Serious games

ABT, Clark C. Serious games. Lanham: University Press of America, 1987. Resenha de João Mattar.

Este livro, publicado originalmente em 1970 pela Viking Press (ou seja, muito antes do movimento de Serious Games) e reeditado em 1987 (sem atualizações), explora as maneiras pelas quais jogos podem ser utilizados em educação. Mas games, aqui, quer dizer jogos em geral, games jogados em computadores aparecem muito de leve no texto, apesar de que a teoria vale para tudo, como será possível perceber.

Preface to the UPA Edition, pelo que parece a única coisa acrescentada à edição de 1970, atualiza as informações sobre as pessoas que influenciaram o trabalho do autor, ou que foram seus colegas, e também o que aconteceu com os serious games, de 1969 até 1985. Segundo Abt, continuou o problema de falta de professores e a queda na qualidade do ensino, para os quais ele já havia apontado o uso de games como alternativa. Segundo Abt, entretanto, o mercado de games caminhou, nesse período, mais para a diversão do que para a educação, ou seja, as suas previsões não se concretizaram. A única exceção seria no mundo corporativo, onde o uso de RPG e jogos computadorizados de administração cresceu bastante.

Preface conta o histórico do autor, Clark C. Abt, que veio a falecer em 2005. Em 1965 ele montou a Abt Associates, ainda na ativa, cujos objetivos iniciais eram trabalhar em problemas domésticos, não militares, combinando a simulação por computadores e técnicas de jogos de guerra, que ele teria aprendido na indústria aeroespacial, com os métodos das ciências sociais. Hoje, pelo que se pode perceber pelo site da empresa, ela cresceu muito e ampliou consideravelmente seus horizontes.

I. The Reunion of Action and Thought fala de jogos em geral. Segundo Abt, situações políticas e sociais podem ser vistas como jogos; toda eleição é um jogo; relações internacionais são um jogo; todo argumento pessoal é um jogo; e quase toda atividade de negócios é um jogo. Serious games, para Abt, teriam um propósito educacional explícito e cuidadosamente planejado, e sua intenção principal não seria o divertimento, apesar de que a diversão não deveria ser abolida. O próprio autor reconhece que a expressão Jogos Sérios é um oxímoro, ou seja, uma combinação de 2 conceitos aparentemente contraditórios, que não convivem bem juntos. Os programas de treinamento industriais e militares, surpreendentemente, menos preocupados com a autoridade do instrutor do que com a performance do aluno, em geral alcançaram melhores resultados educacionais com a utilização de simulações. Entretanto, para Abt:

“Jogos são dispositivos de ensino e treinamento efetivos para alunos de qualquer idade, e em muitas situações, porque são altamente motivadores e comunicam muito eficientemente conceitos e fatos em muitas áreas. Eles criam representações dramáticas do problema real sendo estudado. Os jogadores assumem papéis realistas, encaram problemas, formulam estratégias, tomam decisões e recebem feedback rápido da consequência de suas ações.” (p. 13).

II. Improving Education with Games começa criticando os métodos de ensino das escolas. É interessante que as referências utilizadas pelo autor, durante o texto, são de livros esgotados há bastante tempo, mas que pelo título e pelos comentários de Abt parecem bastante atuais, como Simulation Games in Learning (1968). Um bom projeto de pesquisa seria voltar à bibliografia sobre games dessa época e avaliar o que ainda podemos aprender, e o que continuamos simplesmente repetindo, como se fosse novidade. Games ensinam uma série de habilidades e possibilitam o aprendizado através dos colegas. Abt da então algumas dicas de como utilizar jogos em educação. Um professor que utiliza games educacionais se tornaria mais um diretor de pesquisa e treinador do que um palestrante e disciplinador. No capítulo há ainda várias reflexões didáticas, inclusive sobre a função do professor.

III. Educational Games for the Physical and Social Sciences fornece exemplos (da época, é claro) e objetivos de jogos em ciências e ciências sociais.

IV. Game Learning and Disadvantaged Groups defende que alunos com desvantagens culturais e econômicas podem também se beneficiar da utilização de jogos em educação.

V. Games for Ocupational Choice and Training mostra como jogos podem ser utilizados na orientação vocacional e em treinamento.

VI. Games for Planning and Problem-Solving in Government and Industry mostra como os jogos podem ser utilizados pelo governo e pelas empresas.

VII. How to Think with Games by Designing Them apresenta o processo de design de jogos como uma atividade educativa por si só.

VIII. How to Evaluate the Cost-Effectiveness of Games discute a interessante questão de como podemos avaliar o custo-benefício da utilização de jogos em educação, quando em muitas situações parece que a utilização de outros métodos seria mais simples. Abt inicialmente relembra que o livro, até agora, discutiu as possíveis melhoras no aprendizado pelo design e uso de jogos sérios em diversas áreas, como: motivação, tomada de decisões, estratégia, negociação, compreensão de processos paralelos, planejamento e avaliação, além de conhecimento fatual.

A partir de então, o capítulo caminha para uma reflexão bastante interessante. Testar a eficiência de um jogo educacional para a habilidade na tomada de decisões por parte de um aluno, p.ex., pode ser impossível face às consequências de longo prazo envolvidas. Mesmo que um aluno que jogue um jogo econômico não memorize nenhum termo ou nenhuma teoria, ou não demonstre nenhuma mudança mensurável em provas convencionais, talvez 10 anos depois ele tomará uma decisão econômica muito melhor. Para medir esse tipo de melhora não-acadêmica em tomadas de decisões, poderiam ser utilizadas outras simulações de resolução de problemas, mas isso envolveria o risco de sermos acusados de utilizarmos jogos para medir o aprendizado por jogos, garantindo por antecipação um resultado positivo. Entretanto, pode ser razoável assumir que, se há evidência de transferência da capacidade de resolução de problemas de uma situação de jogo para outra, há ao menos uma grande possibilidade dela ser transferida para jogos da vida real. Critérios úteis para avaliar tanto o custo quanto a eficácia de jogos seriam então, p.ex., o envolvimento e o estímulo dos jogadores, e o nível de identificação e excitação gerado pelas interações entre os jogadores, dentre outros, já que essas ocorrências gerariam um ambiente de aprendizagem mais ativo e mais consciência, por parte dos jogadores, dos fatores envolvidos na situação real sendo simulada.

Uma diferença interessante apontada entre jogos sérios e convencionais é que os jogos sérios devem responder mais às decisões conscientes dos jogadores do que a um elemento exterior de sorte. Apesar da interação, os jogadores devem enxergar que foi uma decisão específica deles que iniciou um conjunto de consequências, e não um elemento do acaso. E como, quando estão jogando, os jogadores entram num estado de fluxo, é essencial uma discussão pós-jogo para avaliar o percurso e as decisões tomadas.

Mesmo que sejamos capazes de responder a diversas questões, como: o jogo alcançou o objetivo para o qual foi planejado? os jogadores terminaram o jogo com uma elevada consciência dos fatores envolvidos na situação real que foi simulada? o aprendizado ocorreu mais rapidamente do que com outros métodos? os jogadores se conscientizaram das interações simultâneas de forças? eles usaram e aplicaram a informação gerada pelo jogo? o material de aprendizagem foi empregado para aumentar a retenção com o tempo?, e mesmo que a resposta seja “sim” a todas essas questões, ainda assim não podemos concluir necessariamente que o custo-benefício do jogo em questão, como método instrucional ou de pesquisa, é melhor do que as alternativas. Seria necessário formar grupos que jogassem e não jogassem o mesmo jogo, o que seria caro porque, para a validação estatística, teríamos que trabalhar com grupos muito grandes, para que tivéssemos certeza de que as diferenças alcançadas limitariam-se aos efeitos dos jogos, não a outras variáveis. Além disso, teríamos que adotar controles adicionais para evitar a tendência das pessoas a responder positivamente a tudo que é novo apenas porque é novo, sem que necessariamente seja melhor.

Por essa complexidade, Abt defende que seria mais prático e honesto admitir que a avaliação científica dos jogos vai continuar a nos iludir até que desenvolvamos uma teoria quantitativa da instrução ou obtenhamos muito mais dados experimentais do que possuímos hoje. Até lá (e lá, quando o livro foi escrito, poderia querer dizer uma década ou duas depois, ou seja, já deveríamos estar no lá, hoje), deveríamos nos contentar com uma avaliação mais dramático-literária dos jogos. Onde estamos hoje, 4 décadas depois?

IX. The Future of Serious Games começa defendendo que uma estratégia para enfrentar as exigências de uma educação de massa é os próprios alunos tornarem-se professores de seus colegas, pois ensinando também aprendemos. Na época, Abt afirmava que peer teaching e near-peer teaching (alunos mais velhos ensinando alunos mais novos) exigiriam várias técnicas interativas que transformariam a sala de aula mais em um laboratório, com muitos grupos pequenos para solução de problemas, e reduziriam o autoritarismo nas escolas. Para Abt, a retenção do aprendizado seria maior quando os alunos têm a oportunidade de aplicar e testar seus conhecimentos, comparado a um método de ensino centrado em palestras.

Há também sugestões interessantes para a utilização de jogos para o aprendizado em grupos, e não apenas para a educação individual, como p.ex. em comunidades, política e governo. Abt chama a atenção ainda para o fato de que os jogos combinam a utilidade teórica da construção de modelos e análise de sistemas com a participação e o envolvimento direto e dramático.

É interessante refletir sobre a reedição deste livro, sem modificações. O interesse teria voltado por causa do movimento de serious games? (mas ele começa mais tarde!) Ou seria motivado pelo crescimento do mercado de videogames? Ou o livro era mesmo visionário, e percebeu-se que ele ainda poderia ser útil, 20 anos depois (e agora 40)?

Appendices completam o livro com várias referência a jogos: A. Elementary Mathematics Games, B. A Game for Planning an Educational System, C. “SEPEX”: A School Electronics Planning Exercise e D. “Colony”: A Secondary-School Game

FacebookTwitterGoogle+Compartilhar
Esta entrada foi publicada em Educação, Games, Resenhas. Adicione o link permanenteaos seus favoritos.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *

*

Você pode usar estas tags e atributos de HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <strike> <strong>