Mestre dos Mestres

O caminho mais do que familiar que faço há anos para voltar para casa, depois de dar aula à noite, teve um colorido todo especial hoje. A Arzelinda me enviou pela Carol o CD Mestre dos Mestres: Homenagem a Henrique Pinto.

[photopress:henrique_pinto.jpg,full,pp_image]

Voltei para casa ouvindo o CD e fuçando o encarte – que coisa linda! As fotos do Henrique, desde pequeno (que eu nunca tinha visto), são impressionantes: seu olhar sempre fixo e comprometido prenunciavam a pesssoa focada que ele seria.

Eu já tinha deixado por aqui uma homenagem ao Henrique Pinto. São poucas as pessoas que admiro e me marcaram na vida como ele: meu pai, 2 tias, talvez + uma ou outra pessoa. Mestre dos Mestres foi um título muito feliz.

Comecei minha carreira de professor dando aulas de violão aos 17 anos. Não me tornei um violonista profissional, mas gravei, dei concertos e habito e comungo o mundo mágico do violão, e parte dessa iniciação foi conduzida pelo querido Henrique. Ouvindo o CD, senti-me transportado para outro universo, dentro do corpo do violão. É um vício, um realidade alternativa. São poucos os lugares na vida em que me sinto em casa: lendo e pesquisando, escrevendo, ensinando, literatura, filosofia, jazz… e violão.

O CD, produzido pelo selo Música Maru, está disponível no iTunes. Tocam violonistas de primeira, alguns dos quais tive o prazer de conhecer, como Fábio Zanon, Paulo Porto Alegre (um concerto tocando Beatles no MASP dentre os momentos inesquecíveis da minha vida) e Paulo Martelli. Não tinha entendido como era a homenagem, mas eles não tocam nenhuma música do Henrique – ele compôs poucas coisas, não era esse seu foco; tocam peças diversas, Mudarra (a incrível Fantasia X), Downland, Bach, Tarrega (o clássico Recuerdos de Alhambra) etc. A homenagem está em que, ouvindo todos (que foram seus alunos) tocarem, sentimos a sonoridade que o Henrique foi capaz de imprimir ao violão brasileiro. É como se ele estivesse presente em cada som, em cada nota, no ar.

Cf. fotos um vídeo com depoimentos e partes da gravação:

O formalista russo Victor Shklovsky, no incrível ‘Arte como técnica’ (Teoria da Prosa, 1925), afirma que quanto mais conhecemos e nos acostumamos com um objeto, mais nossa percepção se torna habitual, automática e mesmo inconsciente. Ocorre um processo de algebrização e superautomatização do objeto, que torna a relação sujeito/objeto sem vida: “E assim a vida é avaliada como nada. A habitualização devora o trabalho, roupas, móveis, uma esposa e o medo da guerra.”

A arte seria então uma técnica para modificar essa percepção automatizada, tornando os objetos não familiares pela alteração da forma como os percebemos. A arte remove os objetos do automatismo da percepção, permitindo-nos enxergar as coisas fora do seu contexto normal:

A arte existe justamente para que possamos recuperar a sensação de vida; ela existe para nos fazer sentir as coisas, para tornar a pedra rígida. A finalidade da arte é transmitir a sensação das coisas como elas são percebidas, não como elas são conhecidas. A técnica da arte é tornar os objetos ‘estranhos’, tornar as formas difíceis, aumentar a dificuldade e a duração da percepção, pois o processo de percepção é um fim estético em si mesmo e deve ser prolongado.

A técnica da desfamiliarização na arte provoca, portanto, uma percepção desautomatizada. A arte é responsável por apresentar as coisas em uma nova e estranha forma, desfamiliarizando o conhecido pela manipulação formal.

É o que acontece quando ouvimos um belo violão, é o que acontecia sempre nas conversas com o Henrique. Foi o que aconteceu na minha volta para casa hoje, pelo caminho com o qual já estou mais do que acostumado, mas que hoje foi desfamiliarizado.

Valeu muito, Linda & Carol!

FacebookTwitterGoogle+Compartilhar
Esta entrada foi publicada em Música. Adicione o link permanenteaos seus favoritos.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *

*

Você pode usar estas tags e atributos de HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <strike> <strong>