Educação, não Tecnologia

Em todo congresso de educação a que vou, ouço algum palestrante dizendo, como se tivesse descoberto a América: “A educação tem que vir antes da tecnologia”, ou “O que importa é a educação, não a tecnologia”, ou qualquer outra variação.

Em geral, o palestrante toma uma postura mais ereta para pronunciar a frase, faz alguma careta séria, faz alguns segundos de silêncio, preenchidos com alguns movimentos de cabeça da platéia também silenciosa, acenando a concordância com a afirmação.

Eu estou cansado dessa encenação. Hoje, já não é possível separar assim tão claramente a tecnologia da educação, já não é possível pensar as duas coisas desvinculadas. Dependendo da tecnologia que você adota, os learning outcomes (resultados do aprendizado) são diferentes. O meio é a mensagem, já dizia o McLuhan há várias décadas. A tecnologia não é neutra em relação à educação, não é possível pensar na educação, nos objetivos educacionais, e a partir daí simplesmente escolher as ferramentas, ou o mínimo de tecnologia para ministrar aquele conteúdo. A ferramenta altera não apenas o conteúdo, mas também o processo de ensino e aprendizagem. A equação ficou bem mais complicada.

Eu não tenho vergonha nenhuma de dizer: trata-se de tecnologia sim, de pensar os usos da tecnologia em educação, não de pensar a educação disparada na frente, puxando a neutra e subalterna tecnologia.

Trent Batson escreveu recentemente no Campus Technology o artigo: It IS about Technology: Integrating Higher Ed into Knowledge Culture.

Segundo Batson, por mais de 20 anos afirmamos que não se trata de tecnologia, mas de educação. Mas essa retórica não tem mais sentido, se alguma vez teve, pois nos prejudica, em vez de ajudar. Temos que dizer agora: “é sobre tecnologia”. Batson não repete o meu raciocínio acima, mas explora mais a revolução cultural que a web 2.0 causa, principalmente na juventude que começa a freqüentar o ensino superior. Questiona também por que concebemos o aprendizado segmentado em parcelas de tempo, 16 semanas, um semestre etc. A tecnologia potencializou a possibilidade de aprendermos de diversas maneiras, informalmente, no trabalho, à distância etc., e hoje temos ainda mais condições de avaliar os resultados do aprendizado – ou seja, o tempo em que o aluno fica sentado em uma cadeira tende a ser cada vez menos importante.

It IS about Technology!

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12 respostas a Educação, não Tecnologia

  1. Eri disse:

    Pois é Mattar, eu não consigo entender porque se tenta colocar as tecnologias em uma posição caldal nesse contexto atual da EAD se todo este frenesi que presenciamos hoje na Educação é exatamente devido à emergência dessas Novas Tecnologias.

    Engraçado que a gente somente encontra esse tipo de discusso na Educação. Em outras áreas as tecnologias são sempre vistas como aliadas dos profissionais, pois facilitam tarefas e possibilitam novas formas de resolução de um problema. Ninguém fala em um congresso de medicina que “o mais importante é a medicina”, pois a tecnologia surge é para facilitar e não para concorrer.

    Sugiro aos que pensam dessa forma que voltem a fazer EAD por correspondência. Pensar a EAD dessa forma segmentada não acrescenta nada, ao contrário,mata no ventre as possibilidades de inovação e de criação de um modelo de aprendizagem mais significativa e condizente com os novos tempos, além de fomentar mais ainda a resistência à adoção de tecnologias pelos professores.

    O próprio Moore em seu último livro propõe um modelo sistêmico da EAD.

    Enfim, em tempos de complexidade pensar a EAD dessa forma reducionista e preconceituosa seguramente não é o melhor caminho para inserir a Educação definitivamente na Sociedade da Informação.

    Abs

  2. Eri disse:

    Digo “caudal”

  3. João Mattar disse:

    Eri, lembre-se que você, como escritor do blog, tem (acredito) também condições de editar seus posts. De qualquer maneira, suas credenciais para criar posts continuam valendo, escreva quando quiser. Caudal e Caldal caem bem aqui – a tecnologia é vista como cauda e como calda! Muito bom seu comentário, lembrando de como as outras áreas recebem a tecnologia. Eu não falei, mas em muitos casos, me parece que há uma falta de conhecimento em relação à tecnologia, de alfabetização tecnológica, então as críticas já nascem desqualificadas.

  4. Olá Mattar!

    Eu sou tentado a achar que se trata de educação e não de tecnologia, não porque elas estejam totalmente dissociadas, mas porque o problema da educação precede ao da Tecnologia!

    Outro ponto interessante é que as cenas dos palestrantes podem querer simplesmente enfatizar que a perspectiva pedagógica (educação) é mais importante do que a perspectiva tecnológica e não o contrário (como muitas vezes parece ser enfatizado!)

    E não se trata de preconceito! Educação é mesmo diferente de medicina e outras áreas, talvez por isso o pessoal da Educação enfatize esta em detrimento das ferramentas!

    Ninguém discute o modo como as pessoas aprendem a partir do giz, quadro, laboratório ou tecnologia! Deve ser sempre o contrário e, então, se escolher os suportes tecnológicos!

    Mesmo na perspectiva da EAD, deveria ser assim! Pode-se fazer uma educação a distância de qualidade (ou efetiva, como queira) só com e-mail ou pode-se usar o recurso de tecnlogia cheio de apitos, imagens sons e vídeos e um educação não efetiva… e a diferença será a clareza pedagógica de quem pensou o curso!

    Por isso educação precede a tecnologia, IMHO.

  5. João Mattar disse:

    Sérgio:

    É muito bom que haja idéias diferentes, elas dão o colorido ao pensamento. Mas acho que podemos conversar um pouco mais, não apenas neste post, porque talvez não estejamos pensando tão diferente assim.

    Eu realmente não acho que a seqüência – (a) projeto pedagogicamente o curso, e então (b) escolho as ferramentas mais adequadas – seja assim tão simples.

    Tendo cada vez mais para a idéia de um currículo totalmente flexível, em que a direção do aprendizado vai sendo modificada no próprio processo. E, nesse sentido, dependendo das ferramentas utilizadas, a direção também muda.

    Não acho que a tecnologia seja neutra e penso que temos que nos deixar levar por ela também na educação, pois novas ferramentas nos permitem enxergar as coisas por novos ângulos, propor novas questões, realizar experiências diferentes.

    Ou seja, não me parece tão evidente que a educação preceda a tecnologia, prefiro pensar as duas juntas. Aliás, é o que tenho tentado fazer neste blog. Isso não significa dizer não à educação, se recusar a discutir pedagogia etc., mas significa procurar os momentos de intersecção entre educação e tecnologias. Mas, para isso, não tem jeito – temos que testar, espremer as ferramentas, fazer experiências, ver onde chegamos aqui, o que é possível fazer ali, o que podemos aprender de uma maneira diferente etc. Ou seja, não dá apenas para partir do pedagógico projetado, e então escolher a ferramenta adequada. Isso pressupõe que tenhamos muito claro nossos objetivos e saibamos muito bem o que cada ferramenta pode nos dar. O que em geral não é o caso.

  6. Opa Mattar!

    Sem dúvida.. sempre devemos conversar um pouco mais (na concordânica ou na discordânica… aliás aqui cabe um parênteses… o que faz o seu blogue está na minha lista do leituras essenciais, é que, além da qualidade e das coisas que aprendo as conversações sempre são continuadas. Ou seja, você não perde de vista que é um espaço de escrita e leitura :-)

    Mas, voltando ao ponto, é sempre possível experimentar, pensar num currículo mais flexível e etc… mas veja que devemos nos fazer a seguinte pergunta inicial: Por que fazer isto (experimentar, flexibilizar e etc…) não só a pergunta como as respostas estõ fortemente ligadas ao uma perspectiva (consciente ou não) de visão educacional… tecnologia é suporte…

    Embora concorde que em várias situações reais, não seja assim tão dissociadas(educação e tecnologisa), mas a própira natureza da reflexão é educaional e não tecnológica!

    Talvez eu não consiga defender firmemente e de modo irrefutável este ponto, mas eu não consigo me imaginar pensando numa atividade docente com tecnologia impregnada ou antecendo questões de educação… Mas pode ser apenas um limitação minha!

    abraços

  7. João Mattar disse:

    Sérgio, na verdade o blog é construído em conjunto por todos que escrevem, como você. Suas contribuições têm sido importantíssimas e essenciais.

    Eu realmente tenho tido dificuldade em lidar com a idéia de objetivos pedagógicos. Tenho conseguido imaginar e praticar mais a construção de alguma coisa, no processo de aprendizado, alguma coisa que não está totalmente prevista, programada. Por isso, a tecnologia acaba se fundindo com a educação – não vindo antes – porque dependendo de como você manipula as ferramentas, a construção vai para uma direção, não para outra.

    Com certeza não é nenhuma limitação sua. Se você desse uma palestra provavelmente tocaria no assunto de uma maneira assim profunda, sem fazer ceninha. Repetir a frase “Educação tem que vir antes de tecnologia” me parece que não tem mais sentido. Mas refletir sobre isso, seja de que lado você esteja, faz é claro todo sentido.

  8. Renato disse:

    Eu não sei, talvez haja algo de ludita nessa ênfase da educação sobre a tecnologia. Mas se bem me lembro o Rosenberg em seu livro de E-learning faz uma longa descrição de como os primeiros cursos baseados em computador não funcionavam e um dos motivos era justamente a ênfase exagerada em tecnologia.

    Por outro lado, talvez essa seja realmente uma preocupação superada, afinal ela remonta aos primeiros tempos da web aberta. Ou seja uma diretiz a qual alguns prefiram se manter vigilantes.

    De qualquer forma, concordo que suporte tecnológico influi no processo de ensino que utilizamos.

  9. Eri disse:

    Oi Mattar,
    Consigo editar os post, mas os comentários não. Mais uma: digo: discurso rsrsrs

  10. Pingback: De Mattar » Blog Archive » GTs na ANPED

  11. Breno disse:

    Como é que fui perder esta discussão…………………..
    No post “Semeando desertos” (http://blog.joaomattar.com/2008/10/22/semeando-desertos/) atravessei esta discussão.
    Lá, em meu comentário, coloquei que , talvez, o foco seja no conteúdo/método e não tecnologia (ou beirando a heresia, educação), com base na colocação do Carlos sobre a possibilidade de de AVAs virarem sucatas (antes mesmo de serem utilizados em todos seu potencial) devido ao surgimentos dos “AVA@3d”.
    E quando falei conteúdo/método (não sei se seriam termos apropriados) estava sistemica/holisticamente pensando em todo o processo de aprendizagem e desenvolvimento de competências para viver em sociedade (acho que vi alguma definição sobre educação que diz ser este o objetivo da educação). E este processo não pode separar tecnologia e educação, assim como não faz sentido separar educação em educação a distância, educação presencial, semipresencial, blended, etc, etc, etc.
    E meu voto é para que tecnologia faça parte da calda, dando o realce e sabor necessário ao proceso de ensino/aprendizagem.
    []s

  12. Sí, you have all the reason! It’s all about technology! Tech mediates any and every of our acts, why do we want to close our eyes to it?
    And yes, you are right, we have the instruments to go beyond our learning and studying limitations with this Web tech. But still, we have curricula based on the medieval “Ora et labora” and the watch!!

    I am writing a post on quizzes. Check it and tell me what you think. I consider them harmful, but we are so attached to them!

    Let me know about the book, please. Muito obrigado :-)

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