Docência on-line independente

Um bate-papo rápido durante o coffee-break no FUP-RJ serviu para conhecer mais de perto o trabalho dos irmãos Tractenberg e aperfeiçoar ainda mais a teoria do aututor.

Leonel Tractenberg é professor da FGV-RJ e Régis Tractenberg se define um docente online independente. Ambos, junto com a Renata Kurtz (que também conheci no coffee-break), fazem um trabalho muito interessante na Livre Docência Tecnologia Educacional.

Eles já apresentaram e publicaram dois importantes artigos sobre o tema da docência on-line independente: “The advantages of independent online teaching: an experience report”, no ICDE 2006 [daqui por diante referenciado como 1], e “Seis competências essenciais da docência online independente”, na ABED 2007 [daqui por diante referenciado como 2].

Como eles mesmo afirmam [1], é muito estranho que, apesar do fato de a docência independente existir há bastante tempo, e da autonomia e independência do aluno ser um dos temas mais comuns em EaD, exista tão pouca literatura sobre o papel pedagógico do docente independente.

Para eles, o docente online independente é aquele professor que planeja, desenvolve, divulga, implementa e oferece de forma autônoma os seus cursos, utilizando tecnologias da comunicação e da informação, especialmente a Internet. Ou seja, ele não participa apenas da tutoria, mas também dos momentos pré–curso (concepção, desenvolvimento de conteúdo e atividades etc.) e pós-curso (avaliações do curso etc.). Isso, como eles mesmo afirmam, vai de encontro (contra) à “noção vigente de que a EAD requer necessariamente o trabalho de equipes multiprofissionais para ser implementada.” [2]

O docente on-line independente, portanto, torna-se autônomo em relação a rotinas de trabalho, instituições educacionais, currículo etc., seguindo uma tendência de virtualização do trabalho (trabalhadores freelance e autônomos), alternativa que pode ser observada no caso de músicos, jornalistas, escritores etc., que hoje têm realizado seu trabalho com mais independência e autonomia, livrando-se das limitações das instituições e expandindo assim suas possibilidades e seu mercado de trabalho. Isso tem se tornado cada vez mais viável em função dos custos baixos e das ferramentas hoje disponíveis.

O docente on-line independente é, portanto, independente de uma instituição educacional reguladora e intermediadora dos serviços educacionais que ele presta. Ele é um empreendedor, um profissional autônomo que pode viver de seu próprio trabalho e não precisa ser contratado por uma instituição educacional e se submeter a regras, currículos ou procedimentos. Como eles afirmam, há hoje uma “condição cada vez mais comum de precarização do trabalho docente junto às instituições de ensino, que o transformam em mão-de-obra barata, contingenciável e substituível, desprovida de direitos e de possibilidades de participação na concepção e planejamento do seu próprio trabalho.” [2]

Uma condição comum hoje, nos tutores de cursos de EaD, é a baixíssima participação e controle sobre o programa que já foi pré-definido pela instituição, o que temos discutido bastante neste blog. O docente on-line independente, ao contrário, tem “autonomia na autoria do projeto pedagógico e no controle dos meios de desenvolvimento, divulgação, gestão, implementação e avaliação dos seus cursos, bem como a fruição integral dos proventos financeiros gerados”. [1, 2]

Outra passagem que merece ser citada integralmente:

“No limite, a figura do docente independente opõe-se à do professor-horista, ‘proletário’ subordinado à instituição de ensino, que não é chamado a participar da elaboração projeto pedagógico dos cursos, não decide sobre seus conteúdos, materiais didáticos, atividades e formas de avaliação, e cuja função é simplesmente a de executar o que foi determinado no ‘programa” curricular.’” [2]

Para ser um professor on-line independente, entretanto, é necessário desenvolver habilidades distintas da docência presencial e mesmo da tutoria on-line. Os irmãos Tractenberg defendem que existam seis grupos de competências essenciais para o exercício da docência on-line independente:

a) técnicas: conhecimentos e habilidades na área dos cursos oferecidos;

b) empreendedorismo: concepção, divulgação e promoção de cursos;

c) planejamento pedagógico: desenho, desenvolvimento e avaliação dos resultados obtidos com os cursos;

d) mediação pedagógica: mediar, tutorar, facilitar e/ou moderar cursos;

e) tecnológicas: domínio das ferramentas de TI necessárias para planejar, desenhar e implementar o curso, contatar alunos, cadastrar turmas etc.

f) gerenciais: administração de inscrições, pagamentos, cadastramento de turmas, orientação de alunos quanto aos procedimentos burocráticos e técnicos do curso, geração e envio de certificados etc.

Eles apresentam [1] essas competências em maiores detalhes, como resultado de um questionário que aplicaram a alguns docentes on-line independentes.

Vantagens? Claro, tanto para os professores quanto para os próprios alunos: uma crescente mobilidade e flexibilidade em relação ao tempo; propriedade total do curso (conteúdo, métodos pedagógicos, materiais e técnicas de disseminação); retorno mais elevado por seu trabalho; a possibilidade de trabalhar com turmas pequenas; a possibilidade de oferecer a cada estudante, individualmente e de forma personalizada, um nível mais elevado de atenção e feedback; custos menores; etc.

Com a empresa Livre Docência, os irmãos Tractenberg têm colocado em prática esse conceito de docência on-line independente. Dentre as ferramentas que eles destacam em suas experiências, estão o software Fantástico, para a instalação de softwares de código aberto, e a escala COLLES, para avaliar as expectativas e experiências dos participantes dos cursos.

Nas avaliações dos seus alunos, podem ser destacados os seguintes pontos positivos: o nível de suporte oferecido pelo instrutor; a qualidade dos textos; a maneira clara com que o curso é organizado; e a facilidade no uso do Moodle, o LMS que eles têm utilizado.

Com a redução de custos, difusão social e maior facilidade no uso de tecnologias da comunicação e da informação, as barreiras tecnológicas para os docentes on-line independentes tendem a diminuir. Para os irmãos Tractenberg, a docência on-line independente deve representar uma parcela significativa na oferta de EaD no futuro próximo.

Quem tem acompanhado a discussão sobre o aututor (para a qual prometo um post na semana que vem), pode perceber que o conceito desenvolvido (e praticado) pelos irmãos Tractenberg amplia (ou complementa?) o conceito de aututor.

Como um bate-papo em um coffee-break pode ser valioso!!

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7 respostas a Docência on-line independente

  1. É JOão, vc tinha razão, gostei muito da visão dos irmãos Tractenberg. Afinal, eles colocam o professor-tutor-autor no centro do gerenciamento do curso online. Característica importante, pois em primeiro lugar desburocratiza o EAD, retirando de um gerenciamento administrativo muitas vezes isolado e engessado e também possibilita ao professor a criatividade que este deve ter ao construir um modelo de aprendizagem. Quem me dera chegar neste nível!
    Abraços, REgina Pedroso

  2. Wanderlucy disse:

    Já estamos neste nível, Re, só falta nos organizarmos melhor!

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  4. luiz disse:

    Muito interessante suas observacoes a respeito de educacao via internet. o mesmo penso sobre suas producoes. Infelizmente discordo de que nao haja um “McDonalds ou um Blockbuster de produção de conteúdo”, posto eu mesmo ter trabalhado para um no Japao..chamdado “NOVA JAPAN- Guinga net”, o mesmo agora ampliando suas garras de “industria da comunicacao da educacao” como gostam de chamar isso sem puder algum.Pior, alem de internet usam de sistema de tv a acabo…Pior ainda, o ensino por la agora e principalmente organizado e dado por leigos. Mas ainda acredito que alunos gostem de qualidade e individualizacao do ensino. Eis o ponto que deveria priorizar aqui. Muito obrigado por sua atencao.

  5. João Mattar disse:

    Luiz, na verdade a questão não é se “existe” ou não um McDonald’s ou Blockbuster de produção de conteúdo, mas se a centralização da produção de conteúdos educacionais nas mãos de poucas empresas seria benéfico. Tenho refletido muito sobre isso, e me parece que a padronização e centralização da produção de conteúdos nas mãos de poucos é um suicídio para todos nós.

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