QUINTERO, Pablo; FIGUEIRA, Patrícia; ELIZALDE, Paz Concha. Uma breve história dos estudos decoloniais. Trad. Sérgio Molina e Rubia Goldoni. São Paulo: MASP Afterall, 2019. Resenha de João Mattar.
O artigo é uma condensação e atualização de:
GRUPO DE ESTUDIOS SOBRE COLONIALIDAD (GESCO). Estudios Decoloniales: Un Panorama General. KULA. Antropólogos del Atlántico Sur, Buenos Aires, n. 6, p. 8-21, 2014.
Em uma nota, os autores discutem o uso das palavras descolonial e decolonial:
Não há consenso quanto ao uso do conceito decolonial/descolonial, ambas as formas se referem à dissolução das estruturas de dominação e exploração configuradas pela colonialidade e ao desmantelamento de seus principais dispositivos. Aníbal Quijano, entre outros, prefere referir-se à descolonialidad, enquanto a maior parte dos autores utiliza a ideia de decolonialidad. Segundo Catherine Walsh (WALSH, Catherine (org.). Interculturalidad, Estado, sociedad: luchas (de)coloniales de nuestra época. Quito, Universidad Andina Simón Bolívar–Abya- -Yala, 2009.), a supressão do “s” não significa a adoção de um anglicismo, mas a introdução de uma diferença no “des” castelhano, pois não se pretende apenas desarmar ou desfazer o colonial. (p. 4).
O texto começa destacando a importância das publicações do sociólogo peruano Aníbal Quijano (1928-2018) sobre colonialidade, revisitando a noção de modernidade, e do projeto MCD – Modernidade/Colonialidade/Decolonialidade (ESCOBAR, 2005).
Os estudos decoloniais apresentam semelhanças e diferenças em relação aos estudos subalternos e pós-coloniais. O intelectual e ativista palestino Edward Said (1935-2003) exerceu influência sobre esses dois conjuntos de crítica. Os estudos subalternos são inaugurados na Índia pelas pesquisas de Ranajit Guha, com forte influência do marxismo gramsciano, constituindo durante a década de 1980 uma importante contribuição para a crítica do eurocentrismo e das dinâmicas gerais do colonialismo. Já os estudos pós-coloniais desenvolveram-se influenciados pelo pós-modernismo e pelo pós-estruturalismo.
Os procedimentos conceituais associados aos estudos decoloniais mencionados no texto (p. 5) são:
1. A localização das origens da modernidade na conquista da América e no controle do Atlântico pela Europa, entre o final do século 15 e o início do 16, e não no Iluminismo ou na Revolução Industrial, como é comumente aceito;
2. A ênfase especial na estruturação do poder por meio do colonialismo e das dinâmicas constitutivas do sistema-mundo moderno/capitalista e em suas formas específicas de acumulação e de exploração em escala global;
3. A compreensão da modernidade como fenômeno planetário constituído por relações assimétricas de poder, e não como fenômeno simétrico produzido na Europa e posteriormente estendido ao resto do mundo;
4. A assimetria das relações de poder entre a Europa e seus outros representa uma dimensão constitutiva da modernidade e, portanto, implica necessariamente a subalternização das práticas e subjetividades dos povos dominados;
5. A subalternização da maioria da população mundial se estabelece a partir de dois eixos estruturais baseados no controle do trabalho e no controle da intersubjetividade;
6 . A designação do eurocentrismo/ocidentalismo como a forma específica de produção de conhecimento e subjetividades na modernidade.
Essas operações epistêmicas são entrelaçadas pela categoria colonialidade do poder, a face oculta da modernidade associada ao capitalismo:
A colonialidade do poder configura -se com a conquista da América, no mesmo processo histórico em que tem início a interconexão mundial (globalidade) e começa a se constituir o modo de produção capitalista. (p. 5).
A emancipação latino-americana no início do século 19 teria marcado a superação política do colonialismo, mas não da colonialidade.
Os autores definem então quatro conceitos: colonialidade do saber, do ser, da natureza e do gênero.
A colonialidade do saber, trabalhada na coletânea de Lander (2000), aponta para o caráter eurocêntrico do conhecimento moderno e sua articulação com as formas de dominação colonial/imperial.
Nesse sentido, o eurocentrismo funciona como um locus epistêmico de onde se constrói um modelo de conhecimento que, por um lado, universaliza a experiência local europeia como modelo normativo a seguir e, por outro, designa seus dispositivos de conhecimento como os únicos válidos. (p. 7).
Já a colonialidade do ser, proposta no capítulo de Maldonado-Torres (2007), envolve o constructo “raça” e a desqualificação epistêmica do outro:
A colonialidade do ser como categoria analítica viria revelar o ego conquiro que antecede e sobrevive ao ego cogito cartesiano (DUSSEL, 1994), pois, por trás do enunciado “penso, logo existo”, oculta -se a validação de um único pensamento (os outros não pensam adequadamente ou simplesmente não pensam) que outorga a qualidade de ser (se os outros não pensam adequadamente, eles não existem ou sua existência é dispensável). Dessa forma, não pensar em termos modernos se traduzirá no não ser, em uma justificativa para a dominação e a exploração. (p. 7-8).
A colonialidade da natureza envolve questões ecológicas e ambientais e suas relações com o capitalismo e o neoliberalismo.
Por fim, a colonialidade do gênero (e da sexualidade) admite articulação com as teorias feministas.
Os autores apontam ainda, como estudos da decolonialidade, o resgate de obras latino-americanas esquecidas e pensamentos alternativos, além do desenvolvimento de pesquisas teóricas e históricas, incluindo movimentos sociais e trabalho, citando alguns autores e obras. Vários estudos, apesar de não se classificarem como decoloniais, assumem alguns de seus pressupostos teóricos e metodológicos.
Referências
DUSSEL, Enrique. El encubrimiento del otro. Hacia el origen del mito de la modernidad. Quito: AbyaYala,1994.
ESCOBAR, Arturo. Más allá del tercer mundo: globalización y diferencia. Bogotá: Instituto Colombiano de Antropología e Historia—Universidad del Cauca, 2005.
LANDER, Edgardo (org.). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO, 2000.
MALDONADO-TORRES, Nelson. Sobre la colonialidad del ser: contribuciones al desarrollo de un concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón (org.). El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores; Universidad Central, Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos y Pontificia Universidad Javeriana, Instituto Pensar, 2007. p. 127-167.