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PETERS, Otto. A educação a distância em transição: tendências e desafios. Trad. Leila Ferreira de Souza Mendes. São Leopoldo, RS: Ed. Unisinos, 2004. Resenha de João Mattar.
Eu já tinha feito uma resenha de outro livro do mesmo autor, Didática do Ensino a Distância, e demorei bem mais do que esperava para terminar esta resenha, mas aqui vai.
Este livro inclui várias palestras e um artigo publicados pelo professor Peters.
No Prefácio, Fred Lockwood afirma que, com a alteração da cultura do ensino para a cultura da aprendizagem, o professor está deixando de ser o ‘sábio no palco’ para se transformar no ‘guia ao lado’, ao mesmo tempo em que se consolida a figura estudante autônomo.
Na Introdução, Peters nos lembra do crescimento de seminários, workshops, simpósios e publicações sobre EaD, além das universidades tradicionais que cada vez mais oferecem cursos a distância, das universidades virtuais e mesmo do fenômeno do e-learning (educação a distância corporativa).
Peters destaca quatro inovações que justificariam o interesse crescente pela EaD: o aperfeiçoamento da tecnologia dos PCs, a tecnologia multimídia, a tecnologia de compactação digital de vídeo e a tecnologia de internet. Lembra ainda que o aluno, hoje, pode cada vez mais aprender ‘face a face a distância’.
Ressalta também que a EaD traz imensos desafios, pois os métodos e conteúdos precisam ser alterados, assim como as instituições.
No cap. 1, A Crescente Importância da Educação a Distância no Mundo, Peters nos alerta de que não podemos ignorar o legado pedagógico de 150 anos de experiência e aprendizagem assíncronas fora da sala de aula tradicional, em que teriam sido desenvolvidas muitas abordagens para a educação a distância.
Temos de estudar EaD do ponto de vista pedagógico, não apenas como tema das ciências da computação, da engenharia elétrica e da comunicação.
Ele traça então uma interessante história da EaD. Inicialmente, teríamos iniciativas isoladas, como as epístolas de São Paulo. Em meados do século XIX, a iniciativa privada, e posteriormente o Estado, passam a desenvolver a educação por correspondência. Outro momento importante é a criação das universidades abertas de ensino a distância, influenciadas pela Open University britânica, que se utilizam intensamente de rádio, tv, vídeos, fitas cassetes e centros de estudo, e em que se realizaram diversas experiências pedagógicas. A partir dessas experiências, segundo Peters, teria crescido o interesse pela EaD, o que se pode notar, por exemplo, no número de participantes nos congressos do ICCE (International Council on Correspondence Education). Surgiram assim as megauniversidades abertas a distância, em geral as maiores, em número de alunos, de seus respectivos países, como a CNDE na França, a Universidade National de Educación a Distancia na Espanha, a Universidade Aberta de Portugal, a FernUniversität na Alemanha, a Universidade do Ar no Japão, a Anadolu Üniversitesi na Turquia, a Universidade de Rádio e Televisão na China, a Tebuka da Indonésia, a Universidade Aberta Nacional Indira Ganghi, a Universidade Aberta Sukkothai Thammatirat da Tailândia, a Universidade Aberta Nacional da Coréia, a Universidade Payame Noor no Irã, a Universidade da África do Sul etc. Essas experiências têm servido para repensarmos a função das universidades no futuro e estariam modificando a educação de diversas maneiras, mas apenas na década de 90 as universidade tradicionais, as agências governamentais e as empresas privadas teriam começado a prestar atenção a estas experiências. A isso estaria também associado o crescimento da pesquisa sobre EaD.
A quarta fase da evolução da EaD seria marcada pelo desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação. Surge agora um novo território para a educação, o espaço virtual da aprendizagem, digital e baseado na Internet. Surgem também várias redes, como a EADTU, EuroPACE 2000, EDEN etc. Peters fala então de um novo formato do processo de ensino-aprendizagem, “aberto, centrado no aluno, baseado no resultado, interativo, participativo, flexível quanto ao currículo, às estratégias de aprendizado e envio e não muito preso a instituições de aprendizado superior, porque pode também se dar nos lares e nos locais de trabalho.” (p. 43). A EaD, assim, nos ajuda a romper com a tradição e planejar algo novo.
No cap. 2, As mudanças de paradigma educacional, Peters analisa as mudanças nas condições socioeconômicas da educação, que tornam importantes o aprendizado independente e auto-organizado, e em grupo.
Nas p. 56-57, Peters apresenta uma quadro comparando os currículos nas abordagens modernas e pós-modernas, baseando-se na obra de William Doll, A Postmodern Perspective on Curriculum, que reproduzo a seguir:
ABORDAGEM MODERNA AM
ABORDAGEM PÓS-MODERNA APM
AM: segue o modelo do “gerenciamento científico”
APM: segue o modelo do “diálogo” que transforma os participantes e os assuntos em discussão
AM: racionalidade técnica (tecnocrática)
APM: racionalidade humanística
AM: eficiência
APM: desenvolvimento pessoal
AM: fatos precisos
APM: abordagens globais
AM: especificação
APM: generalização
AM: procedimentos detalhados
APM: interativo
AM: formalismo rígido
APM: eclético
AM: linear
APM: complexo
AM: pré-ajustado
APM: improvisado
AM: seqüencial
APM: pluralista
AM: facilmente quantificável
APM: não quantificável
AM: inícios definidos
APM: em andamento
AM: fins definidos
APM: em andamento
AM: estável
APM: não estável, dinâmico
AM: pensamento baseado em causa-efeito
APM: pensamento não dedutivo
AM: previsível
APM: imprevisível
AM: o professor detém o conhecimento, o aluno, não
APM: grupo aberto e transformador de indivíduos que interagem
AM: currículo: definição apriorística de curso a se realizar
APM: currículo: transmissão de informações pessoais através do diálogo, da investigação e do desenvolvimento
AM: a organização vem antes da atividade
APM: a organização surge a partir da atividade
AM: positivismo
APM: pluralismo epistemológico
AM: ciência impregnada de descoberta e determinação
APM: ciência impregnada de criatividade e indeterminação
Segundo Peters, o audiovisual poderia ser compreendido como um simples acréscimo de uma nova mídia técnica à estrutura pedagógica tradicional. Hoje os alunos têm acesso a todas as informações do mundo, e, portanto, temos que replanejar o processo de ensino e aprendizagem, já que a pós-modernidade exigiria mudanças radicais nesses processos, uma verdadeira revolução copernicana, já que o centro não seria mais o interesse do professor na disciplina, mas o que o estudante precisa aprender.
Segue um parágrafo do texto (p. 62) que serve para uma boa reflexão sobre o conceito e a função dos Planos de Ensino, mesmo na educação presencial:
“A análise da estrutura pedagógica do trabalho independente em ambientes informatizados de aprendizagem e especialmente do trabalho independente com hipertextos revela uma novidade no campo do ensino e da aprendizagem. Estou me referindo aqui ao caráter aberto da situação. Nos ensino e aprendizado tradicionais há sempre um objetivo geral e um conjunto de objetivos específicos. Aqui os objetivos são muito freqüentemente ainda desconhecidos no início do processo de aprendizado. Espera-se que o estudante descubra por si mesmo e até os modifique se necessário durante o processo de estudar e aprender. Conseqüentemente, não há progresso linear no aprendizado, nenhuma consistência lógica no desenvolvimento do pensamento do estudante. Não se espera que o estudante siga um caminho prescrito da mesma maneira, mas sim que descubra um caminho individual à sua própria maneira. No caso dos hipertextos, o pensamento do estudante não deve necessariamente seguir o pensamento que se desenvolveu como conseqüência da seqüência paratática e linear das palavras e frases nos livros impressos. Em um ambiente informatizado de aprendizagem, o aluno é confrontado com uma quantidade enorme de informações e todo um universo de conhecimento. É possível que ele comece browsing, dando uma passagem de olhos de modo aleatório em uma parte qualquer do texto, fique interessado no que lê, tente conseguir mais informações do mesmo tipo, faça perguntas ele mesmo e tente descobrir as respostas navegando. Em outras palavras: não aprende de modo sistemático, mas sim de um modo ao acaso e intuitivo. Isso será um desvio e tanto do ensino e aprendizado tradicionais. Esta é a conseqüência do novo paradigma pedagógico e certamente um paradigma pós-moderno de aprendizagem.”
Peters termina o capítulo com outra linda passagem, conclamando os professores a se transformarem, nesta fase de transição, em protetores da educação e dos seus alunos:
“Esta visão da universidade do futuro indica como realmente são importantes as mudanças de paradigma educacional que abordamos neste capítulo. Os professores devem não apenas compreender esta mudança fundamental, como também a necessidade de se tornarem agentes ativos desta mudança. Ao mesmo tempo, têm que assumir responsabilidade, já que devem atuar como protetores de seus alunos contra aquelas forças tecnológicas que levam longe demais a mecanização da educação apenas para ter mais lucro. Os professores devem ficar alertas, já que devem protestar e reagir quando o exagero desnecessário de entusiasmo tecnológico desumanizar o processo de ensino e aprendizagem e assim se tornar prejudicial à educação.” (p. 65)
No cap. 3, Conceitos e modelos, Peters discute como o processo de ensino e aprendizagem é diferente na educação a distância: a abordagem, os estudantes, os objetivos, os métodos, as mídias e as estratégias são distintos, assim como devem ser os objetivos da política educacional. Todas essas diferenças justificam o surgimento de uma disciplina para desenvolver este novo tipo de ensino e aprendizagem: a tecnologia educacional ou design instrucional. Os professores teriam também que desenvolver o hábito de refletir sobre o modo especial como ensinam a distância.
A seguir, Peters avalia diferentes modelos para EaD: (a) preparação para exame, (b) educação por correspondência, cujos progressos na arte de ensinar não podem ser ignorados, (c) multimídia (de massa), que utiliza a combinação de rádio, televisão, material impresso e centros de estudo, cujo ícone é a Open University, (d) em grupo, semelhante ao anterior, mas em que as aulas são assistidas por grupos de alunos em classes, sem material impresso, sendo portanto quase presencial, (e) aluno autônomo, que tem a responsabilidade de selecionar conteúdos, estratégias e mídias, (f) rede, do qual ele destaca o Master of Distance Education da Universidade de Maryland, (g) sala de aula estendida tecnologicamente, e (h) híbridos.
Para Peters, a universidade do futuro deverá combinar EaD, aulas tradicionais e ambientes informatizados.
No cap. 4, Aprendizagem on-line: visões, esperanças, expectativas, Peters aborda alguns estudos que prevêem que a EaD estará, no futuro breve, associada à qualificação profissional (não necessariamente vinculada a graus ou diplomas) e ao treinamento integrado ao horário de trabalho. Destaca também a importância que tem assumido, neste novo cenário, a aprendizagem autônoma e autodirigida.
Ele afirma novamente que a transmissão ao vivo de aulas simplesmente transpõe formas de aprendizagem tradicionais para o ambiente on-line, levando a funcionamentos anormais.
Peters faz mais uma indicação de um autor que se posiciona criticamente em relação ao uso da tecnologia na educação: SCHULMEISTER, R. Virtuelle Universität. Virtuelles Lernen. München: Oldenbourg, 2001. Segundo Schulmeister, a presença física do professor seria vital para muitas atividades que envolvem o ensino e a aprendizagem, pois as representações virtuais da presença são possíveis apenas por aproximações.
No cap. 5, Ambientes informatizados de aprendizagem: novas possibilidades e oportunidades, Peters afirma novamente que, no novo paradigma da educação, é o estudante, e não mais o professor, quem passa a dominar o processo de ensino e aprendizagem. Mais ativos, os estudantes agora assumem a responsabilidade por sua própria aprendizagem. Neste novo ambiente, podemos falar de aprendizagem auto-responsável, autoplanejada, auto-organizada, independente e auto-regulada, além de não liner e não seqüencial, em que os alunos trilham seus próprios caminhos e alcançam seus próprios objetivos. As atividades mais importantes, neste novo modelo de aprendizagem, passam a ser: buscar, encontrar, selecionar e aplicar.
Peters afirma também que há enormes possibilidades para a dramaturgia e a direção de filmes pedagógicos na EaD, cujos critérios ainda não conhecemos com clareza.
Encerrando o capítulo, Peters defende que se faz necessária uma reengenharia da EaD.
No cap. 6, Novos espaços de aprendizagem, Peters afirma que, na EaD, os espaços de aprendizagem com portas e paredes desaparecem, e podemos agora falar de espaços multimídia. O espaço de aprendizagem virtual, assim como no caso da matemática, é imaginário, pois não é constituído de objetos reais.
Peters analisa então diversos conceitos, como os de campo de aprendizagem (tomado no sentido pedagógico amplo), local de aprendizagem (agora extra-muros), local de trabalho e local de aprendizagem, para chegar ao conceito de ambiente de aprendizagem:
“O conceito de ambiente de aprendizagem foi criado com base na mudança de paradigma educacional de instrução com uma finalidade voltada para metas, de bases empíricas, para aprendizagem construtivista. Os estudantes não são mais vistos como objetos, mas sim como sujeitos do processo de aprendizagem. Sua aprendizagem não consiste mais em receber e processar o conhecimento oferecido, mas em debater ativamente com um objeto de aprendizagem que eles mesmos selecionaram em um contexto que é definido a partir da interação simultânea com outros estudantes e no qual eles mesmos desenvolvem ou alteram estruturas cognitivas individuais. Os professores não se concentram mais em apresentar conteúdos cognitivos selecionados e sistematizados, mas em ‘descobrir e dar forma a ambientes de aprendizagem estimulantes… que permitem aos alunos criarem suas próprias construções” (R. Schulmeister, Grundlagen hypermedialer Lernsysteme, München: Oldenbourg, 1977, p. 80).” (p. 133).
Peters discute também como os espaços de aprendizagem reais envolvem sensações, local, época, ação e estão ligados a ritos e mesmo ao inconsciente. Já em EaD, o ensino e a aprendizagem ocorrem a distância. O espaço de aprendizagem real é tridimensional, enquanto o virtual é bidimensional. No espaço de aprendizagem virtual, ocorre a ausência de limites, pois não sinto o topo, o fundo, a direita, a esquerda etc. Sem referências espaciais, os objetos e as pessoas flutuam.
Peters destaca também as oportunidades de aprendizado em espaços construídos por técnicas de realidade virtual.
O capítulo é encerrado com a reflexão de que a aprendizagem em espaços virtuais requer estratégias pedagógicas específicas a seus ambientes informatizados de aprendizagem:
“Como seriam estas estruturas pedagógicas? As respostas não podem ser encontradas recorrendo-se aos métodos com os quais estamos familiarizados por causa de nossas experiências nas escolas e nas universidades. Não, temos que abrir novos caminhos. Devíamos analisar o ambiente informatizado de aprendizagem cuidadosamente sob perspectivas pedagógicas inovadoras. Devíamos nos perguntar: quais são as novas possibilidades tecnológicas que podem ser exploradas para novos propósitos de aprendizagem? É possível obter novas estratégias pedagógicas a partir delas? De que forma poderemos estruturar os espaços virtuais de aprendizagem em benefício dos estudantes? Estas tarefas têm prioridade. Resolvendo-as, poderíamos conseguir discernir a emergência de uma pedagogia da aprendizagem on-line.” (p. 153).
No cap. 7, Um modelo pedagógico para a utilização de espaços virtuais de aprendizagem, Peters destaca 10 funções tecnológicas que merecem atenção especial dos designers intrucionais: apresentação de informação, armazenamento, recuperação, comunicação, colaboração, browsing, multimídia, hipertexto e hipermídia, simulação e realidade virtual. Cada uma dessas funções geraria novos espaços virtuais.
Peters afirma também que, neste novo cenário, a conectividade torna-se um termo pedagógico chave. A aprendizagem moderna, que seria linear, causal, lógica, hierárquica, sistemática, concentrada, localizada e com um currículo fechado, estaria sendo substituída pela aprendizagem pós-moderna, que seria não linear, não causal e não elaborada logicamente, associativa, aleatória, descentralizada, fluida e opaca, não localizada e distributiva, e com um currículo aberto.
Com todas essas inovações, o impacto das escolas e universidade seria enfraquecido.
Os alunos devem ter novas habilidades para serem capazes de estudar em um ambiente informatizado de aprendizagem: autodeterminação e orientação, seleção e capacidade de tomar decisões, e habilidades de aprender e organizar. Esperam-se também habilidades metacognitivas e insight pedagógico do aluno virtual.
As funções dos professores, em espaços virtuais de aprendizagem, são também outras, principalmente voltadas à supervisão e ao apoio aos alunos: desenvolver sistemas de aprendizagem não lineares em hipertexto/hipermídia, atuar como mediadores em seminários virtuais, organizar suporte e o design de ambientes de metaaprendizagem.
Mas surge então uma questão: a perda dos contatos reais poderia ser compensada por comunicação virtual e grupos de aprendizagem virtual? Poderíamos imaginar comunidades se estamos sentados sozinhos em nossos quartos, enviando mensagens por nossos computadores para amigos virtuais? Para Peters, uma parte considerável dos efeitos da socialização alcançados por contato pessoal direto são perdidos na virtualidade. Os alunos trabalham separados e isolados. A resposta de Peters continua de maneira surpreendente e enfática:
“Se reiterados contatos sociais virtuais de fato acontecem, minha experiência é que eles são estranhamente estéreis e artificiais. Isto é, acima de tudo, o que acontece com conferências por computador, mas também com interação síncrona com som e imagem. Falta espontaneidade e profundidade na comunicação. É suscetível a interferências. O fluxo de sentimentos subjetivos é atenuado e interrompido. Tudo isso pode de fato acontecer, mesmo se os participantes supostamente apreciam e aprovam esta forma de comunicação.
O ensino-aprendizagem não é mais ‘vivenciado’ globalmente como uma unidade que consiste de espaço, tempo e interação social ritualizada.” (p. 190)
Peters volta a afirmar que o contexto espacial e temporal se perde em ambientes virtuais de aprendizagem, e então a experiência de aprender flutua. Na virtualidade, a “aura” da experiência de aprender perde seu sentido, assim como a fotografia e o cinema destruíram a originalidade dos quadros. O original e autêntico não são mais vivenciados, trabalhamos com cópias, numa realidade secundária e derivada de ensino e aprendizagem. E ele continua, ainda mais surpreendente e enfático:
“São perdas sérias. Elas reduzem, circundam, loteiam, estragam ou destroem experiências vividas na escola ou na universidade. Por esta razão, pode-se concluir, a aprendizagem no espaço virtual nunca será capaz de substituir totalmente o ensino em espaços reais.” (p. 191).
No cap. 8, Mediando um seminário virtual – Reflexões sobre as primeiras experiências práticas, Peters reflete novamente sobre a nova atitude dos alunos e as novas atividades de aprendizagem que caracterizam os ambientes de aprendizagem virtuais, como aprender de um modo autônomo, desenvolver estratégias adequadas, utilizar e explorar os novos recursos de comunicação e desenvolver hábitos de auto-avaliação e metacognição (observando e avaliando sua própria aprendizagem). Documentos reproduzidos, no final do capítulo, incluem emails que ele enviou aos alunos de um seminário virtual, sobre estes assuntos.
No cap. 9, A flexibilidade pedagógica da universidade virtual, Peters trabalha a idéia da aprendizagem flexível. Simplesmente enviar material de aprendizagem e apresentar conteúdos não é ensinar, assim como simplesmente absorver não significa aprender: este conceito muito unidirecional de instrução fundamenta uma noção empobrecida de EaD, que não dará certo:
“A educação baseada na web é educação a distância e deve também abarcar atividades de ensino e aprendizagem outras que não apenas enviar, ou seja, aulas particulares virtuais, trabalhos em grupo virtual, seminários virtuais, prática virtual em companhias, laboratórios e excursões simulados. Uma universidade virtual deve ser capaz de oferecer estes serviços. E mais: deve desenvolver novas abordagens pedagógicas que explorem o potencial singular do ensino on-line.” (p. 245).
Peters insiste que os custos para o desenvolvimento de material multimídia seriam ainda proibitivos, mas é importante lembrar do incrível progresso do que se denomina hoje de rapid e-learning, incluindo softwares cada vez mais simples e intuitivos para desenvolvimento de conteúdos multimídia.
É preciso trabalhar com dois mundos paralelos, combinando aprendizagem em ambientes reais e virtuais. É importante também notar que, por todo o livro, Peters toma o cuidado de diferenciar a educação a distância da educação on-line. Na educação do futuro, devem ser combinadas a educação presencial, a educação a distância e a educação on-line, e para isso se torna essencial o trabalho do designer instrucional.
No cap. 10, Informação e conhecimento, assim como no cap. 12, Conseqüências pedagógicas da transformação da informação e do conhecimento, Peters analisa o sentido dos conceitos de informação e conhecimento, construindo uma progressão interessante dos sinais (ou indicadores), passando pelos dados, pela informação, conhecimento enformado e conhecimento, até chegar à sabedoria.
No cap. 11, A transformação da universidade em uma instituição de aprendizagem independente, Peters analisa a crise das universidades, que exigiria uma intensa onde de modernização.
Peters destaca novamente, na educação do futuro, a importância dos encontros presenciais. Com o olho no olho, é criada uma atmosfera específica que não pode ser reproduzida totalmente por meios indiretos:
“Um diálogo no mesmo ambiente tem mais elementos do que em uma teleconferência abstrata, mesmo nos casos em que ela não é apenas uma troca assíncrona de mensagens, mas na verdade uma videoconferência. Aqueles que participam vivenciam um autêntico e original diálogo. Absorvem sinais não verbais e reações comportamentais inconscientes. Com todos os sentidos, passam a fazer parte de um encontro multidimensional que pode ser analisado de acordo com critérios psicológicos e sociológicos.” (p. 342).
As universidades, para não fracassarem, devem propiciar espaços para a interação social, a socialização acadêmica e a comunicação direta entre as pessoas, que não podem ser recriados pela tecnologia. Novamente, Peters é surpreendente e enfático:
“Estes argumentos deviam ser usados para se responder àqueles entusiastas por tecnologia que acreditam que, por um lado, o ensino face a face, como praticado nas universidades tradicionais, pode ser substituído e, por outro lado, a falta de comunicação direta no ensino a distância pode ser compensada eficazmente e sem muito esforço por meio de e-mails e teleconferências. Sem querer fazer pouco das oportunidades educacionais que o ambiente informatizado de aprendizagem pode proporcionar em combinação com ‘aprender juntos em separação’ e com ‘ensinar face a face a distância’, a auto-ilusão encontrada aqui deve ser apontada. Pontos importantes de uma exposição transmitida tecnicamente são reduzidos e alterados em um seminário virtual. Os defensores das comunicações eletrônicas assumem que, com a ajuda das mídias técnicas de comunicação, a aprendizagem na educação a distância e a aprendizagem em um ambiente informatizado de aprendizagem irão emular as formas de aprendizagem que são conseguidas no ensino tradicional. De acordo com eles, sua reputação na comunidade científica irá melhorar. É um erro fatal para a educação universitária!
Formas de ensino acadêmico tradicional, em particular se forem baseadas em perguntas e respostas e interações pessoais, serão indispensáveis na universidade do futuro. Nestas formas, a autonomia de telealunos que é conseguida na aprendizagem independente no ensino a distância e no ambiente informatizado de aprendizagem pode provar seu valor, se consolidar e se desenvolver mais. Estamos lidando aqui com um componente constitutivo da aprendizagem na universidade do futuro.” (p. 343-344).
Por fim, Peters reforça novamente a importância do apoio e da orientação por parte dos tutores.
Este é sem dúvida um livro essencial para quem trabalha ou pretende trabalhar com educação a distância, um daqueles que abre a nossa cabeça e, como já me disse uma experiente professora online, acaba conosco, pois nos leva a questionar tudo o que já fizemos em EaD. Sua leitura é um abalo sísmico! Ninguém pode ousar ingressar neste maravilhoso universo da EaD sem lê-lo, principalmente porque está bem traduzido para o português. É um alimento para seguirmos em frente com a EaD, mas criticamente.
No início desta resenha, tive uma sensação de “dejavù″ com relação ao livro de Otto Peters que estou lendo chamado Didática do Ensino a Distância, cuja resenha também pode ser lida aqui neste blog.
Entretanto foi só uma sensação inicial, pois neste livro Peters vai muito além, provocando em nós, educadores, um “abalo sísmico” bem maior do que aquele causado pela leitura de seu livro anterior.
Este livro apresenta a transição não apenas da EAD, mas a transição na educação como um todo.
Será que esta transição da educação veio à tona com o advento da internet e das mudanças sofridas pela EAD em conseqüência dela?
Não é de hoje que temos percebido que a educação precisa mudar, pressionada por frenéticas mudanças sociais e tecnológicas de toda ordem.
A internet nos coloca agora, enquanto educadores, contra a parede, tornando-se impossível para os novos tempos falar em educação presencial, virtual ou a distância, separadamente. É tudo uma coisa só, ou seja, o processo de ensino-aprendizagem deve ser continuado, não-linear, colaborativo, descentralizado, virtual, presencial e a distância. A tendência é que estejamos o tempo todo mergulhados no “ambiente de aprendizagem”, pois ele passa a ser tudo o que nos cerca.
Quando começamos a trabalhar com educação a distância pela internet, tínhamos uma idéia tosca do fim das instituições de ensino enquanto espaço físico.
Não fazíamos nem idéia dessas transformações profundas na educação apresentadas por Otto Peters.
O advento da internet em nossas vidas deu uma mexida em nossos hábitos. Assim, a cultura escolar também está desestabilizada. Precisamos aprender, é bom lembrar que somos seres aprendentes, a fazer uma educação com outros ou com mais recursos, ou seja, para além daqueles que já conhecemos/utilizamos.
Valeu pela resenha!
Foi instrutiva, e me deu vontade de ler o livro todo.
Angú de caroço, essa transição! Quem achar que é 8 ou 80, vai comprar gato por lebre…
Obrigada!
Lilian
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Parece esrtranho um Blog de um autor que trabalha com EaD não ter informações sobre áreas como a da Educação Física, que, aliás, está em franco desenvolvimento e incluída neste novo campo.
Fica aqui a sugetão.
Atenciosamente,
Laercio
Oi, Laércio. Na verdade, no meu blog eu não trato diretamente de áreas, como matemática, química, física etc., mas mais de questões de tecnologias aplicadas à educação. Realmente, não tenho acompanhado o trabalho de educação física à distância, mas tenho tido contato com a Universidade do Futebol, que provavelmente atuará também nessa área. Vou ficar atento.
Tenho que fazer um trabalho para a faculdade e essa sua resenha foi de grande ajuda para mim, pois o meu trabalho é sobre a didatica na ead e fundamentos em educação a distancia. Valeu.( faço pedagogia em uma faculdade pela ead)
O que se percebe é a visão de que a modalidade vem para ajudar mas não se faz, por si só, salvadra de todas as dificudades em educar para mais e melhor.
Tigre
Olá.Sr.João;
Gostei muito de sua resenha sobre tecnologia,as informações contidas são de grande valor para nossa prática educativa.Parabéns,pela exposição desta obra e obrigada pela contribuíção nova de conhecimentos virtuais para uma educação mais eficiente e informatizada.
Grato;
Rosemary Motta
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Professor Mattar, parabéns pelo serviço. Tenho certeza que é de grande contribuição para as reflexões de todos que estão atentos às novas mudanças que estão postas na educação.
Tenho estudado a Educação a Distância a partir da divisão do trabalho docente, ou didático (ainda não sei que categoria utilizar), e ainda não tive acesso às obras de Peters. Gostaria de saber em qual obra essa questão – divisão do trabalho – é abordada. Acabei de encomendar os dois livros e pretendo contribuir nas discussões a partir da problematização da divisão do trabalho como forma de precarização do trabalho docente.
(A RESOLUÇÃO/CD/FNDE Nº 8 DE 30 DE ABRIL DE 2010 é um horror!! Legitima a divisão enter planejamento e execução e a precarização do trabalho com essas bolsas de “pesquisa” – bolsa de trabalho.
Forte abraço.
Prof° Msc Elcio Gustavo Benini, UFMS, CED/RTR
elciobenini@yahoo.com.br
Oi Elcio, que msg interessante. Fiz aqui no blog a resenha dos 2 livros do Peters.
Seu trabalho me interessa muito, por favor me mantenha informado. Como já deve ter dado para perceber, concordo 100% com vc.
Ainda não tinha lido, com profundidade, o livro de Peters Otto e este resumo, muito bem elaborado pelo professor, foi um convite à leitura do autor.
Deste estudo destaco a analise crítica que Petter Otto faz da aprendizagem quando polemiza como ela é concebida no paradigma moderno e no pós-moderno. Para alguns autores a sociedade contemporânea abrigaria a convivência entre estes paradigmas em um mesmo tempo e espaço. Eu sou mais partidária desta concepção. Não ficou claro para mim se Peters Otto é pós-moderno ou se ele faz apenas um balizamento entre estes dois paradigmas.
Vale destacar esta citação:
“A aprendizagem moderna, que seria linear, causal, lógica, hierárquica, sistemática, concentrada, localizada e com um currículo fechado, estaria sendo substituída pela aprendizagem pós-moderna, que seria não linear, não causal e não elaborada logicamente, associativa, aleatória, descentralizada, fluida e opaca, não localizada e distributiva, e com um currículo aberto”.
Como convivem estes conceitos? Será que só por ser virtual já garantimos uma dinâmica pautada no diálogo, na interação e na interatividade? Certamente que não. A educação crítica e dialógica pode e deve ocorrer tanto no presencial quanto no virtual. Porém, o autor observa que a aprendizagem virtual é solitária, com processos estéreis e artificiais. Faltam espontaneidade e profundidade na comunicação. Parece, então, que o ensino-aprendizagem não é mais ‘vivenciado’ globalmente como uma unidade que consiste de espaço, tempo e interação social ritualizada. (p. 190)
O autor enfatiza que a aprendizagem virtual produz perdas sérias. “Elas reduzem, circundam, loteiam, estragam ou destroem experiências vividas na escola ou na universidade. Por esta razão, pode-se concluir, a aprendizagem no espaço virtual nunca será capaz de substituir totalmente o ensino em espaços reais.” (p. 191). É importante lembrar que cada modalidade tem suas especificidades e não se trata de substituir, como diz o autor, mas de buscar as alternativas.
Por fim, o autor chama a atenção para o trabalho do designer instrucional. Será que o autor não coloca neste profissional demasiada importância no sentido de que ele seria o elo de combinação entre a aprendizagem em ambientes presenciais e virtuais? Capaz de mudar esta dinâmica. São dúvidas.
Maria Esther, o livro é realmente uma pérola, ainda hoje. Sua provocação é interessante, talvez realmente o Peters coloque um peso muito grande no professor/desinger.
É professor, eu percebi uma enfase no profissional designer nesta passagem do presencial para o virtual, pois o que propicia a virtualidade? Não seria a mediação, a interatividade, a rede colaborativa feita pelos seus componentes? O que ele chama de designer? Um modelo?
A resenha de autoria de João Mattar detalha aspectos surpreendentes das mudanças em curso na EAD. Por isso, deixo, aqui, meus agradecimentos ao professor João pela apresentação deste revolucionário livro de Peters. O livro é de fato instigante e como salienta Mattar “abre a nossa cabeça”. O surgimento do espaço virtual de aprendizagem desencadeou transformações radicais no processo de ensino-aprendizagem que vem, conforme Peters, passando a ser ‘aberto, centrado, baseado no resultado, interativo, participativo, flexível quanto ao currículo, às estratégias de aprendizado e envio e não muito preso a instituições de aprendizado superior, porque pode também se dar nos lares e nos locais de trabalho’ ( p.43). Ao final da leitura dessa resenha, apareceram algumas perguntas, a saber: os alunos mostraram-se capazes de estudar nos ambientes informatizados de aprender? E, os professores? Tornaram agentes ativos das mudanças em direção às universidades do futuro? Mas, e a avaliação da prendizagem?
Realmente este autor coloca alunos e professores em situação de reflexão, pois deixa claro que o professor não é um simples transmissor de conhecimento bem mastigado para os alunos; e nem os alunos devem ser passivos no processo de aprendizagem.
Resisti muito em me matricular numa pós EAD, pre conceitos de que se tratava de um ensino que não tinha consistência, de que o processo de ensino e aprendizagem era ilusório, de que ao aluno bastava ler o material. Quando criei coragem já havia feito vários cursos de curta duração pela ENAP, sem tutoria, percebi nesses cursos que eu precisava buscar o conhecimento, que dependia muito mais de mim. Fiz Um MBA EAD, me surpreendi, fui cobrada mais do que nas minhas pós presenciais, não consigo ficar só no material obrigatório, sempre busco além nos complementares. As atividades avaliativas exigem muito da minha organização de estudo. Resumindo, já estou na minha segunda Pós. o texto do autor só reforçou a minha convicção de que o EAD exige tanto ou mais do aluno, pois exige dele o auto-gerenciamento, sem contar que possibilita acesso ao conhecimento para pessoas que não podem estar regulamente numa sala de aula. Estou encantada por essa modalidade.
Olá professor,
Achei a leitura muito intrigante e dois capítulos em especiais me chamou a a tenção principalmente por conta da entrada da inteligência artificial no EaD:
Em um momento em que tutores “robôs” estão sendo testados para responder as perguntas dos aluno e tirar dúvidas corriqueiras de conteúdo, como entrelaçar e defender o que Peters cita nos capítulos 2 e 9?
Cap 2: “Os professores devem ficar alertas, já que devem protestar e reagir quando o exagero desnecessário de entusiasmo tecnológico desumanizar o processo de ensino e aprendizagem e assim se tornar prejudicial à educação.” (p. 65).
Cap 9: “Simplesmente enviar material de aprendizagem e apresentar conteúdos não é ensinar, assim como simplesmente absorver não significa aprender: este conceito muito unidirecional de instrução fundamenta uma noção empobrecida de EaD, que não dará certo”.
Em um
Os processos educacionais tradicionais e modernos são pautados em paradigmas rígidos e sólidos. É isto que o texto nos ensina de forma didática e expositiva. Mudança de paradigma envolve tempo, paciência e cautela. E não acontece do dia para noite. Penso em estarmos no meio desta transição maior ainda. Com pequenas rupturas e avanços, mas também com algum conservadorismo ainda. Como diz o velho dito popular:
“Não se pode banhar a criança e jogá-la fora junto com a água suja”