2nd Life

Assino a NewsLetter do Marcos Telles, que sempre traz reflexões muito bem fundamentadas e ao mesmo tempo instigantes, e numa das últimas veio um item escrito assim:

2nd Life
Painel organizado pela Comunidade Praxis no e-Learning Brasil 2010 deixou claro que o 2nd Life, após tantos anos, continua a ser uma idéia em busca de uma aplicação prática. Alguns centros universitários ainda acreditam em seu potencial e pesquisam caminhos para seu uso. Os jovens, reconhecidamente, não gostam do 2nd Life e muitos adultos acham que há formas mais simples de fazer o que esse mundo propõe enquanto um número bem menor afirma gostar da experiência de convívio que ele proporciona. No momento, contudo, parece não haver uma proposta mais sólida no horizonte.

Guardei o email porque estava de férias, e agora que deu sentei para respondê-lo. A resposta acabou ficando grande, então virou um post.

Já me envolvi em discussões como esta em vários momentos – cf. p.ex. o extenso O Second Life morreu? (a velha questão que não morre…), mas achei que valia uma resposta, tanto pelo Marcos, quanto porque a questão podia ser abordada por um ângulo um pouco diferente. Aqui vai meu email que virou post.

***

Caro Marquinhos, tudo bem?

Fui fuçar melhor o que era a Comunidade Praxis, para entender que conhecimentos seus membros têm do Second Life (SL). Pelo que andava acompanhando, no painel só estaria o Romero Tori, que tem desenvolvido trabalhos no SL; os outros, pelo que me parecia, não tinham vivência suficiente da ferramenta, como educadores, para uma avaliação mais rica.

Há inúmeras aplicações práticas para o SL, ou, num sentido mais amplo, para os mundos virtuais, que imagino você conheça, e esteja querendo apenas brincar ou provocar: treinamento em medicina e saúde em geral, EaD focada em línguas, construções e encenações histórias, computação, arquitetura etc. Sei que você já leu sobre isso, é uma pessoa informada e sabe de tudo isso. Os mundos virtuais são uma das fortes tendências da educação e da EaD; há sem dúvida ainda uma busca por ferramentas mais adequadas, há uma curva de aprendizagem (não saímos mexendo no SL como saímos num AVA novo, quando já conhecemos vários outros que funcionam da mesma maneira), é necessário desenvolver e aperfeiçoar pedagogias para essas ferramentas, há problemas de banda, da hardware etc., mas não me parece que haja volta – a EaD, principalmente, com mundos virtuais e games, atinge um patamar novo, diferente, em que temos mais chances de nos comunicar melhor (ou pelo menos um pouco) com nossos novos alunos.

Seu texto diz que “alguns centros universitários ainda acreditam em seu potencial e pesquisam caminhos para seu uso”, mas eu tenho certeza de que você está novamente brincando, pois é uma pessoa informada e sabe que inúmeras faculdades e universidades, no Brasil e no mundo, têm utilizado a ferramenta. Com maior ou menor sucesso, é claro, mas não apenas para pesquisa: na prática.

No Brasil o movimento é menor do que em vários outros países, por vários motivos que não cabe aqui discutir – mas caberia discutir mais calmamente em outro lugar. No SL especificamente, há várias atividades educacionais realizadas pela Unisinos-RS, Ricesu, Sebrae, PUC-SP, Portal Educação, PUC-RJ, o Romero no Senac, a Pearson etc., além de inúmeras iniciativas individuais, o que é comum com ferramentas novas. Aliás, repare que, para o debate que tira as conclusões que você indica, não havia ninguém p.ex. da Unisinos, referência não apenas nacional, mas internacional, em mundos virtuais.

Fora do Brasil, eventos incríveis têm sido realizados 100% no SL, como o Virtual Worlds Best Practices in Education, do qual participei da organização neste ano, e que teve mais de 6.000 participantes de todo o mundo, numa verdadeira celebração para a educação. Detalhe: o evento é totalmente gratuito.

Como você mesmo diz, há pesquisas também, como os TCCs e mestrados de Elizabete Gomes (Unisul), Bruno Corrêa (Un. Braz Cubas), Rodrigo Gecelka (UCBrasília), Dilson Fernandes (PUC-MG), Daiana Trein (Unisinos), Andrea Corrêa Silva (Senac-SP) e outros que estão sendo desenvolvidos, e que tenho procurado sempre acompanhar de perto. Já é possível dizer, hoje, que temos no Brasil um conjunto de experiências, práticas e pesquisas sobre o uso do Second Life em educação, ou seja, uma mistura de teoria e prática, que não pode ser ignorada como se fosse apenas uma ideia em busca de aplicação prática.

Mas esse papo acaba ficando chato, uns dizendo de fora que não funciona, outros dizendo de dentro que funciona, e não progride – já participei de alguns, mas há um tempo mudei a tática. O que nós, que experimentamos EaD em mundos virtuais como o Second Life, vivenciamos, é que temos aqui inúmeras ferramentas, uma nova forma de nos relacionarmos, que coloca a EaD em outro nível. E temos, é claro, vontade que mais gente vivencie isso, para, juntos, construirmos um caminho alternativo de educação, que envolva também games, dispositivos móveis, ferramentas da web 2.0, realidade virtual etc.

Há um movimento para o Open Sims, e um grupo internacional de educadores acabou de dar o pontapé inicial para uma exploração mais consistente, do ponto de vista pedagógico. Muitos deles foram desbravadores no SL, e agora querem ampliar suas experiências. Faço parte deste grupo.

Pode ser realmente que os jovens não gostem tanto do SL, mas teríamos que comparar com o quanto eles gostam dos ambientes virtuais de aprendizagem que são obrigados a frequentar hoje, em EaD. Pelo que sinto com meus alunos, Marcos, e é claro também pela bibliografia e experiência dos outros, ninguém mais agüenta esses AVAs que temos utilizado em EaD, e no fundo ninguém mais agüenta a EaD que andamos fazendo.

Quanto a achar que há formas de fazer fora do SL melhor o que se faz lá dentro, esse é o discurso do minimalismo tecnológico, para o qual respondi em um artigo recente com bastante paciência: não dá para comparar assim – dá para fazer aqui, então faço EaD aqui; não dá, então faço lá; etc. Se temos uma pedagogia que guia nosso comportamento nas ferramentas, as ferramentas também afetam a maneira como se dá o processo de ensino e aprendizagem, e, no caso de mundos virtuais como o SL, de maneira decisiva. Cada experiência é diferente, e eu penso cada vez mais que nós, educadores, temos que experimentar, temos a obrigação de frequentar essas outras ferramentas, consistentemente, pois as possibilidades (hoje realidades) são inúmeras. Frequentar significa baixar a guarda e se entregar a viver algumas experiências, testar, para não tirar conclusões apressadas.

Sobre a experiência de convívio no SL, a Daiana Trein (da Unisinos) acaba de defender uma dissertação lindíssima sobre o tema, ela teria com certeza enriquecido em muito o debate no evento. No trabalho, ela compara como as pessoas se sentem fazendo educação no SL e outros ambientes, e tira conclusões muito interessantes.

Não estamos mais na fase de propostas, Marcos, estamos há um tempo na fase de uso do SL, e mundos virtuais em geral, em educação. Sempre quando dou cursos no SL, levo meus alunos conhecerem alguns lugares e eles ficam absolutamente fascinados: simulações de esquizofrenia, refazer a viagem do Darwin, viver uma história de um aidético, fazer um passeio pela história da filosofia no Philosophy Garden, conhecendo os filósofos e os lugares em que eles filosofavam, e conversar com eles etc. etc. (eu teria que ficar aqui um bom tempo), são experiências fantásticas em educação, que aliás estão disponíveis sem custo no SL e podem ser incorporadas a suas aulas por qualquer professor.

Há muita coisa no ar, Marcos – como você é um farejador, fique atento. Esse movimento para o Open Sims. Os incríveis trabalhos que continuam na Unisinos. Slactions chegando. Virtual Worlds Best Practices in Education no início de 2011 (quem sabe batendo os 10.000 participantes). Várias publicações saindo. Mais instituições incorporando mundos virtuais a suas caixas de ferramentas de EaD. E assim por diante. E quase tudo de graça.

Mas enfim, a democracria na educação é isso – cada um tem liberdade para utilizar as ferramentas que considera mais interessantes.

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9 respostas a 2nd Life

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  2. luciano disse:

    Assino embaixo.

    Acredito que existem práticas educacionais fantásticas no SL, basta acompanhar os eventos SLActions, Virtual Worlds, CEF^SL de Aveiro….

    E também se depender dos nossos alunos gostarem ou não do ambiente de aprendizagem para que ele seja bom….concordo que o SL pode ir muito mais longe do que o Moodle por exemplo. Mas neste caso a própria escola está perdida …pq os alunos não gostam dela, ela não faz parte do mundo do aluno…mas isto é outra conversa.

    O que vejo nos “moodles da vida” são listas de textos e vídeos ordenados, intercalados para que sejam lidos de uma forma mecânica, sequencial….fóruns de participação obrigatório…avaliações em mapas de clicagem que tentam unicamente medir, como se isso fosse possível, o desempenho individual dos alunos que parecem estar sozinhos no ambiente…. temos uma educação que se empurra olho abaixo nos nossos alunos…

    O incrível do SL é que se quisermos, podemos também repetir isto no ambiente virtual Second Life, ele também nos dá esta oportunidade de construir ambientes de leitura linear, fóruns de participação obrigatória. Neste caso sim, ele seria um ambiente inútil, já que este tipo de “ensino” se consegue com muito menos recursos no ambiente Moodle por exemplo.
    Para disponibilizar listas com links de leitura não precisamos de um ambiente 3D. Mas não queremos, queremos um ambiente de aprendizagem diferente deste que citei.

    É verdade também que podemos fazer no moodle um ambiente melhor….acredito que não é esta ou aquela ferramenta que vai “salvar a educação”…. o próprio Mattar tem uma citação fantástica, referente a “combinar o sl com outras tecnologias, não pq ele é incompleto, mas pq combinar faz bem”….

    Se apenas usar as tecnologias fosse a solução do problema da educação, principalmente na EAD, já teríamos resolvido isto a muito tempo…Acredito mesmo, que não estamos buscando uma solução, mas várias. Porque não temos um problema, temos vários. E o SL vem sim ajudar em um grave problema, não só da EAD, mas também presencial, que são as questões que tratam da Motivação, do engajamento, da construção colaborativa de conhecimentos, da CRIATIVIDADE, da participação efetiva do aluno no ambiente educacional…..não apenas o aluno como um telespectador….mas um participante da comunidade de aprendizagem….coisa que é muito mais fácil de ser oferecida no Second Life do que no Moodle.

    é mais ou menos isso

    …abraços a todos

  3. João Mattar disse:

    Pois é, Luciano, sem dúvida a questão não é apenas de ferramentas, mas de escola, ou pedagogia.

  4. Enilton disse:

    Pois é pessoal,

    essa discussão vai longe… mesmo porque educação é sinônimo de diversidade, de criatividade, de destreza andragógico-tecnológica ou pedagógico-tecnológica; é também sinônimo de desorganizar para reorganizar, de vencer desafios… além da questão pedagógica.

    não será por conta do SL ou do Moodle que a EaD deixará de ser uma verdade absoluta na sociedade complexa em que vivemos.

    Talvez o que precisamos seja rever alguns métodos da EaD, xerox da prática presencial, da repetição, em nome da ditadura universitária e da pedagogia massificadora…

    Talvez o que esteja faltando seja uma revisão dos métodos para a EaD, a começar pela introdução da andragogia no planejamento do design didático para adultos.

    falamos muito na geração y, z, etc, mas continuamos utilizando a pedagogia no ensino-aprendizagem do adulto.

    obrigado João, por essa oportunidade de discussão sobre algumas dificuldades e polêmicas da EaD.

    abraço a todos.

  5. luciano disse:

    a discussão maior gira em torno da metodologia que podemos utilizar com o ambiente.

    Mas sobre a discussão acerca da geração y, z, etc….vejam este artigo na revista SPIEGEL:
    http://www.spiegel.de/international/zeitgeist/0,1518,710139,00.html

    Alguns pontos interessantes a respeito.

  6. Daiana Trein disse:

    Concordo que a discussão maior seja em torno da metodologia utilizada nos ambientes virtuais de aprendizagem, sejam eles quais forem… mas, quando o assunto gira em torno dos Mundos Virtuais, alguns pontos sempre são comentados: dificuldade de acesso, complexidade do ambiente, excesso de recursos que dificultam a utilização dos usuários.

    Se eu pudesse quantificar, diria que apenas 1 ou 2% dos alunos com os quais já tive este tipo de experiência (e posso dizer que não foram poucos…) não gostaram da experiência de utilizar um Mundo Virtual como o Second Life. Apesar da complexidade e das dificuldades iniciais (que fazem parte de qualquer tipo de aprendizagem), estes ambientes possibilitam um tipo de interação e de interatividade que só quem vive e convive nestes espaços é capaz perceber e mais importante: sentir. A perturbação que um Mundo Virtual desperta no indivíduo (seja ela positiva ou não) pode ser transformada em problematização, desafio, vivências, experiências… e ai entra a questão da metodologia novamente.

    Porém, tudo isso depende diretamente de quem está guiando este processo: o professor. Ele é quem precisa primeiramente acreditar no potencial da ferramenta (independente de qual seja)… caso contrário, na minha opinião, não existe metodologia que funcione.

    AH, obrigada pela citação no post! =)

    Abraços,

    Daiana

  7. Enilton disse:

    olá daina,

    legal as suas ponderações. só não concordei, em parte, com a afirmativa:

    “Porém, tudo isso depende diretamente de quem está guiando este processo: o professor. Ele é quem precisa primeiramente acreditar no potencial da ferramenta (independente de qual seja)… caso contrário, na minha opinião, não existe metodologia que funcione”

    – dentre os sujeitos da aprendizagem virtual, entende-se que o professor seja o mais significativo do ponto de vista da orientação, do incentivo, da facilitação da autocognição do aluno, etc. mas, para ele acreditar na ferramenta, seja ela qual for, primeiramente é preciso que haja um design didático e pedagógico-metodológico bem contextualizado, bem próximo da realidade do aluno e do professor, e principalmente das suas expectativas de aprendizagem.

    - por outro prisma, a metodologia para ser bem compreendida e bem utilizada, com bons resultados, precisa ser construída e retroalimentada a quatro mãos: professor, alunos, gestores e designers da EaD. além de oferecer oportunidades de co-autorias, de flexibilização, colaboração e manipulação durante o ensino-aprendizagem virtual.

    abraços

    Enilton

  8. Daiana Trein disse:

    Olá Enilton, tudo bem?

    Quando você coloca a questão da importancia do design didático-pedagógico e metodológico da ferramenta eu só tenho que concordar com você… isto seria o ideal. Porém a realidade é que os professores não são os conceptores das ferramentas, eles (na maioria dos casos) apenas as utilizam.

    Isto impossibilita que exista um casamento entre a metodologia do professor e a estrutura do software… assim eu coloco a questão de “acreditar na potencialidade” para que ele utilize as opções disponíveis a partir de uma concepção que contemple as necessidades dos alunos e suas expectativas de aprendizagem, bem como as questões que você aponta e que são fundamentais como a flexibilização, colaboração e eu incluiria ainda o estímulo a autonomia e a autoria.

    É o caso do próprio Second Life, uma ferramenta que não foi criada para a educação, mas que os professores adotaram como um espaço de possibilidades e foram criando e desenvolvendo novas metodologias que dessem conta das necessidades dos alunos dentro de um ambiente desta natureza.

    Acredito em metodologias construídas nos processo de ensinar e de aprender em conjunto por professores e alunos , mas para que isso aconteça efetivamente, no caso de ambientes virtuais de aprendizagem, também creio que seja necessário um profundo conhecimento do professor em relação as ferramentas disponíveis, pois a insegurança do professor tende a engessar o processo…

    Abraços e obrigada pelo questionamento!!!!

    Daiana

  9. Enilton disse:

    bão de mais daina…

    eu só queria registar aqui o outro viés dessa discussão que vc, sabiamente, nos lembrou: a insegurança do professor e o engessamento do processo…

    pois é, acaba sobrando para o professor o ônus da insegurança e do engessamento da EaD, resultado da negligência do governo brasileiro e das IES que insistem em oferecer cursos de profissionalização e formação do professor para a EAD, baseados em teorias e metodologias do ensino presencial, baseados na pedagogia da transferência.

    agora quem agradece sou eu, por mais está importante conexão que vc deixou aqui para nossa reflexão.

    grande abraço.

    Enilton

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