Hoje foi o lançamento do livro Tecnologias Digitais nas Interfaces da Comunicação/Educação: desafios e perspectivas, organizado pela professora Lucilene Cury. Escrevi o Prefácio, reproduzido abaixo.
Prefácio
Este livro é o admirável resultado de um trabalho coletivo em uma disciplina de pós-graduação. Ao percorrê-lo do início ao fim, você se encontrará com John Dewey, Paulo Freire, Manuel Castells, Pierre Lévy, Raquel Recuero, Marco Silva e muitos outros pensadores dialogando com os autores dos diversos capítulos. No final do percurso, restará a sensação de que o livro é a demonstração prática de como as diversas teorias discutidas aqui podem contribuir para a educação e a comunicação.
Maria Teresa Quiroz Velasco inicia o artigo de abertura afirmando: “Si logramos comprender que el problema no es tecnológico, sino de comunicación, daremos pasos seguros para integrar las tecnologías digitales a los procesos de aprendizaje.”
Na verdade, o problema é de comunicação, é de educação, mas é também tecnológico. Não precisamos mais ter vergonha de dizer: trata-se (também) de tecnologia. Aliás, o desafio é justamente este: habitar confortavelmente o local de cruzamento entre essas três vias, integrá-las, construir esse espaço que não nos é dado de antemão, que não é naturalmente nosso, que no fundo não existe. E a costura textual realizada neste livro, pelas visões de diferentes teorias e áreas, logra exatamente isso: explorar e propor trilhas para os possíveis encontros entre educação, comunicação e tecnologia.
Mais à frente, Velasco afirma: “Si bien las instituciones educativas han venido creciendo exponencialmente, buscando la igualdad y la homogeneidad como objetivos, olvidaron a la persona y sus diferencias, proponiendo un método único. Los vínculos personales con cada estudiante y el respeto a sus particularidades como sujeto, son indispensables.”
O outro desafio de quem trabalha com educação e tecnologia é justamente integrar a este espaço de confluências o ser humano, o professor que foi expulso da educação a distância, substituído inicialmente pelo tutor passivo, pelo impostutor, pelo monitor, que em muitos projetos autoinstrucionais já não existe mais nem mesmo nesses formatos. Assim, você refletirá por aqui sobre interação e interatividade, redes sociais, estilos de aprendizagem e personalização do aprendizado, movimentos que ressaltam a importância das pessoas no ato da comunicação educacional, mas não ouvirá falar de conteúdo pronto, mastigado, enlatado. O professor e o aluno têm, neste livro, um papel de autores e criadores, imersos em ferramentas e ambientes tecnológicos.
Buckingham (apud Velasco) fala de uma brecha digital cada vez mais profunda entre a experiência dos jovens com tecnologia fora e dentro da escola. A brecha é pedagógica e um problema de comunicação, ao mesmo tempo em que é tecnológica, um problema de uso de tecnologia. Como afirma Velasco, temos que transitar de um modelo pedagógico que repousa na transmissão de conhecimento para um modelo baseado na interatividade. Um novo modelo que envolve mudanças no fluxo de comunicação na educação, como defende Marco Silva, mas que implica também mudanças na forma como integramos novas ferramentas às práticas docentes e discentes. Para isso, precisamos desvendar o potencial pedagógico dessas ferramentas, explorar os usos da tecnologia e suas aplicações na educação. E você encontrará muitos exemplos desse modelo digital interativo por aqui.
Em “Plágio Discente no Contexto da Educação a Distância”, por exemplo, Fábio Rocha Santos e Valéria de Fátima Machado Zeferino chamam a atenção para o plágio acidental e não intencional. Temos que educar os alunos a pesquisar em fontes digitais e em questões de direitos autorais, mas precisamos também aprender como eles produzem colaborativamente. O uso de tecnologias em educação e a educação à distância convidam-nos a pensar em modelos de avaliação alternativos, em que algo precisa ser construído e produzido pelo próprio aluno, muitas vezes em grupo. Nesse contexto, a questão do plágio assume novas conotações, muito mais complexas. Este é um dos desafios de habitar esse espaço inexistente de cruzamento entre a educação, a comunicação e a tecnologia, com o olho centrado no ser humano. Somos instigados a educar nossos alunos para alguma coisa que não sabemos fazer – e usamos o plágio como punição para nosso fracasso em desenvolver atividades criativas e colaborativas, e desenhar sistemas de avaliação adequados a elas. Neste capítulo, Fábio e Valéria retiram a culpa do aluno e pensam o problema do plágio de uma maneira mais ampla, envolvendo diversas variáveis como o design da atividade proposta, a pressão por resultados, a relação professor/aluno e a comunicação. O mesmo movimento você encontrará em outros capítulos.
Como por exemplo no capítulo “As Redes Sociais como Ferramentas Colaborativas para o Ensino-Aprendizado”, em que Giseli Adornato de Aguiar e Joeli Espírito Santo da Rocha argumentam que Facebook, Orkut e Twitter não são redes sociais, mas ferramentas que possibilitam a interação e permitem a conexão entre pessoas. A questão é então de comunicação mas também de tecnologia, já que precisamos saber usar essas ferramentas adequadamente na educação. Mas é também uma questão humana, relativa ao ser humano.
Para o filósofo japonês Watsuji Tetsuro (1889-1960) , a ética individualista ocidental ignora a vasta rede de interligações que faz de nós seres humanos. Somos intrinsecamente sociais, conectados de várias maneiras. Pessoas individuais, se concebidas de forma isolada de seus diferentes contextos sociais, não podem existir senão como abstrações. Nesse sentido, seriam abstrações o conteudista, o designer instrucional, o tutor e o aluno da educação a distância fordista. E este texto persegue pessoas de carne e osso.
Espacialmente, movemo-nos em um campo comum, um campo cultural que é atravessado por estradas e caminhos, por formas de comunicação como serviços de correio, rotas postais, jornais, panfletos e transmissões a grandes distâncias, além das conversas de todos os dias.
Ningen (pessoa humana) é composto de duas partes: nin, que significa pessoa ou ser humano, e gen, que significa espaço ou entre. Ou seja, o ser humano não é apenas um indivíduo, mas é também membro de vários grupos sociais. Somos indivíduos, mas não somente, pois somos também seres sociais; e somos seres sociais, mas não só, pois somos também indivíduos.
Cada um de nós é um nexo de caminhos e estradas. Este livro é um exercício de exploração e construção desse cruzamento mágico entre a educação, a comunicação e a tecnologia, onde habita o ser humano. Boa leitura!