O Tempo

(do livro Raízes, 1996)
João Mattar

o tempo é um mágico de cartola e bengala,
com sorrisos e curvas guardados no bolso,
com pernas tortas, idoso, o bigode escorrendo
até os ombros, a barba branda, que espeta
os rostos em busca de beijos. o tempo
é um porco-espinho sedento de outro, mas que
agride qualquer intimidade com o castigo eterno:
a loucura. o tempo é um sábio que nunca senta,
pois seus pensamentos brotam somente em movimento,
durante as longas caminhadas sem destino pelas cidades,
pelos campos, pelos labirintos.

o único medo do tempo: ficar aprisionado no labirinto.
tornar-se nó.
a arma secreta do tempo: multiplicar-se infecundado,
infiltrar-se nos espaços, cavando-os, e restar sempre
escondido.
a vitória do tempo (mesmo sobre os deuses):
ser generalidade, o conjunto dos caranguejos,
o conjuntos dos cogumelos.
a vitória pelo cansaço: uma derrota não esgota
o tempo.
a exposição do tempo se dá, por exemplo,
na angústia. nos cabelos brancos, na pele enrugada,
no jogo de xadrez.

dos bueiros os ecos insistem nas perguntas:
não há dinheiro que suborne este ancião?
não há mulher, por mais jovem e bela,
que dobre as pernas deste senhor, que
o tire, por um momento que seja, da meditação?

o guia do tempo: a inconsciência de uma criança
brincando com massa. a possibilidade de adquirir
várias formas, vários contornos, de dividir-se,
segregar-se de si mesmo. sem vozes. sem dúvidas.

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