Game over: jogos eletrônicos e violência

Game over: jogos eletrônicos e violência

ALVES, Lynn. Game over: jogos eletrônicos e violência. São Paulo: Futura, 2005. Resenha de João Mattar.

O livro é resultado da tese de doutorado da autora, que está disponível online: parte 1 e parte 2. Além de interessantes discussões teóricas, Lynn Alves, uma referência quando se fala em games educacionais no nosso país, registra uma pesquisa com 5 gamers para responder a uma pergunta geral: a interação com jogos eletrônicos que exibem cenas de violência provoca alterações no comportamento dos sujeitos que vivem imersos no mundo tecnológico?

Introdução apresenta a proposta e organização geral do livro.

1. Brincar é coisa séria! discute a contribuição social, cognitiva, cultural e afetiva dos jogos, recorrendo bastante ao Homo Ludens de Huizinga. Jogando, p.ex., as crianças aprendem a negociar num universo de regras e postergar o prazer imediato. O capítulo avalia também como, nos jogos, a repetição tem uma função lúdica.

2. Cultura e jogos eletrônicos discute a cultura como um sistema semiótico, e como os games estão envolvidos em uma cultura virtual e da simulação. Há uma referência à geração screenagers, que inclui aqueles que nasceram na década de 1980, aprendem com a descontinuidade e aceitam que as coisas continuem mudando sem se preocupar com um final determinístico (p. 33, ref. a Douglas Rushkoff).

3. O Universo dos Videogames começa traçando um panorama do histórico dos games. Há uma referência ao interessante parque Futuroscope, em Poitiers (França). O capítulo analisa também alguns filmes baseados em games, e games baseados em filmes, além de analisar a linguagem de alguns filmes. Em seguida, discute o conceito de interatividade, avalia a importância das lan houses (na época, é claro) e apresenta diversas maneiras para classificar games. Por fim, mostra opiniões distintas, que enxergam nos games pontos positivos e negativos, inclusive com relação à questão da violência. Valdemar Setzer é um dos representantes dos críticos mordazes dos videos games – seu site no IME USP começa com os dizeres: “Deixe as crianças serem infantis: não lhes permita o acesso a TV, jogos eletrônicos e computadores/Internet!” e tem uma lista imensa de trabalhos publicados sobre o tema.

4. Faces da violência estuda o fenômeno da violência utilizando referências teóricas de peso como Freud e Vygotsky, e examina as relações entre a violência e as mídias audiovisuais. Como a própria Lynn reconhece, há uma espetacularização e estetização exageradas da violência nas mídias, o que a acaba transformando em algo banal, a ponto de nos acostumarmos e não prestarmos mais atenção.

O capítulo termina com uma série de questões: qual a relação que se estabelece entre a violências das telas e o comportamento agressivo de indivíduos? Estariam as imagens de violência, que são exibidas nas telas e vivenciadas nos jogos, intensificando o comportamento violento dos habitantes das grandes metrópoles hoje? Os games violentos podem atuar como espaços que possibilitam aos gamers ressignificar suas dores e angústias, atuando de forma catártica? (p. 107).

5. Games: Espaços de catarse discute o potencial catártico dos jogos eletrônicos. Segundo Lynn, não se pode pensar numa simples relação de causa e efeito entre jogos violentos e comportamento violento, já que os games funcionam como espaço de ressignificação para os jovens. A imersão nos jogos eletrônicos permitem exercícios de tomada de decisão, planejamento, desenvolvimento de estratégias e antecipações que não são possíveis no cotidiano. Segundo Lynn:

“A interação como os diferentes conteúdos desses dispositivos e, em especial, os relacionados com a violência não resulta em comportamentos agressivos com outros sujeitos, mas propicia a elaboração dos aspectos subjetivos de cada indivíduo, na medida em que os jogos se constituem em espaços de catarse nos quais a violência é uma linguagem, uma forma de dizer o não dito” (p. 118).

Lynn lembra ainda que ao redor dos games formam-se também comunidades de aprendizagem, e acrescenta:

“Portanto, a aprendizagem que é construída em interações com os games não é mera cópia mecânica das situações vivenciadas, mas uma ressignificação que os jogadores fazem das imagens e ações presentes nos conteúdos dos jogos eletrônicos mediante seus modelos de aprendizagem construídos ao longo de sua estruturação como sujeito.” (p. 118-119)

6. Imersos no Universo das Lan Houses analisa os quatro jogos mais mencionados pelos jogadores durante as entrevistas: Counter-Strike, Carmageddon, Quake e Chrono Cross. A partir do significado desses jogos para os entrevistados, Lynn conclui que as análises que estabelecem relação causal entre jogos violentos e comportamento violento são descontextualizadas, não levando em consideração a história dos jovens, mas apenas números. Devem, entretanto, também ser levadas em consideração, em análises desse tipo, questões familiares, afetivo-emocionais, econômicas, políticas, sociais, culturais etc. Os jogos não seriam, portanto, nem vilões nem heróis (p. 146-147).

7. Caminhos metodológicos esclarece a metodologia da pesquisa, durante a qual Lynn utilizou um diário, um gravador e uma câmera de vídeo. São mencionados os poucos estudos acadêmicos sobre jogos eletrônicos existentes no Brasil até então, como os de Suely Fragoso (hoje coordenadora do Grupo de Pesquisa Mídias Digitais) e alguns trabalhos apresentados no Intercom em 2001 a 2003, que analisavam o potencial pedagógico dos jogos eletrônicos.

8. Nas Teias dos Discursos apresenta fragmentos das entrevistas.

Conclusão retoma algumas indagações feitas durante o percurso:

1) A interação com os jogos eletrônicos que exibem e disponibilizam informações e cenas de violência provoca alterações no comportamento dos sujeitos que vivem imersos no mundo tecnológico?

2) Qual a concepção de violência dos jovens que interagem com os jogos eletrônicos considerados violentos?

3) Quais as relações que os jovens estabelecem em torno dos jogos eletrônicos/violência?

4) As pessoas que interagem com os jogos eletrônicos considerados violentos saem reproduzindo no cotidiano as cenas de violência exibidas nesses programas?

Lynn afirma que a vivência da violência em games pode ser vista de maneira positiva, como uma terapia e uma catarse: “Vista dessa maneira, a violência passa a ser considerada de forma construtiva, como um dos motores propulsores do desenvolvimento afetivo e cognitivo dos sujeitos. Nesse sentido, os jogos podem se constituir em espaços de elaboração de conflitos, medos e angústias.” (p. 229)

A violência poderia também ser vista como uma linguagem, em que as crianças estariam solicitando a mediação dos adultos, cada vez mais ausentes. Portanto, a interação com os jogos eletrônicos não produziria automaticamente comportamentos violentos nos jovens, e os comportamentos violentos estariam relacionados a questões afetivas (desestruturação familiar, ausência de limites etc.) e socioeconômicas (queda do poder aquisitivo, desemprego etc.) (p. 230)

Lynn reconhece que as conclusões da pesquisa muitas vezes não puderam ser universalizadas, porque os entrevistados apresentaram posturas e discursos diferentes, mas podemos dizer também que a generalização dos resultados da pesquisa fica comprometida pelo universo muito pequeno e localizado dos entrevistados.

Nos games, os jovens encontrariam espaços para ressignificação, catarse e liberação do estresse diário. Espaços para elaboração de conflitos, medos e angústias. Seria possível, então, pensar numa agressividade construtiva.

O livro termina com uma Bibliografia bastante interessante, apesar de é claro datada em função da época da publicação do livro.

Enfim, uma leitura obrigatória para todos que se interessam por games – não fiz aqui mais do que um resumo de alguns pontos que me chamaram a atenção, mas a discussão teórica e a exploração das entrevistas é muito rica e interessante, merecendo uma leitura pausada e reflexiva.

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