os videogames distribuem conhecimento entre os personagens virtuais e os jogadores, e em games multiusuários observamos simultaneamente especialização e integração com os outros.
Como educadores, precisamos procurar compreender como os game designers conseguem atrair as pessoas para aprenderem games complexos, longos e difíceis. Segundo Gee, os designers de games utilizam excelentes métodos para fazer as pessoas aprender e gostarem de aprender. Os designers de games são teóricos práticos do aprendizado. Para Gee, podemos tornar as escolas e o trabalho melhores se prestarmos atenção a bons jogos de computador e videogames, e aplicarmos os princípios de aprendizado que eles envolvem, independente de utilizarmos games como os vetores desses princípios.
Da p. 30 a 44, Gee apresenta uma lista comentada desses princípios (sempre seguindo a ordem Principle/Games/Example/Education), que reproduzo abaixo:
I. Empowered Learners
1. Co-design
2. Customize
3. Identity
4. Manipulation and Distributed Knowledge
II. Problem Solving
5. Well-Ordered Problems
6. Pleasantly Frustrating – difícil, mas possível de realizar
7. Cycles of Expertise
8. Information “On Demand” and “Just in Time”
9. Fish Tanks – sistemas simplificados, enfatizando poucas variáveis-chave e suas interações
10. Sandboxes
11. Skills as Strategies – as pessoas aprendem e praticam habilidades melhor quando elas enxergam um conjunto de habilidades relacionadas como uma estratégia para completar objetivos que elas desejam completar.
III. Understanding
12. System Thinking
13. Meaning as action image
Chatper 5. Learning about learning from a video game: Rise of Nations afirma que as escolas (nos Estados Unidos) estão retornando às provas de múltipla escolha, ao contrário do rico desenvolvimento no universo do videogames. Gee volta então a insistir que o design de games compartilha características com o design educacional.
O cap. traz uma divisão de games por gênero, com exemplos: shoooters (Deus Ex, Return to Castle Wolfenstein, Unreal II: The Awakening), squad-based shooters (Tom Clancy’s Ghost Recon, Operation Flashpoint: Cold War Crisis), adventure games (The Longest Journey, Siberia), simulations (The Sims, SimCity 4, Black and White), role-playing games (Baldur’s Gate II: Shadows of Amn, The Elder Scrolls III: Morrowind, Star Wars: Knights of the Old Republic), real-time strategy games (Age of Empires, Age of Mythology, Rise of Nations), action/arcade games (Sonic Adventure 2 Battle, Super Smash Brothers, Sly Cooper and Thievius Raccoonus), dentre outros.
O aprendizado necessita de uma motivação para um envolvimento estendido, o que é atingido pelos games, principalmente aqueles que envolvem uma longa curva de aprendizado, mas não pela escola. A escola enfatiza o conhecimento separado da ação e da identidade.
O capítulo é então dedicado a uma longa análise do game Rise of Nations do ponto de vista do aprendizado, incluindo p.ex. os tutoriais. Nas p. 64 e 65, como conclusão Gee lista 25 princípios de aprendizagem envolvidos no Rise of Nations.
Chatper 6. Pleasure and ‘being a professional’: Learning and video games e Chapter 7. Why study games now? Video games: A new art form retomam ideias desenvolvidas no livro anterior do mesmo autor.
Chapter 8. Affinity spaces: From Age of Mythology to today’s schools faz uma análise semiótica do que Gee chama de “espaços de afinidade”, que para o autor seriam uma definição mais adequada do que “comunidades de prática”, pois se constitutem mais como espaços de compartilhamento de empreendimentos do que como comunidades em que as pessoas estariam diretamente vinculadas umas às outras.
Chapter 9. Reading, specialist language development, and video games desenvolve a ideia de que há duas maneiras de compreender palavras: verbal e situada. São então analisados 3 exemplos interessantes do uso do aprendizado situado.
Andrea diSessa, em Changing Minds: Computers, Learning, and Literacy, apresenta o ensino de algebra por trás dos princípios de movimento de Galileo, para crianças de sexta série em diante, através de uma linguagem de computação chamada Boxer. Simulando o modelo de várias maneiras, as equações passam a ter sentidos situados para as crianças.
Kurt Squire e seu grupo utilizaram o game Supercharged como suporte ao aprendizado de química. Num ambiente 3D, os alunos devem guiar uma nave controlando sua carga magnética e planejando sua trajetória em função das partículas dos objetos que a nave encontrará pelo caminho. Os resultados mostram que o grupo que utilizou o game foi melhor em provas com questões conceituais e não se restringiu a memorizar informações. Outro ponto interessante: os professores que acompanharam o experimento perceberam que, no início, os alunos que utilizavam o game não estavam refletindo sobre suas experiências, e então desenvolveram recursos de apoio e orientações adicionais para esses alunos, o que Gee denomina pedagogia pós-progressiva (post-progressive pedagogy).
David Shaffer e Kelly Beckett realizaram com alunos de ensino médio o projeto de realidade aumentada Madison 2020, sobre as atividades de planejadores urbanos. Os resultados mostraram que os alunos forneceram definições mais extensivas e explícitas do termo “ecologia” e mostraram maior compreensão da complexidade em um ecossistema urbano. 100% dos alunos disseram que o workshop mudou a maneira como eles pensavam sobre cidades, e a maioria disse que a experiência mudou as coisas às quais eles prestavam atenção quando andavam em uma rua do seu bairro. Os alunos demonstraram ainda capacidade de transferência de aprendizado, em relação a hipotéticos novos problemas de urbanização.
Chapter 10. Games and learning: Issues, perils, and potentials, baseado em uma relatório a várias mãos para a Spencer Foundation, é o capítulo principal do livro, que procura resgatar e resumir tudo o que foi discutido até então, inclusive as pesquisas do autor nos últimos 5 anos.
Gee chama a atenção para o problema do gap que a cultura de videogames pode criar, em função de restrições de acesso por parte da população mais pobre. Lembra também como em games o conhecimento é distribuído entre vários personagens e ferramentas inteligentes. Afirma também que, quando as pessoas jogam videogames, apesar de se especializarem, integram e compartilham suas diferenças sociais e culturais como recursos estratégicos, não como barreiras, o que seria uma habilidade essencial no mundo do trabalho contemporâneo.
Um dos desafios do campo de estudos do uso de games em educação é saber se, com conteúdo educacional e objetivos de aprendizado, um videogame pode ser tão estimulante e motivante quanto os games comerciais.
Nos games, o preço do fracasso é diminuído, quando comparado com as escolas, que não integra a colaboração e a competição como nos games. Gee volta a insistir que os princípios de design de games estão associados a principios de aprendizado, tendo que ser aproveitados pelas escolas.
Num item muito interessante do capítulo (10. Mentoring), Gee insiste que o uso de games em educação não significa o fim da função dos professores, mas, ao contrário, discute a importância da tutoria no processo. Reparem como em toda a discussão o tutor não é considerado o impostutor que temos construído no nosso país, em EaD, mas está muito mais próximo do que tenho chamado de aututor.
Há uma referência a um artigo muito interessante, que pretendo analisar com mais calma em outro post:
KIRSCHNER, Paul A.; SWELLER, John; CLARK, Richard E. Why Minimal Guidance During Instruction Does Not Work: An Analysis of the Failure of Constructivist, Discovery, Problem-Based, Experiential, and Inquiry-Based Teaching. Educational Psychologist, 41(2), 75–86, 2006.
A dicotomia entre instrução e orientação, de um lado, e imersão, de outro, é falsa. Games envolvem muita orientação, e o importante não é o game na caixa, mas o Game, uma combinação entre o game na caixa e o sistema social e de aprendizado construído ao redor dele.
Gee apresenta então novamente princípios de aprendizado que são contemplados em games: a necessidade de interpretar a experiência; o aprendizado funciona melhor quando é direcionado por um objetivo; aprende-se melhor quando temos feedback imediato na prática; aprendizes precisam de amplas oportunidades para aplicar suas experiências prévias a novas situações similares; os aprendizes precisam aprender das experiências interpretadas e explicações de outras pessoas, o que funciona melhor através da modelagem e da discussão.
Há então uma interessante aproximação entre professores e designers de games:
“Essa estrutura também sugere uma variedade de papéis para os professores e outros adultos no aprendizado de jovens. Como designers de games, os professores têm que ser designers de sistemas de aprendizado que levem os aprendizes a processar suas experiências orientadas por objetivos, como discutido nos princípios anteriores. Eles precisam fazer isso ao mesmo tempo em que permitem um sentido de atuação e propriedade por parte dos aprendizes. Os professores precisam oferecer informação clara, modelagem, exemplos trabalhados, e orientação no nível apropriado, em geral “just in time” e “on demand”. Muito provavelmente eles precisem oferecer mais informações claras, modelagem e orientação para principiantes, assim como fazem bons games e bons tutoriais de games. Por fim, os professores constroem e pesquisam ‘comunidades de prática’ onde cada aprendiz possa utilizar os recursos de boas ferramentas e tecnologias, e de outros aprendizes, em diferentes níveis de expertise. Em tais comunidades, o conhecimento é distribuído (disseminado por múltiplas pessoas e suas ferramentas e tecnologias inteligentes) e disperso (existe on site e off site com links).” (p. 158).
E concluindo esse item:
“Não há, portanto, necessariamente uma oposição entre orientação e imersão – precisamos muito das duas, balanceadas diferentemente em diferentes pontos na trajetória do aprendiz – assim como ocorre em qualquer bom videogame.” (p. 159)
Gee chama ainda a atenção para a maneira como os games trabalham com a modelagem, e a importância da possibilidade de modelar os próprios games, com a presença de modelos dentro dos jogos ou das ferramentas de mods, o que pode ser aproveitados p.ex. no ensino de ciências e ciências sociais. Para Gee, esse pode ser visto como um dos aspectos promissores do uso de games em educação.
Há uma referência ao artigo Before every child is left behind: How epistemic games can solve the coming crisis in education, de David Williamson Shaffer e James Paul Gee (2005).
Gee chama ainda a atenção para a importante função dos pais, que podem ajudar a transformar um game em uma “ilha de expertise”, ligando-o a livros, sites, museus, notícias, culturas, história e geografia, p.ex., fazendo com que a linguagem, o conteúdo e as conexões funcionem como preparação para o futuro aprendizado mais complexo e profundo.
Notes, References, Name Index e Subject Index terminam o livro.
Um dos interessantes artigos citados na bibliografia é:
You Play World of Warcraft? You’re Hired! Why multiplayer games may be the best kind of job training. (John Seely Brown & Douglas Thomas, Wired, 2006).
O artigo comenta brevemente o caso de um profissional para quem o fato de ser um mestre no World of Warcraft contou para sua contratação.
Massively multiplayer online games geram “accidental learning” – aprendizado para ser, não aprendizado sobre. O aprendizado acidental baseia-se no fracasso, e os mundos virtuais são plataformas seguras para tentativa e erro, onde as lições são aprendidas imediatamente.
O aprendizado acidental transcende o aprendizado intencional, que ocorre p.ex. em treinamentos. É crucial que os jogadores não pensem no jogo como um treinamento, pois quando a experiência é explicitamente educacional, ela se transforma no desenvolvimento de habilidades compartamentalizadas, perdendo seu poder de permear os padrões de comportamento e a visão de mundo do jogador.
Assim, o processo de se tornar um guild master no World of Warcraft pode ser considerado um curso de imersão total em liderança.
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Como iniciante na área de Games in education, a leitura dessa resenha foi muito interessante, pois Gee explana de forma muito clara como a aprendizagem funciona nos games e o quão os games podem relamente serem úteis na educação, embora isso implique numa mudança muito grande de paradigmas na educação, o que de fato não seria negativo.
Como iniciante na área de Games in education, a leitura dessa resenha foi muito interessante, pois Gee explana de forma muito clara como a aprendizagem funciona nos games e o quão os games podem relamente ser úteis na educação, embora isso implique numa mudança muito grande de paradigmas na educação, o que de fato não seria negativo.