Nos últimos dias, tenho discutido e refletido bastante sobre a questão da linearidade em educação, mais especificamente em EaD e na formação de professores. Há diferentes sentidos para o termo linear que queria explodir com você um pouco por aqui , ou seja, você está mais do que convidado a alimentar essa explosão!
Um primeiro sentido para linear (1a) é existir uma sequência de cursos – Curso 1, Curso 2, Curso 3 etc. Só o fato de os cursos estarem organizados e apresentados em uma sequência lógica, como por exemplo em progressão de dificuldade, já caracterizaria linearidade em um programa de formação. É possível imaginar uma rota que não esteja necessariamente organizada no formato de cursos, com um caminho menos definido no começo, como no caso de uma pesquisa de mestrado ou doutorado, dos MOOCs etc.
O fato de os cursos estarem liberados todos de uma vez ou serem liberados sequencialmente, em datas distintas, caracterizaria também menor ou maior linearidade (1b).
Outro tipo de linearidade (1c) seria o fato de o aluno ter que cumprir a sequência, ou seja, ter necessariamente que fazer primeiro um curso, depois outro etc., sem poder percorrer uma rota alternativa, personalizada, que mais lhe interesse, pulando alguns cursos, deixando de fazer outros etc.
Esses seriam exemplos de linearidade no percurso da formação composta por mais de um curso – você enxerga mais algum?
Mas é possível também pensar na linearidade na organização e no percurso dos cursos individuais.
Alguns cursos estão organizados em forma de aulas – aula 01, aula 02 etc. Independente de como o aluno percorra essas aulas, isso já caracteriza um tipo de linearidade (2a) – há outros modelos de cursos que não são organizados em aulas, mas em tópicos diversos, debates, atividades, projetos etc., que não estão necessariamente organizados tão sequencialmente.
Novamente, o fato de as aulas serem liberadas todas de uma vez ou em datas diferentes (2b), e de o aluno ter que cumprir necessariamente a sequência das aulas ou não (2c), caracterizaria maior ou menor linearidade.
Além disso, há um tipo de linearidade no timing proposto para um curso (2d). Alguns cursos, como p.ex. os autoinstrucionais, permitem que o aluno progrida no seu próprio ritmo. Outros, estruturados com base na interação e colaboração em grupo, exigem que o aluno cumpra certo protocolo, que em alguns casos inclusive siga um cronograma para as atividades, justamente porque elas são desenvolvidas em grupo, não apenas individualmente. Ou seja, em algum sentido o aluno depende do ritmo dos outros, precisa adequar seu ritmo ao dos outros. É claro que há nesses cursos interativos e colaborativos espaço para cada aluno definir seu próprio ritmo, seja no percurso do material e/ou na realização de atividades individuais, mas o material pode não ser disponibilizado todo de uma vez (mas em etapas), as atividades podem ter prazos definidos e assim por diante. É importante notar que o menor nível de linearidade que, nesse sentido, os cursos autoinstrucionais permitem, sacrifica seu nível de interatividade.
Mesmo quando o curso pende mais para o autoinstrucional, pode haver maior ou menor linearidade se o aluno deve necessariamente passar por passos – ou seja, percorrer primeiro a seção 1, depois a seção 2 etc., entregar primeiro a atividade 1, para então liberar a atividade 2 e assim por diante (2e).
É possível ainda falar de linearidade na exposição do conteúdo (2f). Em alguns cursos, há começo, meio e fim, mas outros conteúdos estão estruturados de maneira hipertextual, convidando o aluno a explorar o material em uma ordem aleatória, com liberdade para descobrir e criar arranjos de aprendizagem mais adequados a seus estilos de aprendizagem. O aprendizado seria então um caminho construído pelo próprio aprendiz, preenchido por suas escolhas. O aluno seria, nesses cursos, também autor. Isso é explorado de uma maneira muito interessante, na reflexão sobre os games, tanto por Lehto quanto por Juul.
Enfim, não há um sentido único para linearidade em EaD, e você talvez tenha até pensado em outros – continuarei a ampliar esta reflexão com as suas sugestões. Por isso, é importante definir o que se quer dizer com maior ou menor linearidade quando se fala em educação, porque uma proposta pode ser menos linear em um desses aspectos, mas muito mais linear em outro(s). Naturalmente, o contexto, os atores (e seus estilos e preferências cogntivos e de aprendizagem), os objetivos e os conteúdos deveriam determinar o nível de linearidade mais adequado a um curso e a um programa de formação, e não as nossas preferências pessoais de aprendizagem como designers educacionais. Os outros são outros, não são iguais a nós, e nossa missão não é converter os outros à nossa visão de mundo.
E cabe também refletir que não linearidade não gera, por si só, melhores resultados de aprendizagem. Como já vimos, cursos autoinstrucionais podem ser menos lineares (em vários dos aspectos indicados – não em todos), mas, ao mesmo tempo, voltados apenas para a aprendizagem individual, desprezando assim a interatividade e a colaboração. Na formação de professores, cujo desafio em geral é coordenar grupos de pessoas, a opção pela não interatividade pode ser um equívoco fatal, pode nos levar a formar um profissional que não esteja preparado para desempenhar as funções que toda a sociedade espera deles. Ou seja, o pavor da linearidade não pode ser o único guia para as decisões em um processo de formação. O desafio parece ser combinar adequadamente graus (e variações) de não linearidade, interatividade e outros ingredientes em função de cada caso – e não ter uma receita pronta.
João,
Acredito que a linearidade, por menor que seja seu nível, é um aspecto que sempre vai existir em qualquer processo humano, porque pressupomos que existe uma ordem ou várias ordens possíveis para se fazer algo.
Prá alimentar a explosão que você propõe, uma outra questão que me parece importante é: quais os aspectos que influenciam a definição de uma dada sequência? Acredito que a linearidade pode ser menos nociva do que vemos hoje.
Na minha concepção, ela precisa se fazer a partir da mobilização das experiências já vivenciadas; do emprego dessa experiência no fazer – valorização da prática e da experiência em contextos reais ou próximos do real -; da oferta de feedbacks para que os estudantes possam pensar sobre o que fizeram e identificar coerências e incoerências para pensar em estratégias de aperfeiçoamento para a forma como resolveram a atividade; análise e avaliação do produto gerado com a realização da atividade em pares.
Nessa concepção, a teoria, que é quase o que fundamentalmente baseia decisões sobre linearidade nos programas hoje, viria depois dessas tantas tentativas de fazer-pensar-fazer de novo de modo distinto, o que nos levaria a uma síntese do que foi aprendido, aplicando tudo em novos contextos, que eu poderia comparar a fazer um bolo tão bem feito, que tem cereja e tudo…
Então, penso que, enquanto a linearidade ficar focada no aspecto teórico, nós estaremos desvelando uma faceta ainda colonialista, escravocrata, que torce o nariz para o fazer e põe o acesso às idéias produzidas por outros como o ponto mais importante do processo – claro, pôr a mão na massa é coisa para os escravos e nós temos ainda um pouco de asco para olhar para esse nosso passado…
Acredito que seja exatamente essa herança que ainda nos impele a compreender a teoria como o ponto de partida, quando faria mais sentido se a considerarmos como uma ferramenta que, constituindo um conjunto de saberes sistematizados pela humanidade, pode nos ajudar a aperfeiçoar a maneira como os integrantes dessa mesma humanidade executam um sem-número de ações.
Abraço e que bom que levantou esse tema que ainda nos traz tantas interrogações, apesar de ele nos ser tão familiar!
Joelma, mas como pensaria os cursos autoinstrucionais nessa sua reflexão?
Que texto interessante… é a primeira vez que leio algo aqui e, pelo visto minha curiosidade pelo que está dizendo não irá me decepcionar. Você me parece ser um professor que se importa de verdade.
Olha, o que me ocorre para interromper a Linearidade, (mas sera isso que vc quer explodir?) , o que me vem imediatamente eh o tipo de escolha , como em uma rede, onde cada um vai encontrar o aprendizado que busca, ou seja, qual peixe deseja ou de acordo com as suas escolhas o que ele vai pescar!
Explico melhor, a minha idéia eh o inicio dado por vc, com opções, a cada opção vc dará mais opções de liv arbítrio ao aluno, como vc fala no FB cada um tem seu ritmo e a escolha levara adiante a sua motivação e engajamento.
Difícil ainda a minha explicação, pois bem, eu gostaria de um curso onde eu poderia tecer as minhas próprias opções e/ou escolhas, tipo a literatura , da pagina 34, escolha a opção de seguir a 22, ou a 44 e assim por diante. desta forma vc quebra a linearidade do aluno, e na verdade ele tecera a sua rede, o seu percurso que nao eh linear! Caso ocorra mais alguma explosão, volto a escrever, bj.
Mas vc também terá opções, pois na verdade vc nao pode impor ao aluno a sua linearidade, mas ele pode criar a linearidade dele…. O mais trabalhoso sera a sua nao linearidade de criar opções, sozinho ou com colaboradores que darão mais opções também…
Nao existe uma ordem Joao, para mim o sistema nos habitua a uma ordem!
O que quebra a linearidade eh a formação do angulo, eh a dobra, eh a esquina, eh a encruzilhada, eh ter de escolher a cada momento, eh contemplar o seu juízo de valor aplicado e ficar curioso com o outro caminho que deixou de lado, eh envolver o aluno nas suas próprias decisões nao lineares. Kkkk.