Humildade Epistemológica

Com 17 anos, comecei a dar aula – de violão! Nestes 30 anos, fui construindo uma experiência considerável, passando por cursos livres, faculdades, centros universitários e universidades. Mas o bonito desse percurso é que, em vários momentos, me pego aprendendo e tendo que mudar minhas concepções sobre ensino e aprendizagem. Foi o que aconteceu ontem!

Desde o começo do semestre, estou dando aula para uma turma que eu já estava considerando “perdida”. Era incrível seu descompasso em relação a outras turmas, da mesma disciplina. Não estava conseguindo tocar o programa, as aulas não fluíam, muitos alunos não realizavam (no laboratório) aquilo que eu pedia, enfim, estava me remoendo para achar uma nova estratégia para tentar fazer a coisa funcionar.

Na semana passada, solicitei a alteração de laboratório, porque, além de a turma não estar cabendo no laboratório em que estávamos tendo aula (o que fazia com que mais de 1 aluno sentasse em cada computador), havia uma fileira (e várias outras posições) das quais ninguém conseguia enxergar nada do que era projetado pelo datashow – deixando assim vários alunos alienados da aula. Ontem, tivemos a primeira aula em um novo laboratório, muito mais adequado, no qual não só coube todo mundo, como também a visão da projeção era adequada, de todos os lugares, a iluminação melhor etc.

Achei que isso iria ajudar a resolver apenas parte do problema, e que eu teria que continuar “enfrentando” a classe, mas na verdade resolveu tudo. Dei uma aula ontem como talvez não tenha dado nunca nessa disciplina, neste e mesmo em outros semestres. Em vários momentos, percebi todos os alunos do laboratório (mais de 50) prestando atenção e refletindo sobre o que eu falava, alcançamos um nível de silêncio incrível, e praticamente todos (inclusive aqueles que estavam antes alijados do curso, porque sentavam no outro laboratório em posições que impossibilitavam a visão adequada) conseguiram realizar as complexas atividades propostas na aula, em seus respectivos computadores. Os alunos inclusive se ajudaram e o rendimento da aula foi impressionante – acabamos inclusive antes do tempo previsto, sendo que nas aulas anteriores eu nem conseguia cumprir com a classe as atividades propostas.

Conclusão: a minha visão da turma estava totalmente distorcida, e era causada (assim como seu rendimento ruim) diretamente pelo layout e tamanho inadequado do laboratório que estávamos usando. Gosto de dizer que cada classe tem uma alma, e ontem na verdade acabei conhecendo uma segunda alma dessa classe, ou a verdadeira, muito diferente da primeira.

Portanto, além de ontem aprender que posso estar redondamente enganado na minha avaliação sobre meus alunos, aprendi também a importância que o espaço físico e o layout de uma classe desempenham no rendimento de um curso e dos próprios alunos. O espaço e o layout determinam diretamente os resultados do processo de ensino e aprendizagem, portanto não podem ser tratados como variável de pouca importância, mas devem ser encaradas como variáveis essenciais, que influenciam decisivamente o que podemos fazer em educação. Duas coisas que, teoricamente parecem óbvias, mas que, quando vividas, adquirem um valor inestimável e reforçam a importância da nossa humildade epistemológica.

Ruth Reynard, em Designing learning spaces for instruction, not control, faz uma interessantíssima reflexão sobre o design de ambientes de aprendizagem para o ensino, não o controle. Para a autora, muitas salas de aula e inclusive alguns ambientes virtuais de aprendizagem são planejados com um tipo de aprendizagem em mente, fixo e centrado no professor, sofrendo do que ela chama de síndrome da ‘lareira’, em que algo tem que estar fixo a uma parede (um quadro, um projetor etc.), tendo em geral na frente algum tipo de pódio ou mesa do professor. Nós sabemos instintivamente que a lareira está colocada em um lugar por uma razão, e devemos então prestar atenção naquele lugar, já que é daquele lugar que toda informação importante fluirá. Virtualmente, isso é determinado por como o design e o fluxo do conteúdo e da interação ocorrem para o aluno, e quem controla o acesso ao conteúdo do curso e às escolhas instrucionais.

Ambientes, entretanto, são importantes para influenciar percepções e expectativas, para energizar os alunos e envolvê-los. Para Reynard, o fluxo de interação de uma sala de aula convencional poderia ser representado pela figura a seguir:

Nesse cenário, toda interatividade e distribuição de trabalho fica dependente do professor. Um cenário alternativo poderia ser representado pela figura a seguir:

Já em Learning Spaces, Malcolm Brown ressalta a importância de conectar o que ocorre na sala de aula com o que ocorre em ambientes informais e virtuais. As instituições precisam garantir que espaços reais e virtuais fora da sala de aula também encorajem o aprendizado. Afinal, uma parcela significativa do aprendizado ocorre fora da sala de aula formal, onde as pessoas se reúnem para interagir. Brown fornece vários exemplos interessantes, inclusive com fotos, desde salas de aulas tradicionais equipadas com tecnologia até espaços colaborativos multimídia, integrando acesso wireless, dispositivos móveis, laboratórios, bibliotecas e outros serviços.


Technology-Supported Lecture Hall


Learning Commons


Media Studio

O design de ambientes de aprendizagem é um projeto de larga escala e longa duração, que envolve a integração de uma visão curricular e global, tecnologias emergentes e layout.

Nesse sentido, vale a pena ficar de olhos e ouvidos abertos para o GENTE – Ginásio Experimental das Novas Tecnologias Educacionais, mais um projeto criativo da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, que dentre várias outras propostas inovadoras, repensa radicalmente o layout das salas de aula.

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3 respostas a Humildade Epistemológica

  1. João, cincoenta alunos em um laboratório? Precisamos melhorar muito o lay-out e as estratégias didáticas. Mas é bom de ver que o verdadeiro aprendiz não desiste nunca e sempre busca melhorar a aprendizagem dos outros aprendizes.

  2. sergio bicudo disse:

    otima reflexao ..
    muitas vezes puxei carteiras ou fui pro meio da muvuca ou fundão
    pra quebrar o ritmo da aula ..

    fileiras inacessíveis, lugares invisíveis são a morte progressiva ..

    infelizmente somos os últimos a palpitar no espaço ,..
    calor/frio, eco, barulho, excesso de alunos ..
    o “show-man” que se vire ..

    lembremos tb das idéias de roda de paulo freire, tiao rocha ..

  3. Prof. VALENTE disse:

    Interessante … Muito interessante JOÃO !! Isso me faz lembrar de um experiência que foi realizada muito remotamente, onde operários de uma fábrica estavam sendo analisados e as situações do ambiente. No primeiro momento aumentaram a intensidade luz e houve uma consequente aumento de produção …

    Mas, o que foi mais engraçado é que depois de um tempo diminuiram bem a iluminação, e o que era esperado foi totalmente contraditório !!! A produção continuou aumentando !?! … Como que pode ?!?

    A conclusão que chegaram foi que o fator mais significativo para esses operários foi a atenção que estavam recebendo !! Pois, eram realmente considerados como seres humanos e com possibilidades de contribuições sociais …

    Acho que é a mesma situação JOÃO !! Os alunos perceberam que “você” estava preocupado com eles. Que você lutou por um ambiente mais adequado. Que eles estavam sendo respeitados … Logo, eles deram o devido reconhecimento para você, e para eles mesmos !!

    Outro ponto, JOÃO, que me remete isso foi aquela tua primeira experiência no SECOND LIFE. Como você estava bastante enriquecido com experiências via chat, a primeira coisa que lhe passou na cabeça, foi fazer uma reunião baseado nesse recurso. No entanto, como eu, naquela ocasião estava mais “maceteado” com o SL lhe dei a sugestão de realizar os encontros em vários lugares geográficos do mundo virtual. E acredito que você teve bastante sucesso !!

    Minhas conclusões: alunos que entendem que o professor não é mais um que está ali na frente, mas que percebe, e tenha a sensibilidade de sentir e ver os problemas com os olhos dos alunos, esses professores ganham automaticamente respeito pela turma. E outra coisa, se as aulas a cada momento fosse num lugar geográfico diferente, mais ricas seriam as aulas. Nos, seres humanos, detestamos ficar sempre nos mesmos lugares, gostamos de explorar novos espaços, novos angulos de enxergarmos as coisas !!

    Em minhas experiênciais filosofais percebi que se estivermos num templo durante algum período de tempo sempre no mesmo lugar, e de repente começarmos a sentar em outro lugar, parece que mudamos de ambiente !! Seria muito legal que os alunos pudessem vivenciar isso. Ou seja, a cada período de tempo, sentarem em lugares diferentes. As aulas nunca mais seriam as mesmas …

    OBS.: o professor também deveria a cada momento ministrar as aulas em lugares diferente da sala de aula, explorar melhor o lugar físico, aproveitar cada angulo da sala, montar grupos diferentes de alunos, em lugares distintos da arena escolar. As aulas nunca mais seriam as mesmas …

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